BELINDA,
A ESCRAVA DO SILÊNCIO (1948)
Elmer Blaney Harris escreveu a peça de teatro que está na
origem deste filme de Jean Negulesco. A peça parece ter sido inspirada em
acontecimentos reais, ocorridos em Fortune Bridge, na Ilha do Príncipe Eduardo,
onde o escritor tinha uma residência de verão. Elmer Blaney Harris, juntamente
com Allen Vincent e Irma von Cube escreveram o argumento do filme, que teve um
certo sucesso crítico aquando da sua estreia, apesar de o tema ser considerado
“um veneno” de bilheteira.
Grande parte desse sucesso deve-se ao seu elenco, onde
sobressai uma magnífica Jane Wyman, no papel de uma jovem surda-muda que atravessa
momentos dramáticos na sua existência, mas que está bem acompanhada pelo
restante elenco e inclusive pelos responsáveis técnicos. Se não, vejamos as
nomeações para Oscars que recebeu nesse ano: Melhor Filme, Melhor Realizador
(Jean Negulesco), Melhor Actor (Lew Ayres), Melhor Actor secundário (Charles
Bickford), Melhor Actriz secundária (Agnes Moorehead), Melhor Argumento
Adaptado, Melhor Fotografia (a preto e branco), Melhor Montagem, Melhor Som,
Melhor Música, Melhor Direcção Artística (a preto e branco). Só Jane Wyman
acabaria por ver reconhecido o seu talento, mas as 12 nomeações não deixam de
ser significativas. Nos Globos de Ouro de 1949, Jane Wyman voltou a ganhar, mas
“Johnny Belinda” seria igualmente consagrado como Melhor Filme do ano (juntamente
com The Treasure of the Sierra Madre, de John Huston).
Este é um dos títulos de que guardo grata recordação dos
meus tempos de criança, quando o vi pela primeira vez. No início da década de
50, Jane Wyman era uma das actrizes da minha particular estima, o que nunca
esqueci. Esta recuperação é um tributo óbvio a essa memória. Presentemente é
fácil reconhecer, todavia, que o filme justifica uma ampla atenção, mas está,
quanto à sua realização, uns pontos abaixo de algumas obras deste mesmo
período, dirigidas por cineastas com um outro elã (que não este relativo
cinzentismo de Jean Negulesco). O que nos recoloca na ideia essencial: um filme
interessante, é certo, um drama a resvalar para o melodrama, eficazmente
contado e bem condimentado tecnicamente, mas uma obra impar fundamentalmente
pelos actores que a interpretam, com Jane Wyman num desempenho absolutamente
soberbo de contenção, de sobriedade, num papel que facilmente deslizaria para o
rodriguinho fácil e o estereótipo. Uma contenção que iria manter ao receber o
Oscar, proferindo o que se julga o mais curto discurso de aceitação da
estatueta: "Ganhei este prémio mantendo a boca fechada e acho que vou
fazê-lo novamente".
Inteiramente filmado na costa da Califórnia, EUA, a história
“passa-se” todavia na ilha de Cape Breton, na Nova Escócia, uma província
atlântica do Canadá, pouco tempo depois de terminada a II Guerra Mundial. Numa
pequena aldeia de pescadores, vive Belinda McDonald (Jane Wyman), surda-muda,
filha de Black McDonald (Charles Bickford), pai rude e vigoroso, dedicado ao
trabalho e excessivamente protector e áspero na forma de tratamento. Em casa
vive ainda a tia Aggie McDonald (Agnes Moorehead), que de alguma forma procura
atenuar o ambiente. Belinda irá cruzar o seu destino com dois homens, Locky
McCormick (Stephen McNally), que a irá violar numa noite de bebedeira, e um
médico, o Dr Robert Richardson (Lew Ayres) que se interessa pelo seu caso, a
ensina a comunicar, e acaba por ser acusado de ser o pai da criança que nasce
da violação. Dizer mais do que isto, iria quebrar o interesse do desenlace da
obra, mas por aqui se percebe já o tom melodramático do entrecho. Mas será
muito justo, sublinhar ainda o trabalho de uma actriz, não nomeada, mas
particularmente talentosa e que aqui tem igualmente um belíssimo trabalho: Jan
Sterling, a jovem secretária do Dr Robert Richardson, por quem está apaixonada,
e que acaba por se casar com Locky McCormick.
