domingo, 1 de maio de 2016

SESSÃO 16: 2 DE MAIO DE 2016


MEIA LUZ (1944)

“Gaslight”, que George Cukor  dirigiu em 1944, numa produção norte-americana, é uma nova versão de um filme inglês de 1940, dirigido por Thorold Dickinson, baseado na peça teatral “Gas Light”, de Patrick Hamilton (1938), e interpretada por Anton Walbrook e Diana Wynyard nos principais papeis. A peça tinha sido um grande sucesso na Broadway, com o título “Angel Street”, e foi sob essa designação que ficou conhecido igualmente o filme nos EUA. Mesmo em Inglaterra, tivera um título alternativo, “A Strange Case of Murder”. Quem conhece a peça de origem e ambos os filmes afirma que a versão de 40 é mais fiel à obra teatral do que a de 44. Mas a história, no essencial, permanece a mesma. Vejamos a versão de 40: Alice Barlow (Marie Wright) é assassinada na sua casa por um desconhecido,  que vasculha a residência em busca de algo que se sabe depois serem umas valiosas pedras preciosas. O crime fica sem resolução durante anos e a casa abandonada. Até que um dia, a sobrinha de Alice, Bella (Diana Wynyard) regressa casada com Paul (Anton Walbrook) que lentamente a vai tentando enlouquecer, através de vários expedientes, mas sobretudo fazendo-lhe crer que está a perder a memória e o discernimento. Será um detective, B. G. Rough (Frank Pettingell), que começa a suspeitar de Paul e o liga ao crime de Alice Barlow. A referência a “Gas Light” advém do facto de Londres viver ainda numa época de candeeiros a gaz. Em casa de Bella, sempre que Paul sai à noite, com a explicação de que vai trabalhar num outro local, a luz da casa se atenuar, o que só pode ter uma explicação (que aqui se não dá, para não retirar suspense ao drama).
Em Inglaterra, peça e filme foram grandes sucessos. Na Broadway, o espectáculo também  correu muito bem, o que levou os responsáveis da MGM a pensarem numa nova versão, norte-americana, com um novo elenco. Compraram os direitos à produtora britânica e , no contrato, exigiam que as cópias e negativos da anterior versão fossem destruídos. Afortunadamente, houve responsáveis que ultrapassaram o contrato e conservaram o negativo.


