sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

SESSÃO 7: 15 DE FEVEREIRO DE 2016


SYLVIA SCARLETT (1935)


Katharine Hepburn teve uma estreia fulgurante no teatro e no cinema e, em meia dúzia de anos, tornou-se numa das mais apaixonantes vedetas do céu estrelado de Hollywood (curiosamente nunca habitou longas temporadas nem em Hollywood, nem sequer em Nova Iorque, ela era dada ao Connecticut, onde nasceu e haveria de falecer). Mas desde muito nova que gostava de se vestir com roupa masculina, era mesmo considerada uma maria-rapaz, cortava o cabelo rente e respondia pelo nome de Jimmy. Filha de uma sufragista, ficou-lhe da herança materna esse gosto pela independência, essa necessidade de emancipação e de rebeldia de que deu sobejas provas ao longo de toda a sua vida artística, criando personagens inesquecíveis e invulgares na cinematografia norte-americana dos anos 30 em diante. Esse seu gosto pela androgenia não lhe retirava, contudo, um lado feminino muito sedutor para quem o soubesse descobrir para lá da aparente arrogância que muitas vezes aparentava.
“Sylvia Scarlet”, filme de 1935, é um dos seus trabalhos de início de carreira (“A Bill of Divorcement”, de George Cukor, é a sua estreia no ecrã e data de 1932), mas surge já como protagonista indiscutível, ao lado de Gary Grant, com quem contracenou por quatro vezes, sob a direcção de George Cukor, que a lançou no cinema e com quem colaborou em dez títulos. Acrescente-se que, mulher de fidelidades, iniciou em 1942 uma relação profissional e amorosa com Spencer Tracy, que só iria terminar 25 anos depois, com a morte do actor, depois de ambos terem aparecido juntos em nove filmes. Mas “Sylvia Scarlet” merece referência por diversos aspectos e um deles é precisamente por ser uma obra onde Katharine Hepburn dá largas à sua androgenia, interpretando o papel de uma jovem francesa que passa por rapaz, vestindo-se e agindo enquanto tal com certa desenvoltura.


Sylvia vive em Marselha com o pai, viúvo e grande apreciador de jogos, que o arruinaram e o levam a ter de fugir para Inglaterra. Por forma a passarem despercebidos na sua viagem para a Grã-Bretanha, Sylvia muda de género e passa a chamar-se Sylvestre (diga-se que esta mudança de género é um dos aspectos desconcertantes desta obra, pois não se percebe muito bem quais as razões para esta decisão – não se torna mais credível por isso, muito pelo contrário, como se deve calcular). Estamos o domínio da comédia onde o disfarce predispõe a situações equívocas para serem exploradas futuramente. “Sylvia Scarlet” é, nesse particular, muito sugestivo e algo inesperado na época. O código Hays, que começou a ser aplicado em 1934, ainda não tinha aperfeiçoado o seu controlo sobre a indústria cinematográfica, senão muito dificilmente concederia licença para produção de um título tão subversivo em matéria sexual. Claro que Cukor era já mestre na arte das subtilezas, mas o clima de ambiguidade sexual em que decorre todo o filme é de molde a perturbar as boas consciências.
Na viagem para Inglaterra, pai, Henry Scarlett (Edmund Gwenn) e filha/filho, Sylvia/Sylvester (Katharine Hepburn) são abordados por um aldrabão profissional, Jimmy Monkley (Cary Grant), que os denuncia como contrabandistas, para ele próprio passar incólume pela alfândega. Mais tarde reencontram-se, organizam-se em grupo de larápios mal sucedido, depois em bando de comediantes em tournée pela província, igualmente sem grande sorte. Pelo meio da jornada, Sylvia e Sylvester vão alternando situações dúbias, até se recompor a ordem natural das coisas e tudo terminar num “happy end” formal.
A comédia não está à altura de “Casamento Escandaloso” (The Philadelphia Story) ou “Duas Feras” (Bringing Up Baby), só para falar de duas outras obras interpretadas na época por Katharine Hepburn e Cary Grant, mas ostenta o sabor de uma certa perversão subliminar, inscrita num contexto de intriga aparentemente ingénua. O contraste é feliz, um pouco bizarro é certo, e as interpretações de todo o elenco valem mesmo a pena. Katharine Hepburn, sobretudo ela, é magnífica nessa figura de desconcertante duplicidade, e se não é um dos seus melhores filmes, será seguramente um dos seus trabalhos mais representativos da sua personalidade. 

SYLVIA SCARLETT
Título original: Sylvia Scarlett
Realização: George Cukor (EUA, 1935); Argumento: Gladys Unger, John Collier, Mortimer Offner, segundo romance de Compton MacKenzie; Produção: Pandro S. Berman; Música: Roy Webb; Fotografia (p/b):  Joseph H. August; Montagem: Jane Loring; Direcção artística: Van Nest Polglase;  Guarda-roupa:  Muriel King, Bernard Newman; Maquilhagem: Mel Berns; Assistentes de realização: Kenneth Holmes, Argyle Nelson; Departamento de arte: Sturges Carne; Som: George D. Ellis; Efeitos especiais: Harry Redmond Sr.; Companhias de produção: Radio Pictures; Intérpretes: Katharine Hepburn (Sylvia Scarlett / Sylvester), Cary Grant (Jimmy Monkley), Brian Aherne (Michael Fane), Edmund Gwenn (Henry Scarlett), Robert Adair, Bunny Beatty, May Beatty, Daisy Belmore, Carmen Beretta, Madam Borget, Thomas Braidon, Elsa Buchanan, Colin Campbell, Patricia Caron, Harold Cheevers, E.E. Clive, Edward Cooper, Adrienne D'Ambricourt, Kay Deslys, Nola Dolberg, Robert Hale, Alec Harford, Peter Hobbes, etc. Duração: 95 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Costa do Castelo; Classificação etária: M/ 12 anos.

KATHARINE HEPBURN 
(1907 - 2003)
“Escrevam o que quiserem sobre mim, mas nunca a verdade. Não, isso, não”, dizia ela, mas não a podemos satisfazer, neste caso. Katharine Houghton Hepburn nasceu a 12 de Maio de 1907, em Hartford, Connecticut, EUA, e faleceu aos 96 anos, a 29 de Junho de 2003, em Old Saybrook, Connecticut, EUA. Era de origem inglesa e escocesa, filha de Thomas Hepburn, médico, e de Katharine Houghton, sufragista. De espírito independente e de vontade indómita, rapidamente foi considerada uma líder do feminismo. Casou uma única vez com Ludlow Ogden Smith, um rico empresário da Nova Inglaterra, mas foi um casamento de curta duração (1928 - 1934). Manteve uma relação com o multimilionário Howard Hughes (1937-1939). Muito maior e mais intensa foi a sua relação, nos filmes (nove filmes em comum) e na vida real, com Spencer Tracy, que se prolongou por 25 anos, só terminando com a morte do actor (1967). Iniciou a carreira de actriz no teatro, no final da década de 20 e, em 1931, teve o seu primeiro sucesso em "The Warrior's Husband", sendo convidada a partir para Hollywood. O seu triunfo no cinema foi fulgurante, mas nunca abandonou o teatro e, mais tarde, seria igualmente seduzida pela televisão.
No cinema, as suas interpretações multiplicam-se por figuras inesquecíveis de mulheres arrojadas e de fibra temperamental, como em “Sylvia Scarlett”, “Alice Adams”, “Bringing Up Baby”, “The Philadelphia Story”, “Woman of the Year”, “Adam's Rib”, “The African Queen”, “Pat and Mike”, “Summertime”, “The Rainmaker”, “Suddenly, Last Summer”, “Long Day's Journey into Night”, “Guess Who's Coming to Dinner”, “The Lion in Winter”, “A Delicate Balance”, “Rooster Cogburn” ou “On Golden Pond”, sendo nomeada para o Oscar de Melhor Actriz, sempre como protagonista, por doze vezes, tendo ganho quarto estatuetas pelos seus desempenhos em “Morning Glory” (1934), “Guess Who's Coming to Dinner” (1968), “The Lion in the Winter” (1969) e “On Golden Pond” (1982).
Em televisão, ganhou um Emmy em 1975 pelo seu papel em “Love Among the Ruins” e foi nomeada para outros quatro e também para dois Tonys. Em 1979, o “Screen Actors Guild” atribuiu-lhe o “Life Achievement Award”, e em 1962 tinha sido considerada a melhor actriz no Festival de Cannes, pelo seu trabalho em “Long Day's Journey into Night”. Conquistou três BAFTA: “The Lion in the Winter”, “Guess Who's Coming to Dinner” e “On Golden Pond”. Já em 1934, arrebatou o prémio de Melhor Actriz, em “Little Women”, no Festival de Veneza. Uma carreira recheada de honrarias para aquela que muitos consideram a maior actriz de sempre: em 1999, o “American Film Institute” considerou-a, através de uma sondagem, a maior actriz de todos os tempos, encabeçando uma lista de 25 notáveis. Por isso era conhecida por “The Great Kate” ou “First Lady of Cinema”.