Casada com Ronald Reagan, que seria futuramente Presidente
dos EUA, era Jane Wyman. Consta que o casamente se rompeu durante a rodagem de
“Johnny Belinda” (divorciaram-se ainda em 1948), aparentemente por causa de uma
paixão sua para com o seu par, Lew Ayres, mas este relacionamento não teve
longa duração. De qualquer forma, Jane Wyman é a única ex-mulher de um
Presidente dos EUA a ter recebido um Oscar. Depois deste período de grande
relevo na carreira da actriz, esta só voltaria a ser muito popular, já na
televisão, décadas depois, como um dos rostos da série “Falcon Crest”.
BELINDA, A ESCRAVA DO SILÊNCIO
Título original: Johnny Belinda
Realização: Jean Negulesco (EUA, 1948);
Argumento: Irmgard VonCube, Allen Vincent, segundo peça teatral de Elmer
Harris; Produção: Jerry Wald; Música: Max Steiner; Fotografia (p/b): Ted D.
McCord; Montagem: David Weisbart; Direcção artística: Robert M. Haas;
Guarda-roupa: Milo Anderson, Marie Blanchard, Patricia Davidson, Eugene Joseff,
Frank Ricci; Decoração: William Wallace; Maquilhagem: Perc Westmore, Betty
Delmont, Frank McCoy; Direcção de Produção: Frank Mattison; Assistentes de
realização: Mel Dellar, Lee White; Departamento de arte: Harry Goldman,
Frederick Kuhn; Som: Charles Lang; Efeitos especiais: Edwin B. DuPar, William
C. McGann; Companhia de produção: Warner Bros.; Intérpretes: Jane Wyman (Belinda McDonald), Lew Ayres (Dr. Robert
Richardson), Charles Bickford (Black MacDonald), Agnes Moorehead (Aggie
MacDonald), Stephen McNally (Locky McCormick), Jan Sterling (Stella McCormick),
Rosalind Ivan (Mrs. Poggety), Dan Seymour, Mabel Paige, Ida Moore, Alan Napier,
Barbara Bates, Monte Blue, James Craven, Franklyn Farnum, Creighton Hale,
Jonathan Hale, Holmes Herbert, Charles Horvath, Douglas Kennedy, Blayney Lewis,
Alice MacKenzie, Ray Montgomery, 'Snub' Pollard, Jeff Richards, Richard Walsh,
Joan Winfield, Ian Wolfe, Frederick Worlock, etc. Duração: 102 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros. (DVD);
Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 9 de Janeiro de
1950.
JANE WYMAN (1917-2007)
De Jane
Wyman tenho a boa recordação de a ver, no início da década de 50, era eu
criança, em três filmes que não mais esqueci: “O Despertar”, “Belinda, a
Escrava do Silêncio” e “O Véu Azul”, todos eles de uma emoção galopante que a
actriz dominava brilhantemente. Manter fidelidade a paixões de adolescente
parece-me de bom-tom, sobretudo depois de revisitadas as obras em questão e
verificadas algumas das virtudes.
Sarah
Jane Mayfield era o seu nome de baptismo, com nascimento anunciado n o dia 5 de
Janeiro de 1917, em St. Joseph, Missouri, EUA. Viria a falecer, com 90 anos, no
dia 10 de Setembro de 2007, em Palm Springs, California, EUA, devido a
complicações causadas por diabetes e artrites. Com os pais separados, Gladys
Hope Christian e Manning Jefferies Mayfield, e órfã de pai aos oito anos, foi
adoptada por uma família, e passou a assinar Jane Faulks. Tentou sem êxito por essa
altura a carreira de actriz. Aos 15 anos, apareceu num número de dança, numa
coreografia de Busby Berkeley, em “Toureiro à Força”. Passou pela Universidade
do Missouri, em 1932, lançou-se depois numa carreira de cantora de rádio,
mudando o nome para Jane Durrell. Apareceu em muitos filmes como simples
figurante e, em 1936, assinou um contracto com a Warner Bros., passando a
chamar-se Jane Wyman. Por essa altura, apareceu ao lado do seu futuro marido,
Ronald Reagan, em “O Diabo São os Rapazes” (1938) e “Um Miúdo dos Diabos”
(1940). Na década de 40, especializou-se em papéis de comédias e melodramas,
como “Farrapo Humano” (1945), “O Despertar” (1946) (nomeação para o Oscar),“Belinda,
a Escrava do Silêncio” (1948) (Oscar e Globo), “Pânico nos Bastidores” (1950),
“A Sorte Bate à Porta” (1951), “The Story of Will Rogers” (1952) “Algemas de
Cristal”(1950), “Só Para Ti” (1952), “O Véu Azul” (1951) (nova nomeação e
segundo Globo), “Sublime Expiação” (1954) (quarta nomeação), “Vida da Minha Vida” (1953), “Orgulho Contra
Orgulho” (1955), “Tudo o Que o Céu Permite” (1955) ou “Milagre à Chuva” (1956).