A nova versão conta com Charles Boyer, Ingrid Bergman, e Joseph Cotten, nos protagonistas, e ainda com as presenças da veterana Dame May Whitty e da estreante (dezoito anos!) Angela Lansbury, ambas magnificas em papeis muito distintos. A adaptação esteve a cargo de     John Van Druten, Walter Reisch e John L. Balderston, sempre segundo a peça de Patrick Hamilton, e tudo seria perfeito, não fosse a presença de Charles Boyer, um verdeiro canastrão que não consegue fazer esquecer o talento da restante equipa, mas põe seriamente em causa a sanidade de quem o escolheu para o papel. Valha-nos Ingrid Bergman que compõe uma admirável personagem, conquistando com este trabalho o seu primeiro Oscar. O filme estaria nomeado ainda em 1945 para outros Oscars, como Melhor Filme, Melhor Actor (Charles Boyer, imagine-se!), Melhor Actriz Secundária (Angela Lansbury), Melhor Argumento Adaptado, Melhor Fotografia (a preto e banco) (Joseph Ruttenberg), e ainda Melhor Direcção Artística (a preto e branco) (Cedric Gibbons, William Ferrari, Edwin B. Willis e Paul Huldschinsky), esta última nomeação também se transformaria em Oscar. Mas deve dizer-se que à música de Bronisław Kaper não teria ficado mal uma nomeação.
Com um orçamento de 2.068.000 dólares e uma receita que mais do que duplicou o empate de capital (4. 613. 000 dólares), “Gaslight” foi um sucesso muito merecido, sendo mais um belíssimo trabalho de George Cukor como director de actrizes. Mas, em paralelo a este aspecto, um outro se agiganta: o papel da casa como elemento claustrofóbico, como prisão psicológica, teia de aranha armada por uma figura sinistra que lentamente vai fechando a sua vítima nessa armadilha imposta (e aceite sem grande rebeldia por quem nela cai). Estamos numa Inglaterra vitoriana, o papel da mulher é subalterno, a sua decisão quase nula, aceitando submeter-se às imposições do marido. “Gaslight” pertence a um curioso conjunto de obras desse período, que irão, de certa forma, contribuir para a definição do “filme negro”. O papel do homem é igualmente muito curioso, se compararmos vários títulos desses anos. Filmes de Alfred Hitchcock, “Rebecca” (1940), “Suspicion” (1941), “Shadow of a Doubt” (1943), a que se juntam este “Gaslight” e “Jane Eyre”, de Robert Stevenson (ambos de 1944), “Dragonwyck”, de Joseph L. Mankiewicz (1945), “Notorious”, outra vez de Hitch, e “The Spiral Staircase”, de Robert Siodmak (ambos de 1946), “The Two Mrs. Carrolls”, de Peter Godfrey (1947), ou “Sorry, Wrong Number”, de Anatole Litvak, e “Sleep, My Love”, de Douglas Sirk (ambos de 1948) são excelentes exemplos de um quase subgénero a que alguns críticos (entre eles Emanuel Levy) chamaram já “Don't Trust Your Husband” (não confies no teu marido), dado que quase todas estas obras mulheres ricas e poderosas se vêem atormentadas por maquiavélicas personagens masculinas, maridos, namorados, amantes, que as procuram espoliar para o que não hesitam em caminhar para o assassinato. 
Última curiosidade: “Gaslight” foi adaptado a radio novela, em 1946, no “Lux Radio Theater”, contando com a interpretação dos actores do filme, Charles Boyer e Ingrid Bergman, e, no ano seguinte, no “The Screen Guild Theater”, com Charles Boyer e Susan Hayward.

MEIA LUZ
Título original: Gaslight
Realização: George Cukor (EUA, 1944); Argumento: John Van Druten, Walter Reisch, John L. Balderston, segundo peça de teatro de Patrick Hamilton ("Angel Street"); Produção: Arthur Hornblow Jr.; Música: Bronislau Kaper; Fotografia (p/b): Joseph; Montagem: Ralph E. Winters; Direcção artística: Cedric Gibbons; Decoração: Edwin B. Willis; Guarda-roupa: Irene; Maquilhagem: Jack Dawn, Irma Kusely; Direcção de Produção: Eddie Woehler; Assistentes de realização: Jack Greenwood;  Departamento de arte: William Ferrari, Paul Huldschinsky; Som: Douglas Shearer, Joe Edmondso; Efeitos especiais: Warren Newcombe; Companhia de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Intérpretes: Charles Boyer (Gregory Anton), Ingrid Bergman (Paula Alquist), Joseph Cotten (Brian Cameron), Dame May Whitty (Miss Thwaites), Angela Lansbury (Nancy), Barbara Everest (Elizabeth), Emil Rameau (Maestro Guardi), Edmund Breon, Halliwell Hobbes, Tom Stevenson, Heather Thatcher, Lawrence Grossmith, Jakob Gimpel, Harry Adams, Lassie Lou Ahern, John Ardizoni, Frank Baker, Lillian Bronson, Leonard Carey, Alec Craig, Roger Gray, Jack Kirk, Pat Malone, Eric Wilton, Eustace Wyatt, Phyllis Yuse, Guy Zanette, etc. Duração: 114 minutos; Distribuição em Portugal: MGM (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 26 de Março de 1946.