Filmografia

1932: A Bill of Divorcement (Vítimas do Divórcio), de George Cukor; 1933: Little Women (As Quatro Irmãs), de George Cukor, Morning Glory (Glória de um Dia), de Lowell Sherman; Christopher Strong (O Que Faz o Amor), de Dorothy Arzner; 1934: The Little Minister, de Richard Wallace; Spitfire, de John Cromwell; 1935: Break of Hearts (Corações Desfeitos), de Philip Moeller; Sylvia Scarlett (Sylvia Scarlett), de George Cukor; Alice Adams, de George Stevens; 1936: A Woman Rebels (Revoltada), de Mark Sandrich; Mary of Scotland (Maria Stuart, Raínha da Escócia), de John Ford; 1937: Stage Door (A Porta das Estrelas), de Gregory La Cava; Quality Street (Bairro Elegante), de George Stevens; 1938: Holiday (A Irmã da Minha Noiva), de George Cukor; Bringing Up Baby (Duas Feras), de Howard Hakws; 1940: The Philadelphia Story (Casamento Escandaloso), de George Cukor; 1942: Keeper of the Flame (A Chama Eterna), de George Cukor; Woman of the Year (A Primeira Dama ou A Mulher do Ano), de George Stevens; 1943: Stage Door Canteen (Chuva de Estrelas), de Frank Borzage; 1944: Dragon Seed (O Filho do Dragão), de Harold S. Bucquet e Jack Conway; 1945: Without Love (Sem Amor), de Harold S. Bucquet; 1946: Undercurrent (Estranha Revelação), de Vincent Minnnelli; 1947: Song of Love (Sonata de Amor), de Clarence Brown; Sea of Grass (Terra de Ambições), de Elia Kazan; 1948: State of the Union (Um Filho do Povo), de Frank Capra; 1949: Adam's Rib (A Costela de Adão), de George Cukor; 1951: The African Queen (A Rainha Africana), de John Huston; 1952: Pat and Mike (A Mulher Absoluta), de George Cukor; 1955: Summertime (Loucura em Veneza), de David Lean; 1956: The Iron Petticoat (Um Americano em Moscovo), de Ralph Thomas; The Rainmaker (O Homem Que Fazia Chover), de Joseph Anthony; 1957: Desk Set (A Mulher Que Sabe Tudo), de Walter Lang; 1959: Suddenly, Last Summer (Bruscamente no Verão Passado), de Joseph L. Mankiewicz; 1962: Long Day's Journey into Night (Longa Jornada para a Noite), de Sidney Lumet; 1967: Guess Who's Coming to Dinner (Adivinhe Quem Vem Jantar), de Stanley Kramer; 1968: The Lion in Winter (O Leão no Inverno), de Anthony Harvey; 1969: The Madwoman of Chaillot (A Louca de Chaillot), de Brian Forbes; 1971: The Trojan Women, de Michael Cacoyannis; 1973: A Delicate Balance (Equilíbrio Instável), de Tony Richardson; 1973: The Glass Menagerie, de Anthony Harvey (TV); 1975: Rooster Cogburn (O Sheriff), de Stuart Millar; Love Among the Ruins (Amor entre Ruínas), de George Cukor (TV); 1978: Olly Olly Oxen Free, de Richard A. Colla; 1979: The Corn Is Green, de George Cukor (TV); 1981: On Golden Pond (A Casa do Lago), de Mark Rydell; 1984: The Ultimate Solution of Grace Quigley (Morte por Encomenda), de Anthony Harvey; 1986: Mrs. Delafield Wants to Marry, de George Schaefer (TV); 1988: Laura Lansing Slept Here, de George Schaefer (TV); 1992: The Man Upstairs, de George Schaefer (TV); 1993: Katharine Hepburn: All About

SESSÃO 6 - 8 DE FEVEREIRO DE 2016


A CAIXA DE PANDORA (1929)

Frank Wedekind, célebre dramaturgo alemão, escreveu, entre outras, duas peças que servem de base ao filme de Pabst “Erdgeist” (O Espírito da Terra, 1895) e “Die Büchse der Pandora” (A Boceta de Pandora, 1902). Georg Wilhelm Pabst, Joseph Fleisler e Ladislaus Vajda adaptam os dramas a cinema, com resultado excepcional. Absolutamente inusitado para a época, social e sexualmente revolucionário no seu tempo e ainda hoje perturbante. Um dos mais fulgurantes e provocadores retratos de mulher de toda a história do cinema. Louise Brooks era até então uma pouco conhecida e apreciada actriz norte-americana que aceitou viajar até à Alemanha de finais dos loucos anos 20 para protagonizar “Die Büchse der Pandora”. Depois desta experiência tornou-se num mito, numa personalidade para sempre inigualável na História do Cinema Mundial.
Curioso será referir que Frank Wedekind, o autor das peças de teatro, deverá ter-se inspirado na vida de Lou Andréas-Salomé, escritora nascida russa, que viveu sobretudo na Alemanha, mas era um boémia sedutora que foi dizimando corações ao longo da sua existência, desde Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche, Rainer Maria Rilke, Paul Rée, até ao próprio Wedekind, entre muitos outros, desconhecendo-se, porém, se em muitas dessas relações amorosas imperou o platonismo ou a satisfação sexual. Mas a sua história e a natureza dos seus escritos, entre a ficção, o ensaio e a poesia, todos de qualidade e originalidade indiscutíveis, fizeram dela uma bandeira do feminismo e da “humanização da mulher” (título de uma das suas obras),  da libertação da mulher dos preconceitos e formalismos habituais na época. Parece que o seu encontro com Frank Wedekind foi de molde a este a recordar como uma visão demoníaca da mulher, de tal forma que a identificou com a caixa de Pandora que, uma vez aberta, liberta todos os vícios e pecados do mundo.
Lou Andréas-Salomé era uma mulher livre, sensual, provocadora, possivelmente destrutiva para muitos que dela se aproximaram, e será este o modelo de Lulu, que Georg Wilhem Pabst imaginou igualmente para protagonista do seu filme. Mas quem surgiu como primeira escolha para interpretar este papel foi Marlene Dietrich (que curiosamente, no ano seguinte, seria “O Anjo Azul” num filme de Sternberg que apresenta muitas semelhanças com “A Boceta de Pandora”). Marlene, porém, levantou algumas objecções e Pabst decidiu-se por uma jovem norte-americana, não muito conhecida, que ele “descobrira” ao assistir a um filme de Howard Hawks, “A Girl in Every Port”, onde ela tinha um papel secundário ainda, mas certamente muito persuasivo.
Em finais da década de 20, Georg Wilhem Pabst era já um cineasta conceituado, autor de obras como “Rua Sem Sol” (que lança Greta Garbo, ao lado de Asta Nielson), “O Estranho Caso do Professor Matias”, “Uma Mulher na Noite” ou “O Amor de Joana Ney”. O seu cinema interliga habilmente a herança expressionista com o realismo do Kammerspielfilm, o que é bem visível em “Die Büchse der Pandora”, onde o intimismo realista da primeira hora, passada nos ambientes da alta burguesia alemã, contrasta com os resquícios de expressionismo das cenas no interior do barco francês, onde são permitidos todos os vícios e, sobretudo, com toda a sequência final passada nas nebulosas ruas e vielas londrinas.
Lulu (Louise Brooks) encontra-se, no início de “Die Büchse der Pandora”, com o seu amante, Dr. Peter Schön (Fritz Kortner), um magnata, que anuncia que a vai deixar porque tem marcado casamento com a filha de um ministro. Lulu não se deixa intimidar: “Se te queres libertar de mim, tens de me matar”. Entretanto, escondido no apartamento de Lulu, encontra-se Schigolch (Carl Goetz), que ela apresenta nesta circunstância como seu “velho amigo" (será depois apresentado como “pai”, “mecenas” ou “patrão”, transformando-se numa personagem híbrida e misteriosa que tão depressa é confidente ou apoio, como instigador de prostituição ou batoteiro ao jogo). 

Peter Schön tem um filho, Alwa (Francis Lederer), que se prepara para montar um espectáculo teatral, entre a revista e o music-hall, e que contrata Lulu, por quem se encontra igualmente apaixonado. A relação de Schön com Lulu é descoberta pela noiva, que anula o casamento, acabando Schön por casar com Lulu. Mas logo no dia do enlace, Lulu desaparece de forma misteriosa da festa da boda, sendo encontrada por Schön no quarto com Schigolch e Rodrigo, um trapezista (Krafft-Raschig). Uma troca de acusações mais violenta, um revólver, um disparo e Schön cai fulminado. No julgamento que se segue, o juiz culpa Lulu, considera que ela abriu a “boceta de Pandora” que liberta todos os males e condena-a a cinco anos de prisão. Um incêndio no tribunal acaba por favorecer a fuga da ré, que vamos descobrir, tempos depois, na companhia de Alwa,  Schigolch e Rodrigo, a bordo de um iate francês, por entre o fumo do tabaco, os vapores do álcool e as cartas de jogar que arruínam progressivamente Alwa e comparsas. Entre estes, a condessa Anna Geschwitz (Alice Roberts), uma lésbica assumida, que ama Lulu e por quem aceita ser seduzida por Rodrigo, como forma de pagar dívidas antigas. Uma rusga da polícia leva à debandada, mas o corpo assassinado de Rodrigo permanece.
Lulu, Alwa e Schigolch surgem agora em Londres, nas vielas mais populares, por entre o nevoeiro que traz consigo Jack, o estripador (Gustav Diessl). E a morte. Alwa é apenas uma silhueta na noite.
Lulu mulher diabólica? De certa forma é ela que abre a caixa donde se soltam os pecados e os vícios. Mas Lulu é igualmente o rosto de uma certa inocência, a liberdade de um comportamento que, dir-se-ia, desconhece a diferença entre o Bem e o Mal, que se move pelo prazer do momento, que ignora moral e regras de conduta.
O filme é uma descida aos infernos, uma viagem pelo interior da noite, passando por uma via sacra de tormentos e vícios. Terá sido a primeira vez que o cinema apresentou a figura de uma lésbica, sem subterfúgios. Cremos igualmente que raras vezes o cinema terá ostentado um tal catálogo de licenciosidades e pecados, crimes e vícios. Schön, Alwa, Schigolch, Rodrigo e Anna Geschwitz, através dos seus contactos com Lulu, percorrem um caminho de perdição que oferece uma panorâmica implacável da decadente sociedade alemã de finais dos anos 20, afinal a comunidade que se aprestava a incentivar ou aceitar a ascensão de Hitler e do nacional-socialismo ao poder. Este era o “ovo da serpente” que se preparava para gerar o monstro.
O filme é admirável na construção de ambientes e personagens, com sequências absolutamente inesquecíveis, desde a cena inicial entre Lulu e Schon, passando pelo casamento de ambos, a sugestão da morte do magnata, o julgamento de Lulu, as posteriores imagens de jogo, ou o encontro entre Lulu e Jack, o estripador, onde de novo a utilização da elipse é brilhantemente utilizada por Pabst.  A fotografia de Günther Krampf, nas suas diversas modelações, e a direcção artística de Andrej Andrejew e Gottlieb Hesch, na criação dos cenários, são elementos vitais para a criação desta obra-prima da cinematografia germânica.