Dedicou-se muito intensamente à televisão, sobretudo em “Jane Wyman Presents
The Fireside Theatre” (1955), nomeada por duas vezes como Melhor Actriz em
série dramática (57 e 59), e algumas décadas depois, nos anos 80, na série
“Falcon Crest”, novamente nomeada para um Globo de Ouro (1983) e vencedora do
Globo em 1984. Nos anos 90, retirou-se para o seu Rancho Mirage, na Califórnia,
tendo falecido com 90 anos, na sua casa de Palm Springs, em 2007. No Hollywood
Walk of Fame, Jane Wyman possui duas estrelas, uma referente a cinema, junto ao
nº6600 do Hollywood Boulevard, outra relativa a televisão, cerca do nº 1600 de
Vine Street. Casada (e divorciada) cinco vezes, duas delas com o mesmo hmem:
Ernest Eugene Wyman (1933 – 1935), Myron Futterman (1937 - 1938), Ronald Reagan
(1940 - 1948), Fred Karger (1952 - 1954), Fred
Karge (1961 - 1965).
Filmografia
Como actriz /cinema: 1932:
The Kid from Spain (Toureiro à Força), de
Leo McCarey; 1933: Gold Diggers of 1933 (Orgia Dourada), de Mervyn
LeRoy; Elmer, the Great, de Mervyn LeRoy; 1934: College Rhythm, de Norman
Taurog; Harold Teen, de Murray Roth; 1935: Broadway Hostess, de Frank McDonald;
Stolen Harmony, de Alfred L. Werker; George White's 1935 Scandals, de George
White, Harry Lachman, James Tinling; All the King's Horses, de Frank Tuttle;
Rumba, de Marion Gering; 1936: Cain and Mabel (Caim e Mabel), de Lloyd Bacon;
King of Burlesque, de Sidney Lanfield; Freshman Love, de William C. McGann;
Anything Goes, de Lewis Milestone;
Bengal Tiger (O Tigre de Bengala), de Louis King; 1936: The Sunday Round-Up
(curta-metragem); My Man Godfrey (Doidos Milionários), de Gregory La Cava; Gold
Diggers of 1937 (Revista Maravilhosa de 1937), de Lloyd Bacon; Polo Joe (O
Campeão de Polo), de William C. McGann; Here Comes Carter, de William Clemens; Stage Struck, de Busby Berkeley; 1937: The King and the Chorus
Girl (O Rei e a Corista), de Mervyn LeRoy; Smart Blonde, de Frank McDonald;
Ready, Willing and Able, de Ray Enright; Slim, de Ray Enright; Little Pioneer (curta-metragem);
Over the Goal, de Noel M. Smith, Mr.