INGRID BERGMAN (1915 - 1982)
Esta é uma mulher que frequenta todos os top 10 das melhores actrizes de sempre. Mantem com Katharine Hepburn e Audrey Hepburn uma luta cerrada pelos três primeiros lugares em qualquer país em que ao inquérito se realize. Excepto na Suécia, onde é rainha. Uma das mais belas e mais talentosas actrizes de sempre. Ingrid Bergman Nieuwenhoff nasceu a 29 de Agosto de 1915, em Estocolmo, Suécia, e viria a falecer em Londres, Inglaterra, precisamente no dia 29 de Agosto de 1982, com 67 anos de idade.
A mãe, alemã, morreu quando ela tinha dois anos. O pai, Justus Bergman, sueco, era fotógrafo e boémio, tendo transmitido à filha a paixão pelo teatro. Esta iniciou-se cedo em pequenas companhias amadoras e, em 1933, entra para a Real Escola de Arte Dramática de Estocolmo mas, antes de terminar o curso, estreia-se no cinema, com sucesso. Em dois anos participa em nove filmes, na Suécia. Em 1939, parte para Hollywood para protagonizar a versão americana de um dos seus maiores sucessos suecos, "Intermezzo". A partir daí, a sua carreira foi fulgurante, criando uma galeria de personagens de invulgar densidade e sedução, a que a sua beleza muito especial adicionava um “glamour” muito próprio. Interpretou obras-primas indiscutíveis que vão de “Casablanca” a “Sonata de Outono”.


Ganhou três Oscars: para Melhor Actriz, em 1945, por “Gaslight” e, em 1957, por “Anastasia” e, para Melhor Actriz Secundária, em 1975, para “Murder on the Orient Express”. Foi nomeada por mais quatro vezes: 1944, For Whom the Bell Tolls, 1946, The Bells of St. Mary's, 1949, Joan of Arc, e 1979, Sonata de Outono. Dois Emmys para Melhor Actriz em mini série de televisão, em 1982, por “A Woman Called Golda” e para Actriz Principal, em 1960, para “The Turn of the Screw”. Quatro Golden Globe, para Melhor Actriz em filme dramático, em 1945, para “Gaslight”, em 1946, para “The Bells of St. Mary's”, em 1957, para “Anastasia”, e, em 1982, na categoria de televisão, para “A Woman Called Golda”. Um César Honorário, em 1976, pela carreira. Um BAFTA, para Melhor Actriz Secundária, em 1975, para “Murder on the Orient Express”. Casada com Petter Lindström (1937 - 1950), de quem teve uma filha, Pia; com Roberto Rossellini (1950 - 1957), de quem teve três filhos, Roberto e as gémeas Isotta Ingrid e Isabella Rossellini, também actriz; finalmente com Lars Schmidt (1958 - 1975). A ligação com Roberto Rossellini foi tumultuosa, pois ambos eram casados quando se apaixonaram e abandonaram as respectivas famílias para viverem juntos. Ingrid foi acusada de adúltera e de dar mau exemplo às mulheres americanas, o que a impediu de filmar nos Estados Unidos durante alguns anos. Morreu no dia em que completava 67 anos, depois de seis anos a lutar contra o cancro e depois de duas mastectomias. Um ano antes de falecer, Ingrid disse que se recusava a render-se à doença e que continuava a fumar e a beber vinho e champanhe. Encontra-se sepultada em Norra Begravningsplatsen (Northern Cemetery), Estocolmo, Suécia.