A BOCETA DE PANDORA
Título original: Die Büchse der Pandora
Realização: Georg Wilhelm Pabst (Alemanha, 1929); Argumento: Ladislaus Vajda, Joseph Fleisler, Georg Wilhelm Pabst, segundo peças de teatro de Frank Wedekind ("Erdgeist" e "Die Büchse der Pandora"); Produção: Heinz Landsmann, Seymour Nebenzal; Música: Stuart Oderman (versão 1986), Peer Raben (versão 1997), William P. Perry; Fotografia (p/b): Günther Krampf; Montagem: Joseph Fleisler; Direcção artística: Andrej Andrejew, Gottlieb Hesch, Ernö Metzner; Guarda-roupa:  Gottlieb Hesch; Direcção de Produção: Georg C. Horetsky; Assistentes de realização: Marc Sorkin, Paul Falkenberg; Departamento de arte: Marcel Tuszkay; Efeitos visuais: Andrei Dimitriu, Tobias Wiedmer (restauro); Companhia de produção: Nero-Film AG; Intérpretes: Louise Brooks (Lulu), Fritz Kortner (Dr. Ludwig Schön), Francis Lederer (Alwa Schön), Carl Goetz (Schigolch), Krafft-Raschig (Rodrigo Quast), Alice Roberts Condessa Anna Geschwitz), Daisy D'Ora  (Charlotte Marie Adelaide), Gustav Diessl (Jack, the Ripper), Michael von Newlinsky, Sig Arno, etc. Duração: 131 minutos; Distribuição em Portugal: Divisa Home Video (DVD); Cópia DVD: Second Sight Films (versão alemã, com legendas em inglês); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 7 de Abril de 1930.


LOUISE BROOKS (1906-1985)
Em 1955, aquando da exposição “60 Anos de Cinema” realizada no Museu de Arte Moderna, em Paris, na frontaria do prédio, via-se um cartaz de  Louise Brooks, o que suscitou alguma perplexidade nalguma imprensa. O director da Cinematèque Française, Henri Langlois, personalidade de enorme prestígio no meio, e organizador da exposição foi questionado: Porquê Louise Brooks para figurar como símbolo, e não, por exemplo, Greta Garbo ou Marlene Dietrich, muito mais populares? Henri Langlois limitou-se a dizer: "Não existe Garbo. Não existe Dietrich. Existe apenas Louise Brooks".
Mary Louise Brooks nasceu a 14 de Novembro de 1906, em Cherryvale, Kansas, EUA, e veio a falecer a 8 de Agosto de 1985, em Rochester, Nova Iorque, EUA, vítima de ataque cardíaco. Filha de Leonard Porter Brooks, advogado, e de Myra Rude, aos quatro anos já actuava no palco de sua cidade. Os pais iniciaram-na no gosto pela música, a literatura e a arte, mas mostraram-se bastante ausentes. Consta que terá sido abusada por um vizinho quando tinha cinco anos. Muito jovem terá sido atraída para a dança, aparecendo nos Denishawn Dancers, depois nos George White's Scandals finalmente no Ziegfeld Follies, onde atinge honras de primeira figura, mas seria no cinema que a sua personalidade e arte explodiriam. Aos 15 ou 16 anos saiu de casa. Em 1925, aparece em 1925 “The Street of Forgotten Men” (Vidas Perdidas), de Herbert Brenon, não surgindo sequer creditada a sua colaboração. Seguem-se um conjunto de filmes sem grande significado, até que, em 1929, um dos mais importantes cineastas alemães, Georg Wilhelm Pabst, a convida a interpretar a personagem de Lulu, em “A Boceta de Pandora”, filme e personagem que ficarão para sempre associados a si, criando-lhe uma reputação internacional invulgar. O filme não foi unanimemente acolhido na época, suscitou violentas críticas, sobretudo em função dos ambientes viciosos, de grande decadência moral, que ostentava, mas lentamente criou a lendária aureola de um cult movie.
Curiosamente, não se sentia atraída por Hollywood e pela sua vida superficial e mundana. Mulher de uma beleza invulgar, com um corte de cabelo curto e liso, de franja, que se tornaria moda nesse tempo (por cá tivemos a nossa Beatriz Costa a importar o conceito), Louise Brooks tornou-se sobretudo notada pela sua rebeldia e provocação, impondo-se contra a submissão dos actores aos grandes produtores e estúdios, discutindo com realizadores, desafiando preconceitos e convenções, mantendo uma vida amorosa tumultuosa, onde os “casos” se sucediam (um dos mais versados foi com Charlie Chaplin). A sua passagem pelos estúdios alemães, a convide de Pabst, marca o apogeu da sua carreira. Não foi muito feliz depois do aparecimento do sonoro, manteve-se activa até 1938 (o seu último trabalho foi “Overland Stage Raiders”, de George Sherman), após o que se retirou. 
Consta que uma das razões para o seu apagamento terá sido o facto de se ter recusado a dobrar-se a si própria no filme “Canary Murder Case”, produzido sem som e lançado como sonoro. Os produtores, furiosos com a recusa, espalharam o boato de que ela tinha uma voz horrível e por isso não tinha querido dobrar o filme. Foi o bastante para ser abandonada pelos estúdios. Afastada do cinema, ganha a vida de várias formas, escreve crónicas, rubricas na rádio, é vendedora num loja, a Sak's Fifth Avenue, e, em 1948, começa a escrever sua biografia,“Naked On My Goat”, que destrói uma vez terminada. Justifica o acto: “Ao escrever a história de uma vida, acho que o leitor não pode entender a personalidade e as acções de uma pessoa ao menos que sejam explicitados os amores, os ódios, e os conflitos sexuais dessa pessoa. Não estou disposta a escrever a verdade sexual que tornaria minha vida digna de ser lida". Mas continua a escrever e mais tarde assina um bestseller: “Lulu in Hollywood”. No final da vida sofria de artrite e faleceu no dia 8 de Agosto de 1985, aos 78 anos de idade, em Nova Iorque. Foi encontrada já sem vida no seu apartamento, vítima de ataque cardíaco, e os seus restos mortais foram depositados em Rochester.
Casada com o realizador A. Edward Sutherland (1926 - 1928), e posteriormente com Deering Davis (1933 - 1938), divorciando-se de ambos. Foi amante do fundador da CBS,William Paley, que secretamente lhe assegurou meios de subsistência até final da vida. Inspirou uma peça teatral, "Show Girl”, as bandas desenhadas "Dixie Dugan”, de John Striebel, e "Valentina", do italiano Guido Crepax. A banda Orchestral Manoeuvres in the Dark, no álbum “Sugar Tax”, dedicou-lhe, em 1991, o tema "Pandora's Box". Em 1998, Munro Leely roda um documentário, “Looking for Lulu”, que lhe é consagrado, com locução de  Shirley MacLaine. Em 2000, o grupo francês de rock Lady Godiva lança o álbum “Louise Brooks Avenue”. Louise Brooks inspirou igualmente o perfume “Loulou”, de Cacharel.  

Filmografia
Como actriz / filmes mudos: 1925: The Street of Forgotten Men (Vidas Perdidas) de Herbert Brenon; 1926: The American Venus (A Vénus Americana), de Frank Tuttle; Love 'Em and Leave 'Em (Amá-las... e Deixá-las), de Frank Tuttle; A Social Celebrity (Disfrutando a Alta Sociedade),  de Malcolm St. Clair; It's the Old Army Game, de A. Edward Sutherland; The Show Off, de Malcolm St. Clair; Just Another Blonde, de Alfred Santell; 1927: Evening Clothes (De Casaca e Luva Branca), de Luther Reed; Rolled Stockings (Tesouros da Juventude), de Richard Rosson; Now We're in the Air (Recrutas Aviadores), de Frank R. Strayer; The City Gone Wild (A Cidade Ruidosa), de James Cruze; 1928: A Girl in Every Port (Uma Rapariga em Cada Porto), de Howard Hawks; Beggars of Life (Mendigos da Vida), de William A. Wellman; 1929: Die Büchse der Pandora (A Boceta de Pandora), de Georg Wilhelm Pabst; Das Tagebuch einer Verlorenen, de Georg Wilhelm Pabst;

Como actriz / filmes sonoros: 1929: The Canary Murder Case (O Drama de uma Noite), de Malcolm St. Clair e Frank Tuttle; 1930: Prix de Beauté (Prémio de Beleza), de Augusto Genina; 1931: It Pays to Advertise, de Frank Tuttle; God's Gift to Women, de Michael Curtiz; Windy Riley Goes Hollywood, de Roscoe 'Fatty' Arbuckle (curta-metragem); Who's Who in the Zoo, de Babe Stafford (curta-metragem); 1936: Hollywood Boulevard, de Robert Florey; Empty Saddles, de Lesley Selander; 1937: When You're in Love (Prelúdio de Amor), de Robert Riskin e Harry Lachman (planos suprimidos); King of Gamblers, de Robert Florey (planos suprimidos); 1938: Overland Stage Raiders, de George Sherman.

SESSÃO 5 - 1 DE FEVEREIRO DE 2016


O LÍRIO QUEBRADO (1919)
  
Uma das características mais marcantes do cinema de Griffith é seguramente o tratamento dado à figura da mulher. Em todos os filmes que conhecemos deste cineasta, a mulher ocupa não só um lugar privilegiado, como também é o centro de quase todas as injúrias e maus-tratos, das humilhações e intolerância de uma sociedade onde o homem impera e predomina pela violência. Não há uma dicotomia maniqueísta homem-mulher, nada disso, há retratos muito diversos e nuanceados de homens, mas, que nos lembre, entre todas as mulheres vistas em filmes de Griffith, muito raras são as megeras (como Lydia Brown, a amante mulata Stoneman, em “Nascimento de uma Nação”) ou venenosas (como a tenebrosa Catarina de Medicis, em “Intolerância”). A mulher, em Griffith, é um ser belo (Mary Pickford, Lillian Gish e a irmã Dorothy, Mae Marsh, Miriam Cooper, Norma Talmadge, Linda Arvidson, Blanche Sweet, para só citar algumas protagonistas), puro e indefeso, que se descobre alvo fácil de muitas armadilhas. Um dos mais notáveis retratos de mulher da filmografia de Griffith, vamos encontrá-lo em “O Lírio Quebrado”, que é igualmente um dos filmes mais perfeitos e deslumbrantes do mestre.
Não deixa de ser estranho ver surgir este filme, discreto, intimista, frágil como o caule de um lírio, secreto, sensível e perturbante, logo a seguir à fase mais épica e monumental da carreira do realizador. Depois de “The Birth of a Nation” (1915), “Intolerance” (1916) e logo a seguir a uma obra rodada em França e Inglaterra, no interior das trincheiras da I Guerra Mundial, “Hearts of the World” (1918), aparece este “Broken Blossoms”, cujo subtítulo é "The Yellow Man and the Girl" (1919), que introduz uma atmosfera irreal e simbólica numa história de amor protagonizada por três personagens: Lucy, The Girl (Lillian Gish, com 23 anos, interpretando a inocente figura de uma jovem de 15, o que levou a actriz a inicialmente recusar o papel, temendo pela sua verosimilhança), The Yellow Man (Richard Barthelmess, um actor branco na pele de um chinês idealista) e o brutal Battling Burrows (Donald Crisp), pai de Lucy, uma filha ilegítima de que ele abusa de todas as formas e maltrata até à morte.
Curiosamente, nesta história de amor sem maldade há um pouco de tudo ao nível do vício e do pecado. Adaptada do romance de Thomas Burke, “Limehouse Nights”, a obra passa por casas de consumo de ópio e de prostituição, por conflitos raciais, brutalidade, jogo, abuso de crianças, vinganças e traições, rings de boxe e alcoolismo, usura e assassinato. Refira-se ainda que deve ter sido dos primeiros filmes americanos a assumir uma história de amor inter-racial, ainda que ambos os intervenientes jurem a pés juntos que “nada de mal se passou”.


Rodado em três semanas, com fabulosa fotografia nocturna e de interior (quase todo o filme se passa entre dois cenários interiores, e três ou quatro exteriores) de Henrick Sartov, com um orçamento reduzido, “Broken Blossoms” acabaria por ser um assinalável e merecido triunfo de público e de crítica. Entre as longas-metragens conhecidas de Griffith será uma das mais perfeitas, aquela em que conteúdo e forma mais se harmonizam, e onde o talento e sensibilidade do cineasta não são atraiçoados por tomadas de posições anti-natura, como acontecia em “The Birth of a Nation” (que, se não fosse o seu tom apologético do KKK, e o seu racismo, seria de longe a obra-prima absoluta do cineasta, tal a quantidade de momentos de sublime mestria e invulgar sensibilidade).
Este filme, quase todo passado no bairro de Limehouse, numa Londres brumosa e muito dickensiana, um bairro que bordeja o Tamisa, misturando as brumas da maresia com o nevoeiro, viria mais tarde a influenciar muitos outros filmes e cineastas, mas particularmente Federico Fellini, em “La Strada” (1954), com protagonistas muito semelhantes: a inocente, o brutamontes e o idealista (Pauline Kael desenvolve uma longa teoria sobre o caso, que nos parece mais ou menos óbvia).
O prólogo inicia-se na China, onde principia este “conto do templo das campainhas, soando ao entardecer perante a imagem de Buda. Um conto de amor e amantes. Um conto de lágrimas”. Nas ruas de uma cidade chinesa, o movimento intenso, as crianças, um fumador de ópio, o pequeno comércio das ruelas, os soldados americanos nas ruas, o templo de Buda, Yellow Man ouve os últimos conselhos de um sacerdote, antes de partir para Ocidente, para Londres, em “missão de paz para com os bárbaros Anglo-Saxónicos”.
Em Londres, no bairro de Limehouse, trabalha numa loja de que anos mais tarde é proprietário, e onde se pode ler o letreiro "Cheng Huan". Em Londres, descobre as sórdidas realidades da vida que o nevoeiro teima em encobrir. Casas de prostituição e vício, de ópio, onde Ocidente e Oriente se encontram e interroga-se se “nesta escarlate casa de pecado, ainda se ouvem os sinos do templo?”.
Muito perto dessa casa, vive Lucy e o pai, um pugilista embrutecido, que se dedica a mulheres e vinho, e muito pouco ao treino, mas cuja força e brutalidade permitem ir vencendo todos os combates em que intervém. Lucy vagueia pelas docas, indiferente a "Fantan, the Goddess of Chance", ouvindo antes os conselhos de uma pobre dona de casa que trata da família e lhe aconselha: “O que quer que faças, não te cases!”. Nas vielas, cruza-se com prostitutas que a alertam também para os perigos desta vida de falsa facilidade. O dilema parece cruel. Que futuro para Lucy?
Chegada a casa, o pesadelo. O pai, Battling Burrows, “um bêbado gorila de East London”, festeja a última vitória, prepara a próxima, com uma refeição e uma exigência: “Põe um sorriso nesses lábios”. Lucy, que não sabe o que é sorrir, leva dois dedos às extremidades da boca e puxa-as para cima, simulando um sorriso, cena que irá permanecer como a referência obrigatória desta obra de uma criatividade de imagens notável. Lucy nasceu de uma das muitas aventuras de Battling Burrows, e permanece na casa como criada para todo o serviço. O “manager” de Battling Burrows lamenta-se da vida do boxeur, mas não tem poder para impedir o álcool que continua a escorrer, nem as mulheres que continua a frequentar.
Por seu lado, Yellow Boy encontra dois padres que lhe pedem informações sobre a China. Um deles vai partir, para converter “infiéis”. (Atente-se na reciprocidade da situação inicial: Yellow Boy veio para Londres “pacificar os bárbaros”).
Lucy procura uma herança da mãe, deixada com o intuito de dela se servir no casamento, e sai para a rua para comprar alimentos com o dinheiro feito com a venda. Encontra Yellow Boy, enquanto Evil Eye (Edward Peil) a convida a ingressar na prostituição. Yellow Boy protege-a. Lucy regressa a casa, onde um pai irado espera pelo “chá das cinco”. Um acidente leva-a a entornar comida sobre a mão do pai e este desanca-a impiedosamente. A humilhação de Lucy e o seu pavor ficam retratados quando esta, com a saia, lhe limpa o pó dos sapatos, procurando furtar-se à brutalidade. “Não me bata, Pai!”, grita. Mas o pai é impiedoso e deixa-a à porta da morte.
Quando o pai abandona a casa, para um novo combate, Lucy foge, arrasta-se pelas ruas, e vai cair inanimada no centro da loja de Yellow Boy, numa posição fetal. Yellow Boy passa por ela sem a ver, depois nota a presença da rapariga no chão, e esfrega os olhos como se estivesse a acordar de um sonho. Ampara Lucy, que recebe o primeiro gesto de gentileza da sua vida. Trata-lhe das feridas, recolhe-a, leva-a para o seu quarto, a sua cama. Os seus rostos aproximam-se perigosamente, mas recuam. Arranja-lhe o quarto como se fosse para uma princesa. “Por que és tão bom para mim, Chinoca?”, pergunta Lucy, mas Yellow Boy cria magia, captando os raios do luar e fazendo-os incidir na cama de Lucy. Yellow Boy cumpre a sua missão de trazer paz aos bárbaros anglo-saxónicos. Ela será para ele esse idealizado e puro “lírio branco”.
Um espião (George Beranger) que entra ocasionalmente na loja descobre que Lucy aí se encontra e vai relatar o caso a Battling Burrows, que fica enfurecido, sabendo a sua filha com o Chinoca: Ele “acima de tudo detesta toda a gente que não nasceu num grande país como o seu”.
Entretanto, Lucy aconchega junto de si uma boneca que vira na montra da loja do chinês e que fora o motivo por que procurara refúgio nessa casa. A boneca é uma projecção da filha que gostaria de ter, de um amor impossível, mas também a imagem de uma mãe que nunca tivera.
Enquanto o pai combate com os punhos no ringue, Lucy e Yellow Boy combatem com os sentimentos nesse quarto refúgio. Olham, aproximam-se, afastam-se. O casamento entre raças diferentes era proibido em 1919, logo impossível qualquer promiscuidade sexual. Mas há uma certa perversidade na forma de filmar de Griffith, que leva o espectador a antever algo que as legendas logo contradizem: "T'ain't nothing wrong!". Não houve nada de mal? E não haverá também nada de mal, nas noites passadas em casa do pai?
Acabado o combate, Battling Burrows vai resgatar a filha, leva-a para casa, espanca-a até à morte. É o desenlace da tragédia. Yellow Boy aparece com um revólver e liquida o assassino, acabando por se suicidar num improvisado haraquiri. Antes de morrer, Lucy violenta mais uma vez um sorriso no seu rosto, elevando os lábios com os dedos.
Este pormenor do sorriso arrancado com os dedos foi uma invenção de Lilian Gish, que torna a cena sublime. Aliás, Lillian Gish foi um dos grandes trunfos de David W. Griffith. “Quando Lilian Gish me deixou, acabou tudo”, confessou um dia o realizador. Não terá sido tanto assim, mas a verdade é que a ligação Griffith-Gish foi uma das mais brilhantes da história do cinema. Lilian Gish era uma actriz notável, e uma presença absorvente. Também ela reconheceu que lhe devia tudo a ele, e muitos anos depois, não o esquecia. Durante as filmagens de “Um Casamento”, de Robert Altman, Lillian Gish dirigia-se ao director de fotografia nestes termos: "Tenta dali! Tenta! Se Deus tivesse querido que me filmasses desse ângulo, ter-te-ia colocado uma câmara no umbigo. Mr. Griffith sempre disse: “Filma de cima para parecer um anjo, filma de baixo para parecer um diabo". Quando filmava "The Whales of August", em 1987, Lillian Gish tinha como companheira outra lenda do cinema, Bette Davis. Lindsay Anderson, o realizador, conta também esta história curiosa: “Um dia, depois de ter terminado mais um plano, disse a Lillian Gish: “Miss Gish, acabou de me dar o mais belo grande plano.” “Tinha que ser!”, observou ironicamente Bette Davis. “Ela inventa-os”.