Filmografia/como actriz: 1932: Landskamp, de Gunnar Skoglund (não creditada); 1935: Munkbrogreven, de Edvin Adolphson e Sigurd Wallén (este não creditado); Bränningar, de Ivar Johansson; Swedenhielms, de Gustaf Molander; Valborgsmässoafton (Noite de Primavera), de Gustaf Edgren; 1936: På solsidan (Para o Destino), de Gustaf Molander; Intermezzo, de Gustaf Molander; 1938: Dollar (O Dólar), de Gustaf Molander; En kvinnas ansikte, de Gustaf Molander; 1938: Die Vier Gesellen, de Carl Froelich; 1939: En enda natt (Sedução), de Gustaf Molander; Intermezzo: A Love Story (Intermezzo), de Gregory Ratoff; 1940: Juninatten (Noite de Tentação), de Per Lindberg; 1941: Adam Had Four Sons (Os Quatro Filhos de Adão), de Gregory Ratoff; Rage in Heaven (Tempestade), de W.S. Van Dyke e Robert B. Sinclair e Richard Thorpe (não creditados); Dr. Jekyll and Mr. Hyde (O Médico e o Monstro), de Victor Fleming; 1942: Casablanca (Casablanca), de Michael Curtiz; 1943: For Whom the Bell Tolls (Por Quem os Sinos Dobram), de Sam Wood; 1943: Swedes in America, de Irving Lerner (curta-metragem); 1944: Gaslight (Meia-Luz), de George Cukor; 1945: Saratoga Trunk (Saratoga), de Sam Wood; 1945: Spellbound (A Casa Encantada), de Alfred Hitchcock; The Bells of St. Mary's (Os Sinos de Santa Maria), de Leo McCarey; 1946: American Creed, de Robert Stevenson (curta-metragem); Notorious (Difamação), de Alfred Hitchcock; 1948: Arch of Triumph (O Arco do Triunfo), de Lewis Milestone; Joan of Arc (Joana d'Arc), de Victor Fleming; 1949: Under Capricorn (Sob o Signo de Capricórnio), de Alfred Hitchcock; 1950: Stromboli (Stromboli), de Roberto Rossellini; 1952: Europa '51 (Europa 51), de Roberto Rossellini; 1953: Siamo Donne (Nós, as Mulheres), de Gianni Franciolini ("Alida Valli"), Alfredo Guarini ("Concorso 4 Attrici 1 Speranza"), Roberto Rossellini ("Ingrid Bergman"), Luchino Visconti ("Anna Magnani") e Luigi Zampa ("Isa Miranda"); 1954: Giovanna d'Arco al Rogo, de Roberto Rossellini; Viaggio in Italia (Viagem em Itália), de Roberto Rossellini; La Paura (O Medo), de Roberto Rossellini; 1956: Anastasia (Anastásia), de Anatole Litvak; Elena et les Hommes (Helena e os Homens), de Jean Renoir; 1958: Indiscreet (Indiscreto), de Stanley Donen; The Inn of the Sixth Happiness (A Pousada da Sexta Felicidade), de Mark Robson; 1959: The Turn of the Screw, de John Frankenheimer, em Startime (série de TV); 1961: Aimez-Vous Brahms?, de Anatole Litvak ; 1961: Auguste, de Pierre Chevalier (cameo) ; Twenty-Four Hours in a Woman's Life, de Silvio Narizzano (TV); 1963: Hedda Gabler, de Alex Segal (TV); 1964: The Visit (A Visita), de Bernhard Wicki; The Yellow Rolls-Royce (O Rolls-Royce Amarelo), de Anthony Asquith; 1966: The Human Voice, de Ted Kotcheff (TV); 1967: Stimulantia, de Hans Abramson ("Upptäckten"), Hans Alfredson ("Dygdens belöning"), Arne Arnbom ("Birgit Nilsson"), Ingmar Bergman ("Daniel"), Tage Danielsson ("Dygdens belöning"), Jörn Donner ("Det var en gång två älskande..."), Lars Görling ("Konfrontationer"), Gustaf Molander ("Smycket") e Vilgot Sjöman ("Negressen i skåpet") (Episódio: "Smycket"); 1969: Cactus Flower (A Flor de Cacto), de Gene Saks; 1970: Henri Langlois; A Walk in the Spring Rain (Chuva na Primavera), de Guy Green; 1973: From the Mixed-Up Files of Mrs. Basil E. Frankweiler, de Fielder Cook; 1974: Murder on the Orient Express (Um Crime no Expresso do Oriente), de Sidney Lumet; 1976: A Matter of Time, de Vincente Minnelli; 1977: Great Performances: Childhood Host; 1978: Höstsonaten (Sonata de Outono), de Ingmar Bergman; 1979: The American Film Institute Salute to Alfred Hitchcock; 1982: A Woman Called Golda, de Alan Gibson (TV).

Sem comentários:

Enviar um comentário