O LÍRIO QUEBRADO
Título original: Broken Blossoms ou The Yellow Man and the Girl ou Scarlet Blossoms ou The Chink and the Child
Realização: D.W. Griffith (EUA, 1919); Argumento: D.W. Griffith, Thomas Burke (segundo história deste último, “The Chink and the Child”); Produção: D.W. Griffith; Música: D.W. Griffith; Carl Davis, David Cullen (versão de 1983); Fotografia (p/b): G.W. Bitzer; Montagem: James Smith; Departamento de arte: Joseph Stringer; Efeitos visuais: Hendrik Sartov; Companhia de produção: D.W. Griffith Productions; Intérpretes: Lillian Gish (Lucy Burrows), Richard Barthelmess (Cheng Huan), Donald Crisp (Burrows), Arthur Howard (treinador de Burrows), Edward Peil Sr. (Evil Eye), George Beranger, Norman Selby, Ernest Butterworth, Fred Hamer, Wilbur Higby, Moon Kwan, George Nichols, Karla Schramm, etc. Duração: 90 minutos; Distribuição em Portugal (Vídeo): JRB; Classificação etária: M/ 12 anos.


LILLIAN GISH (1893-1993)
As maiores estrelas do cinema mudo norte-americano terão sido Lillian Gish, Mary Pickford e Gloria Swanson. Lillian Diana Gish nasceu a 14 de Outubro de 1893, em Springfield, Ohio, EUA, e faleceu a 27 de Fevereiro de 1993, em Nova Iorque, EUA, com 99 anos. A família era de emigrantes ingleses, escoceses, irlandeses e franceses e consta que nos antepassados se contava um presidente dos EUA, Zachary Taylor. Filha de James Leigh Gish e de Mary Robinson McConnel, ela e a irmã Dorothy Gish foram educadas pela mãe, depois de o pai deixar a família. Vivem pobremente em Nova Iorque, onde a mãe era empregada de uma loja, e, ainda muito novas, entram ambas para o teatro (1902), numa companhia itinerante, participando mesmo numa tournée com Sarah Bernhardt. Dez anos mais tarde, recomendadas por Mary Pickford a D.W. Griffith, entram para o cinema, começando a fazer parte do elenco de muitos filmes mudos, curtas-metragens então, deste cineasta, considerado o pai do cinema enquanto linguagem específica e artística. Lillian Gish inicia assim uma carreira invulgar, com mais de 120 títulos na sua filmografia. Em 1915, aparece em “Nascimento de Uma Nação”, mais tarde em “Intolerância”, “Aos Corações do Mundo”, “O Lírio Quebrado”, “As Duas Tormentas”, “As Duas Orfãs”, algumas das obras maiores de D.W. Griffith. Em 1920, realiza um filme, o único da sua carreira atrás das câmaras, “Remodeling Your Husband”, protagonizado pela irmã Dorothy. A conselho de Griffith, parte para novos horizontes, outras companhias, outros cineastas, novos filmes que a mantêm em primeiro plano entre as actrizes mundiais, mesmo depois do aparecimento do sonoro. Foi primeira figura da MGM, interpreta com escândalo “La Bohème”, sob as ordens de King Vidor, depois em duas obras dirigidas pelo enorme Victor Sjöström, “A Mulher Marcada” e “O Vento”. Entre os anos 40 e 80, surge em “Duelo ao Sol”, de King Vidor, “O Retrato de Jennie”, de William Dieterle, “Paixões Sem Freio”, de Vincente Minnelli, “A Sombra do Caçador”, de Charles Laughton, “O Passado Não Perdoa”, de John Huston, “Os Comediantes”, de Peter Glenville, “Um Casamento”, de Robert Altman, terminando a sua contribuição em 1987, com “As Baleias de Agosto”, de Lindsay Anderson. Entretanto dispersou muita colaboração pelo teatro, entre 1913 e 1976, sendo figura de proa nos palcos da Broadway, e pela televisão. Deixou pelo caminho uma multidão de admiradores, entre eles o escritor Francis Scott Fitzgerald. Preocupada com a conservação dos filmes mudos, pugnou pelo seu restauro e exibição. Contrariamente a Mary Pickford, por exemplo, que destruiu os seus próprios filmes, com medo do ridículo. Faleceu em 27 de Fevereiro de 1993, e encontra-se sepultada em Saint Bartholomew's Episcopal Church, Manhattan, Nova Iorque.
Em 1971, Lillian Gish conquistou um Oscar especial, pela sua contribuição para a arte e pela contribuição para o progresso do cinema. Em 1947, foi nomeada para Melhor Actriz Secundária, pelo seu trabalho em “Duelo ao Sol”. Repetiu a nomeação, em 1968, agora nos Globos de Ouro, no filme “Os Comediantes”. O American Film Institute concedeu-lhe um “Life Achievement Award”, em 1984. Estes foram alguns dos muitos prémios e honrarias que conquistou ao longo da sua carreira. Possui uma estrela no “Walk of Fame”, em Hollywood, atribuída em 1960, e visível frente ao 1720 de Vine Street. Em 1983, Jeanne Moreau realizou “Lillian Gish”, um documentário sobre esta actriz que ela tanto admirava e, em 1973, François Truffaut dedicou a ela e à irmã Dorothy o seu filme “La Nuit américaine”. Nunca se casou nem teve filhos. Um dia disse: “Acredito que o casamento é uma carreira. Prefiro uma carreira no palco a uma carreira casada”.

Filmografia:
Como actriz (filmografia parcial, elidindo-se sobretudo muitos filmes da época do mudo, ainda curtas-metragens): 1912: An Unseen Enemy, de D.W. Griffith (curta-metragem); Two Daughters of Eve, de D.W. Griffith (curta-metragem); So Near, Yet So Far, de D.W. Griffith (curta-metragem); The Musketeers of Pig Alley), de D.W. Griffith (curta-metragem); The New York Hat (O Chapéu de Nova Iorque), de D. W. Griffith (curta-metragem); The Burglar's Dilemma, de D.W. Griffith (curta-metragem); 1913: The Mothering Heart, de D.W. Griffith (curta-metragem); 1914: Judith of Bethulia, de D.W. Griffith; The Battle of the Sexes, de D.W. Griffith (curta-metragem); Home, Sweet Home, de D.W. Griffith (curta-metragem);  1915: The Birth of the Nation (O Nascimento de Uma Nação), de D.W. Griffith; Enoch Arden, de Christy Cabanne (curta-metragem); Captain Macklin, de John B. O'Brien (curta-metragem); The Lily and the Rose, de Paul Powell (curta-metragem); 1916: Daphne and the Pirate, de Christy Cabanne (curta-metragem); An Innocent Magdalene, de Allan Dwan (curta-metragem);  Intolerance (Intolerância), de D.W. Griffith; Diane of the Follies, de Christy Cabanne; 1917: Souls Triumphant, de John B. O'Brien; 1918: Hearts of the World (Aos Corações do Mundo), de D.W. Griffith; The Great Love, de D.W. Griffith; The Greatest Thing in Life, de D.W. Griffith; 1919: A Romance of Happy Valley (A Romance of Happy Valley, de D.W. Griffith; Broken Blossoms (O Lírio Quebrado), de D.W. Griffith; True Heart Susie, de D.W. Griffith; The Greatest Question (O Grande Problema), de D.W. Griffith; 1920: Way Down East (As Duas Tormentas), de D.W. Griffith; 1921: Orphans of the Storm (As Duas Orfãs), de D.W. Griffith; 1923: The White Sister (A Irmã Branca), de Henry King; 1924: Romola (Romola), de Henry King: Romola; 1925: Ben-Hur: A Tale of the Christ), de Fred Niblo (não creditada); 1926: La Bohème (A Boémia), de King Vidor; The Scarlet Letter (A Mulher Marcada), de Victor Sjöström; 1927: Annie Laurie (Annie Laurie), de John S. Robertson; The Enemy (O Inimigo), de Fred Niblo; 1928: The Wind (O Vento), de Victor Sjöström; 1930: One Romantic Night, de Paul L. Stein; 1933: His Double Life, de Arthur Hopkins; 1942: Commandos Strike at Dawn (Os Comandos Atacam ao Amanhecer), de John Farrow; 1943: Top Man (O Grande Homem), de Charles Lamont; 1946: Miss Susie Slagle's (A Vida nas Suas Mãos), de John Berry; 1946: Duel in the Sun (Duelo ao Sol), de King Vidor; 1948: Portrait of Jennie (O Retrato de Jennie), de William Dieterle; 1955: The Cobweb (Paixões Sem Freio), de Vincente Minnelli; The Night of the Hunter (A Sombra do Caçador), de Charles Laughton; 1958: Orders to Kill, de Anthony Asquith; 1960: The Unforgiven (O Passado Não Perdoa), de John Huston; 1966: Follow Me, Boys! (Gente Nova), de Norman Tokar; Warning Shot (Tiro de Aviso), de Buzz Kulik; 1967: The Comedians (Os Comediantes), de Peter Glenville; 1978: A Wedding (Um Casamento), de Robert Altman; 1986: Sweet Liberty (Doce Liberdade), de Alan Alda; 1987: The Whales of August (As Baleias de Agosto), de Lindsay Anderson.

Na televisão, surgiu igualmente em muitas obras, teledramáticos e séries, entre as quais: 1949-1953: The Philco Television Playhouse; 1949: The Ford Theatre Hour; 1951: Celanese Theatre;  1951-1954: Robert Montgomery Presents; 1952: Schlitz Playhouse of Stars; 1953 Christmas Festival Hour of Music; 1953: The Trip to Bountiful; 1954 Campbell Playhouse; 1955: Playwrights '56; Kraft Television Theatre; 1956: The Alcoa Hour; Ford Star Jubilee; 1960 Play of the Week; 1961: Theatre '62; 1961 The Spiral Staircase; 1962-1964: The Defenders; 1963 Breaking Point; Mr. Novak; 1964: The Alfred Hitchcock Hour; 1969: Arsenic and Old Lace; 1976: Twin Detectives; 1978: Sparrow; 1981: The Love Boat; Thin Ice; 1983: Hobson's Choice; 1986: American Playhouse.           

SESSÃO 4 - 25 DE JANEIRO DE 2016


MARLENE DIETRICH 
E “O ANJO AZUL” (1930)


“Não sou uma actriz, sou uma personalidade” - disse Marlene um dia. Uma personalidade, é certo, e mais: um mito. Mito-mulher, mulher-mito de uma geração que foi a dos nossos pais. Mito-mulher, mulher-mito de todos nós que que a descobrimos feita Anjo Azul descido à cidade para desespero dos homens. Marlene é mais do que um nome. É uma lenda. Lenda que não consegue ultrapassar a realidade porque Marlene perdura para além da lenda que a não consegue totalmente abarcar. “No Oeste, quando a lenda ultrapassa a realidade, nós imprimimos a lenda”: afirma-se no final de “O Homem que Matou Liberty Valance”, de John Ford. Que fazer, porém, quando a própria realidade ultrapassa a sua lenda? Que fazer quando as palavras se mostram absolutamente impotentes para transmitir o que quer que seja que vá além de uma simples aproximação? Já Robert Benayount (na revista Positif) pusera idêntica questão: “Ela ultrapassa a obra de arte, por muito genial que a obra seja e que se queira, a escolha e interpretação da verdade. Ela ultrapassa até o próprio mito, sem se distanciar, sem o pôr em questão. Porque essa mulher verdadeira, apesar do mito, vale sempre mais do que o próprio mito.”
Marlene nasceu em Berlim, a 27 de Dezembro de 1901. O nome de baptismo: Maria Magdalena Dietrich von Losch. Filha de um oficial de cavalaria e de uma pianista, foi educada segundo uma disciplina monacal que a levou a resguardar no seu íntimo a vitalidade e a alegria de viver que a sua personalidade desde logo denunciaram. Conta-se até que a mãe a obrigava a sair de casa nos dias mais frios do inóspito inverno nórdico, levando-a a suportar estoicamente as maiores privações, da fome à sede, a fim de lentamente a “despojar de todos os sintomas de angústia e descontentamento que uma educação menos rígida poderia favorecer”. Os estudos secundários fê-los em Weimar, e durante algum tempo dedicou-se ao piano e ao violino (onde poderia ter sido uma virtuose, se não fora a existência de “um gânglio no nervo primário do pulso esquerdo”), recebendo ainda lições de dança, equitação e línguas estrangeiras. Antes de se estrear no teatro, frequentou o curso de Arte Dramática de Max Reinhardt, célebre encenador alemão de inícios do século XX, que revolucionou profundamente a estrutura cénica do teatro, com uma estética de base expressionista. No que respeita aos intérpretes, Max Reinhardt era um director experiente e exigente que deve certamente ter tido alguma influência na formação artística de Marlene Dietrich.
Quando Josef von Sternberg a descobre numa revista por ele considerada medíocre (“Zwei Kravatten”) já Marlene (então casada com o argumentista e produtor Rudolph Sieber, de quem teve uma filha) ostentava o corpo miraculosamente desenhado que Sternberg saberia realçar, encobrindo-o com véus diáfanos e plumas, possuindo também aquele rosto de volumes admiravelmente conjugados que lhe avivavam o mistério inefável de uma sensualidade simultaneamente serena e obsessiva. A sua carreira profissional fora, até aí, pouco promissora. Repartira o tempo entre operetas medíocres, espectáculos de music-hall de terceira ordem ou pequenos e insignificantes papéis em filmes que nunca deram a medida aproximada do seu talento. Apesar disso, porém, Marlene fora dirigida por cineastas de incontroversa importância como C.W.Pabst (“Die Freudlose Gasse”), William Dieterle (“Menschen am Weg”), Joe May (“DieTragodie der Liebe”), Alexander Korda (“Eine du Barry von Heute”), Arthur Robinson (“Manon Lescaut”), Maurice Tourneur (“Das Schiff der Verlorenen Menschen”) ou Kurt Bernhardt (“Dia Frau Nach der Man Sich Sehnt”).


A revelação de Marlene Dietrich será, entretanto, obra do sexto sentido de um homem que soube olhar para lá das aparências, descortinar o essencial de uma personalidade estranhamente rica e fascinante. Uma das poucas mulheres que poderiam ser Lola-Lola e cantar o tema de “O Anjo Azul”: “Ich bin von Kopt bis fuss auf Liebe eingestellt” (“Sou toda amor, da cabeça aos pés”). Marlene teve consciência da importância decisiva do seu encontro com Josef von Sternberg e nunca se cansou de o repetir para que a quis ouvir: “Foi Sternberg quem me descobriu quando eu não era ninguém. Acreditou em mim, fez-me trabalhar, deu-me todo o seu saber, a sua experiência, a sua energia e construiu desta maneira o meu triunfo”. Ou ainda, a famosa dedicatória a Von de uma fotografia sua: “Sem ti não seria ninguém”. A isto responde Sternberg do alto do seu orgulho e do seu incomensurável talento: “Marlene não é Marlene, Marlene sou eu!” Mas quem era este Pigmalião consciente e autorizado?
Josef von Sterberg, vienense por nascimento (29 de Maio de 1894), repartiu a sua juventude entre a Áustria e os Estados Unidos. Em 1911 começa a trabalhar no cinema, numa firma de expedição de filmes, graças à qual encontra William A. Brady, que o transforma em seu assistente pessoal. Depois da guerra de 1914-1918, é Émile Chautard quem lhe assegura largos anos de experiência como seu assistente. Por volta de 1924, começa a solicitar a vários produtores que lhe permitam assinar a sua primeira realização, o que consegue nesse mesmo ano pela mão do actor George K. Arthur, que lhe dá uma oportunidade. Este foi o seu filme de estreia: “Salvation Hunters”. A película entusiasma muito boa gente, entre os quais se contam Chaplin e Mary Pickford, que o contratam para a Allied Artists. As excentricidades de Sternberg preocuparam, porém, os patronos da A.A. e será a Metro quem lhe irá propor nova obra. Aí dirigirá duas películas que outros mais dóceis acabarão por ele: “The Exquisite Sinner” e “The Masked Birde” (1925). No ano seguinte, Chaplin volta a interessar-se por Sternberg. Confiar-lhe-á um projecto ambicioso que se destinava a fazer perdurar a glória de Edna Purviance. Mas Sternberg faz de “The Sea Gull” outra obra maldita. De tal forma que raros foram os eleitos que conseguiram assistir à única exibição deste filme que os produtores resolveram arquivar. Foi assim que, em 1926, Sternberg se encontrou arruinado e perseguido numa Hollywood cada vez mais hostil. Depois de uma viagem a Inglaterra, regressará sob contrato da Paramount. Com um argumento violento e inovador de Ben Hecht, inspirado no gangsterismo americano, Sternberg dirige, em 1927, o filme que lhe abre finalmente as portas do êxito e o leva a ser considerado um dos “dez melhores realizadores americanos do ano”: “Underworld”. O filme valeu um Oscar a Ben Hecht e ofereceu a Sternberg numerosas propostas, entre as quais “The Case of Lena Smith” (1929). Emil Jannings, que trabalhara com ele em “The Last Comand”, pede-lhe por seu turno que o volte a dirigir no primeiro filme sonoro. Foi assim que Sternberg escolheu o romance de Heinrich Mann (irmão de Thomas Mann): “Professor Unrat”, para adaptar ao cinema e que estaria na base de “O Anjo Azul”. Em 1929, portanto, Josef von Sternberg encontra-se em Berlim e aí irá iniciar a escolha de uma actriz para um papel por si idealizado: Lola-Lola, a mulher destruidora que arrastará até à mais completa degradação um velho e austero professor, intolerante e severo, que por ela se deixa prender, viajando ao “fundo da noite” ou “descendo ao inferno” do desespero e da traição.
Duas personalidades invulgares irão encontrar-se por força do destino. Esse encontro, visualizado em “O Anjo Azul”, será simultaneamente o deflagrar de uma paixão impetuosa. Mas, como se terá passado na realidade nos bastidores? Isso mesmo nos conta o próprio Josef von Sternberg em páginas das suas memórias (“Fun in a Chinese Laundry”): “O livro de Heinrich Mann descreve brilhantemente a mulher amoral, cujos atractivos conduziram à perdição de um professor de liceu. Os meus colaboradores disseram-me que a história era autobiográfica. Fosse o que fosse, o certo é que me apresentaram uma madura e muito digna senhora alemã que se considerava a sedutora apropriada para o papel da excitante prostituta. Mas a maior parte das que desfilaram frente aos meus olhos nunca poderiam ser Circe, a não ser para um grupo de cegos. Enquanto ditava o meu guião, uma procissão de formosas mulheres chegava até mim para revelar os seus encantos, que teriam sido bem mais desejáveis se se tivessem reunido todos numa mesma mulher. Uma rapariga tinha os olhos que faziam falta, outra os movimentos graciosos, outra as pernas formosas, outras ainda uma voz que prometia demoníacos prazeres, mas eu não encontrava maneira de fazer interpretar uma só personagem por meia dúzia de mulheres distintas.


( ... ) Prestes a iniciar a rodagem, surgiu um certo mal-estar. Corria a notícia de que eu procurava uma mulher inexistente. Folheando um álbum publicitário com o retrato de todas as actrizes alemãs, detive-me sobre o rosto inexpressivo e pouco interessante da senhora Dietrich e, dirigindo-me ao meu ajudante, como fizera em tantos casos semelhantes, vi-o levantar os ombros, enquanto murmurava: “Der Popo ist Nicht schlecht, abers brauchen wir nicht auch ein Gesicht?” (“O traseiro não está mal, mas não precisamos também de uma cara?”). A actriz foi, portanto, imediatamente relegada como tantas outras e esquecida até ao momento em que, pela maior das casualidades, fui ver uma obra de Georg Kaiser, intitulada “Zwei Kravaten”, interpretada por dois actores do meu elenco: Hans Albers e Rosa Valetti.
(...) Quando “miss” Dietrich entrou no meu escritório, ao fim da tarde, não fez o menor esforço para despertar o meu interesse. Sentou-se a um canto do divã que se encontrava à minha frente e baixou os olhos: a apatia feita mulher.
“Vestida com um tailleur de Inverno, chapéu, luvas e muitas peles, tinha o ar de vir ver-me para gozar de um descanso bem merecido. Para a fazer sair da sua letargia, perguntei-lhe porque é que a sua reputação de actriz era tão pouco conhecida. Ela olhou longamente as mãos enluvadas e, bruscamente, como se as tivesse mostrado muito tempo, escondeu-as atrás das costas. Decididamente, pensei, iria ser muito difícil transformar em “devoradora de homens” a mulher acanhada que estava à minha frente!
“Embebido nos meus pensamentos, mal me apercebi da entrada de Erich Pommer acompanhado por um Jannings esgotado; com um apropósito extraordinário ele pediu a Marlene que tirasse o chapéu e que desse uma volta pela sala. Era a cerimónia habitual que, embora não permitisse julgar uma actriz, mostrava-nos se era calva ou aleijada. Ela obedeceu, passeou para aqui e ali, com um ar de servil obediência, sem olhar para a frente e dando a impressão que, de um momento para o outro, se iria desequilibrar e encostar a um móvel. Os seus olhos estavam quase completamente fechados.
Os dois peritos trocaram olhares bastante eloquentes, Pommer agarrava-se à garganta e Jannings coçava a orelha, e depois deixaram o quarto após dois apertos de mão propositadamente desnecessários, de significado bem visível. Jannings informou-me depois que os olhos de uma vaca só se fecham na altura do nascimento de um vitelo. Esta não foi a única expressão desagradável que teria de ouvir, pois, nessa mesma noite, muitos dos meus colaboradores, alarmados, precipitaram-se para o teatro para verificar a minha escolha. E voltaram a dizer-me que não tinham visto naquela rapariga nada que merecesse ser olhado: disseram, “amigavelmente”, que na véspera a devia ter visto totalmente “modificada”.
(…) Depois de o produtor e Jannings terem pronunciado aquele veredicto mudo, Marlene Dietrich ficou de pé, braços pendentes. Logicamente, ela não esperava outra coisa, mas olhou longamente a porta que se fechava atrás deles e depois voltou o seu olhar triste para mim, como se eu fosse o autor daquela humilhação. Pedi-lhe que se sentasse de novo e voltei a estudá-la. Sem sombra de dúvida, ela possuía uma fonte abundante de vitalidade, mas como não sabia o que fazer dela procurava dissimulá-la. Pensei então que era minha obrigação dizer-lhe o que esperava dela, o que a despertou apenas o suficiente para me responder numa voz infantil que pensava que se tratava de um pequeno papel e nunca o de actriz principal. Tentei acalmá-la, dizendo que ela correspondia perfeitamente à ideia que eu fazia da minha heroína. Mas, em vez de ficar sossegada, ela saiu por fim da casca e gritou indignada que era incapaz de brincar, que nunca a tinham fotografado como queria, que tinha sido sempre desprezada pela imprensa e que até ali tinha apenas entrado em dois ou três filmes onde estava francamente mal. Estas palavras surpreenderam-me: era a primeira vez que um actor a quem eu oferecia um papel me confessava os seus fracassos”.
“O Anjo Azul”, datado de 1930, marca pois a convergência de duas carreiras, para além de assinalar igualmente o encontro com um outro actor admirável, esse Emil Jannings a que o cinema alemão das décadas de 20 e 30 ficou a dever algumas das suas criações mais notáveis.
“Der Blauen Engel” gira fundamentalmente em redor de duas figuras (o professor lmmanuel Rath e a cantora Lola-Lola). Turista chamado à pressa para a Alemanha, Josef von Sternberg soube assimilar o expressionismo que vincou o cinema germânico da década de 20, optando, porém, por uma narrativa de forte pendor realista que se ia encontrar também na trajectória de um cinema de análise do comportamento psicológico de pequenos agregados humanos (o Kammerspiel). Apesar desta tendência para reduzir o filme às relações de lmmanuel Rath-Lola-Lola, “O Anjo Azul” vale também pelas anotações de carácter social que definem uma época e uma sociedade. Sobre esse fundo esboçado a traços largos mas incisivos, recorta-se uma figura de mulher obsessiva e sensual. Lola-Lola representa a transgressão intolerável num meio conservador e puritano. Para casar com ela, lmmanuel Rath terá de abandonar a carreira de professor, obrigado pelos colegas que o repudiam e pelos alunos que podem, finalmente, exteriorizar todo o rancor armazenado ao longo de anos de injustiças e intolerância. Exilado da sua terra, Rath passará a acompanhar a “troupe”. Os anos passam, as dificuldades avolumam-se e Rath vai percorrendo os degraus da degradação. Venderá retratos da mulher por entre as mesas de “cabarets” baratos e acabará por regressar à sua cidade natal, onde, frente a uma plateia enraivecida, desempenhará o seu último papel de “clown”, enquanto Lola-Lola o atraiçoa nos bastidores com um malabarista recém-aparecido. Consciente da sua total agonia, Rath deixa o Anjo Azul e procurará o seu antigo liceu, em que irá morrer sobre o tampo da secretária onde, anos atrás, ensinara Hamlet e vira pela primeira vez fotografias “proibidas” de uma cantora de “cabaret” de nome Lola-Lola.
“O Anjo Azul”, pensado inicialmente para glória de Jannings, acaba por ser o filme revelação de uma actriz que cedo se transformaria na mais extraordinária diva da história do cinema. Obra de um barroquismo desenfreado, serviria também para confirmação de um outro talento: Sternberg. Ver Marlene num palco miniatura, inundada de anjos e pombas de papelão, com nuvens de cartolina que lentamente deslizam por fios manobrados dos bastidores é espectáculo que para sempre perdurará nos olhos de quem viu “O Anjo Azul”. Retrato inesquecível de uma Marlene de movimentos nervosos e de poderosa vitalidade que a América (para onde partiu, juntamente com Sternberg, ambos contratados pela Paramount, pela mão de Zukor) haveria de decantar, sofisticando e aristocratizando um temperamento naturalmente impulsivo e generoso. Sobre isso, Marlene disse: “O Anjo Azul” fez-se e desfez-me. Quando Josef von Sternberg me chamou, a minha ambição era interpretar a Margarida do Fausto. O papel de uma vulgar cantora de “cabaret” vexou-me e criou uma imagem errónea de mim. A partir daí fui sempre tratada como uma cortesã de alto preço, uma mulher fatal. Bem supliquei para me darem outros papéis, qualquer coisa de mais humano e mais humorístico, mas os produtores diziam que o que público queria era ver-me somente como a mulher que põe os homens loucos. Mais tarde, a partir de “Destry Rides Again”, tive enfim oportunidade de parodiar a imagem que de mim própria fizeram, contra minha vontade.” A lucidez destas afirmações não lhe permitiu, todavia, distinguir algo de essencial que fazia de “O Anjo Azul” uma excepção na sua carreira. Será a sua colega Louise Brooks quem o fará, ao evocar a figura de Lola-Lola. “Os fiéis admiradores de Marlene continuam a afirmar que a sua metamorfose, de Dietrich em deusa hollywoodesca sofisticada, foi a grande “chance” da sua vida. Mas, cada vez que vejo “O Anjo Azul”, choro um pouco (...) Na nova Dietrich, tão refinada, já não há qualquer vestígio de feliz vulgaridade ou de generosa impulsividade. Os seus movimentos brutais e dinâmicos atenuaram-se até esse deambular majestoso que ela ostenta entre duas sessões de poses fotográficas”.
Em 1935, depois de êxitos clamorosos e algumas incompreensões nessa carreira a duo que ficou marcada por filmes como “Morocco” (30), “Dishonore” (31), “Changai Express” (32), “Song of Songs” (33) e “The Scarlet Empress” (34), e depois do fracasso final de “The Devil is a Woman”, MarIene e Sternberg rompem a sua ligação indo cada um por seu lado, à procura de um ideal perdido: Sternberg tenta fazer de cada nova vedeta uma nova MarIene; Dietrich, por seu turno, só muito tardiamente conseguirá libertar-se do retrato que dela impunham os produtores e que o público não se cansava de reclamar.
Essa Marlene de olhar voluptuoso, a meio caminho entre a mítica pureza de uma deusa inacessível e a diabólica presença inquietante de uma mulher destruidora; essa Marlene regressada do reino das sombras e das trevas, esse rosto iluminado, que permanece misterioso para além de toda a descoberta; essa Marlene de tempos idos, mulher-mito, mito-mulher, continua bem junto de todos nós. Cada reposição de uma obra sua, na televisão, mas sobretudo nas salas de cinema, é uma oportunidade nova que, sobretudo, as gerações mais jovens não podem desconhecer e que os mais velhos recordam com saudade.
In “O Século Ilustrado” (20 de Dezembro de 1969)

O ANJO AZUL
Título original: Der Blaue Engel
Realização: Josef von Sternberg (Alemanha, 1930); Argumento: Carl Zuckmayer, Karl Vollmöller, Robert Liebmann, (Josef von Sternberg),  segundo romance de Heinrich Mann ("Professor Unrat"); Produção: Erich Pommer; Música: Franz Waxman; Fotografia (p/b): Günther Rittau; Montagem: Sam Winston; Walter Klee (versão inglesa); Direcção artística: Otto Hunte; Guarda-roupa: Tihamer Varady; Maquilhagem: Waldemar Jabs, Oscar Schmidt; Direcção de Produção:Viktor Eisenbach; Departamento de arte: Emil Hasler; Som: Fritz Thiery; Companhias de produção: Universum Film (UFA); Intérpretes: Emil Jannings (Prof. Immanuel Rath), Marlene Dietrich (Lola Lola), Kurt Gerron (o mágico), Rosa Valetti (a mulher do mágico), Hans Albers (Mazeppa, o homem forte), Reinhold Bernt (o palhaço), Eduard von Winterstein (o director da escola), Hans Roth, Rolf Müller, Roland Varno, Carl Balhaus, Robert Klein-Lörk, Charles Puffy, Wilhelm Diegelmann, Gerhard Bienert, Ilse Fürstenberg, Die Weintraub Syncopators, Friedrich Hollaender (pianista), Wolfgang Staudte (aluno), etc. Duração: 124 minutos; Distribuição em Portugal: Edivisa; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 24 de Março de 1931.


MARLENE DIETRICH
Filmografia
Na Alemanha: 1922: No Sind die Manner (Os Homens são Assim), de G. Jacoby; 1923: Die Tragodia der Liebe (A Tragédia do Amor), de Joy May; 1924: Der Mensch am Wege (Um Homem à Beira do Caminho), de William Dieterle; Der Sprung Ins Leben (Salto para a Vida), de Dr. J. Guter; 1925: Die Freudlose Gasse (Rua sem Sol), de G. W. Pabst; 1926: Eine Du Darry Von Heute (Uma Dubarry Moderna), de Alexander Korda; Manon Lescaut, de Arthur Robison; Madame Wunscht Keine (A Senhora Não Quer Crianças), de Alexander Korda; Kopf Hoch, Charly! (Cabeça para Cima, Charlie!), de Dr. W. Wolff; Der Juxbaron (O Barão Imaginário), de Dr. W. Wolff; 1927: Seln Grosster Bluff (O Seu Maior Bluff), de Harry Piel; Wenn ein Welb den Weg Verliet (Quando Uma Mulher Perde o seu Caminho), de Gustav Ucicky; 1928: Prinzessin Olala (Princesinha Oh! Lá, Lá!), de Robert Land; 1929: Ich Kusse Ihre Hand, Madame, de Robert Land; Liebesnacht ou Gefahren der Brautzeit, de Fred Sauer; Die Frau, Nach der Man Sich Sehnt, de Kurt (Curtia) Bernhardt; Das Schiff der Verlorenen Menschen, de Maurice Tourneur; 1930: Die Blaue Engel (O Anjo Azul), de Josef von Sternberg
Nos Estados Unidos da América: 1930: Morocco (Marrocos), de Josef von Sternberg; 1931: Dishonored (Fatalidade), de Josef von Sternberg; 1932: Shangai Express (O Expresso de Xangai),  de Josef von Sternberg; Blonde Venus (Vénus Loira), de Josef von Sternberg; 1933: Song of Songs (O Cântico dos Cânticos), de Robert Mamoulian; 1934: The Scarlet Empress (A Imperatriz Vermelha), de Josef von Sternberg; 1935: The Devil is a Woman (A Mulher e o Fantoche ou O Diabo é Uma Mulher), de Josef von Sternberg; 1936: Desire (Desejo), de Frank Borzage; The Garden of Allah (O Jardim de Allah), de Richard Boleslawki; 1937: Knight Without Armour (Cavaleiro Sem Armas),  de Jacques Feyder; Angel (Anjo), de Ernest Lubitsch; 1939: Destry Rides Again (A Cidade Turbulenta),  de George Marshall; 1940: Seven Sinners (Sete Pecadores),  de Tay Garnett; 1941: The Flame of New Orleans (A Condessa de Nova Orleães),  de René Clair; Manpower (Discórdia), de Raoul Walsh; 1942: The Lady Is Willing (Capricho de Mulher),  de Mitchel Leisen; The Spoilers (Oiro),  de Ray Enríght; Pittsburgh (Sangue Negro),  de Lewis Seíler; 1943: Stage Door Canteen (Chuva de Estrelas), de Frank Borzage (Marlenesó aparece no filme anúncio desta obra de propaganda militar); 1944: Follow The Boys (Parada da Alegria), de Eddie Butherland; 1944: Kismet (Kismet), de William Dieterle;
Em França: 1946: Martin Roumagnac (Desespero), de Georges Lacombe;
De novo nos Estados Unidos da América: 1947: Golden Earring (A Cigana Feiticeira), de Mitchel Leisen; 1948: A Foreign Affair (A Sua Melhor Missão), de Billy Wilder; 1949: Jigsaw (Uma Loira com Dois Corações), de F. Markle; 1950: Stage Fright (Pânico nos Bastidores), de Alfred Hitchcock; 1951: No Highway in The Sky (Viagem Fantástica), de Henry Koster; 1952: Rancho Notorious (O Rancho das Paixões), de Fritz Lang; 1956: Around the World in 80 Days (A Volta ao Mundo em 80 Dias), de Michael Anderson; 1957: The Monte Carlo Story (A História de Monte Carlo), de Samuel Taylor; 1957: Witness for the Prosecution (Testemunha de Acusação), de Billy Wilder; 1958: Touch of Evil (A Sede do Mal), de Orson Welles; 1958: Das Gab’s Nur Einmal (Esperei-o uma Vez), de G. Von Bolvary; 1962: Judgement at Nuremberg (Julgamento de Nuremberg), de Stanley Kramer; 1963: Black Fox, de Clyde Stoumen (narração); 1964: Paris When is Sizzles (Quando Paris Delira), de Richard Quine; 1978: Schöner Gigolo, armer Gigolo (História de um Gigolo), de David Hemmings.

Para lá da sua carreira como actriz desenvolve uma extraordinária actividade como cantora, que se prolonga até bastante mais tarde que a sua despedida dos ecrãs (1978). Morre, depois de um longo período de quase isolamento, em Paris, a 6 de Maio de 1992, com 90 anos de idade.