Dodd Takes the Air, de Alfred E. Green; Public Wedding, de Nick Grinde; The
Singing Marine, de Ray Enright; 1938: The Crowd Roars (A Multidão Vibra), de
Jean Daumery; Brother Rat (O Diabo São os Rapazes), de William Keighley; Fouls
for Scandals (Escândalos de Amor), de Mervyn LeRoy, Bobby Connolly; He Couldn't
Say No, de Lewis Seiler; The Spy Ring, de Joseph H. Lewis; The Kid from Kokomo (Eu Quero a Mamã!...), de
Lewis Seiler; Wide Open Faces (Hotel de Gangsters), de Kurt Neumann; 1939: Tail
Spin (Águias de Glória), de Roy Del Ruth; Kid Nightingale, de George Amy;
Private Detective, de Noel M. Smith; Torchy Blane.. Playing with Dynamite, de
Noel M. Smith; Flight Angels (Anjos na Terra), de Lewis Seiler; 1940: Brother
Rat anda Baby (Um Miúdo dos Diabos), de Ray Enright; Alice in Movieland
(curta-metragem); 1940: My Love Came Back, de Curtis Bernhardt; Alice in
Movieland (curta-metragem); Tugboat Annie Sails Again (Quando uma Mulher é
Valente), de Lewis Seiler; Gambling on
the High Seas, de George Amy; An Angel from Texas, de Ray Enright; 1941: You're in the Army Now, de Lewis
Seiler; Bad Men of Missouri, de Ray Enright; 1941: Honeymoon for Three
(Lua-de-Mel para Três), de Lloyd Bacon; The Body Disappears, de D. Ross
Lederman; 1942: My Favorite Spy (O Rei dos Detectives), de Tay Garnett;
Larceny, Inc (Não Vale a Pena Roubar), de Lloyd Bacon; Footlight Serenade
(Serenata da Alegria) de Gregory Ratoff; 1943: Princess O'Rourke (Sua Alteza
Quer Casar), de Norman Krasna; 1944: The Doughgirls (O Hotel da Barafunda), de
James V. Kern; Make Your Own Bed, de Peter Godfrey; Crime by Night, de William
Clemens; Hollywood Canteen (Sonho em Hollywood), de Delmer Daves; 1945: The
Lost Weekend (Farrapo Humano) de Billy Wilder; One More Tomorrow (Quero-te), de
Peter Godfrey; 1946: The Yearling (O Despertar), de Clarence Brown; Night and
Day (Fantasia Dourada), de Michael Curtiz; 1947: Cheyenne (Feras Sangrentas),
de Raoul Walsh; Magic Town (A Cidade Mágica), de William A. Wellman; 1948:
Johnny Belinda (Belinda, a Escrava do Silênio), de Jean Negulesco; 1949: A Kiss
in the Dark (Um Beijo no Escuro), de Delmer Daves; It's a Great Feeling
(Mademoiselle Fifi), de David Butler; 1949: The Lady Takes a Sailor (Até Parece
Mentira), de Michael Curtiz; 1950: Stage Fright (Pânico nos Bastidores), de
Alfred Hitchcock; The Glass Menagerie (Algemas de Cristal), de Irving Rapper;
1951: Three Guys Named Mike (Uma Noiva Para Três), de Charles Walters; The Blue
Veil (O Véu Azul), de Curtis Bernhardt; Thea Screen Director (curta-matragem);
1951: Starlift (O Teu Amor e Uma Cabana), de
Roy Del Ruth; Here Comes the Groom (A Sorte Bate à Porta), de Frank
Capra; 1952: Just for You (Só Para Ti), de Elliott Nugent; The Story of Will
Rogers, de Michael Curtiz; 1953: Let's Do It Again (A Meia-Noite do Amor), de
Alexander Hall; 1953: So Big (Vida da Minha Vida), de Robert Wise; Three Lives,
de Edward Dmytryk (curta-metragem); 1954: Magnificent Obsession (Sublime
Expiação), de Douglas Sirk; 1955: All That Heaven Allows (Tudo o Que o Céu
Permite), de Douglas Sirk; 1955: Oil Town ou Lady Gallant (Orgulho Contra
Orgulho), de Robert Parrish; 1956: Miracle in the Rain (Milagre à Chuva), de
Rudolph Maté; 1959: Holiday for Lovers (Namorados em Férias), de Henry Levin;
1960: Pollyanna (Pollyanna), de David Swift; 1962: Bon Voyage! (Viagem a
Paris), de James Neilson; 1969: How to Commit Marriage (Casamento à Americana),
de Norman Panama; 1987: Happy 100th Birthday Hollywood (documentário TV); 1996:
Wild Bill: Hollywood Maverick (documentário); 1998: Off the Menu: The Last Days
of Chasen's (documentário); 2002: The Making of 'Far From Heaven' (documentário
TV).
Como actriz /televisão: 1954:
Summer Playhouse; 1955: General Electric Theater; 1955-1958: Jane Wyman
Presents The Fireside Theatre; 1958 e 1962: Wagon Train; 1959: Lux Playhouse;
1960: Checkmate; 1960: Westinghouse Desilu Playhouse; 1961: The Investigators;
1964 e 1967: Insight; 1966: Bob Hope Presents the Chrysler Theatre; 1968: The
Red Skelton Show; My Three Sons; 1971: The Failing of Raymond; 1972: The Sixthe
Sense; 1972-1973: The Bold Ones: The New Doctors; 1973: Amanda Fallon; 1974:
Owen Marshall: Counselor at Law; 1979: The Incredible Journey of Doctor Meg
Laurel; 1980: The Love Boat; Charlie's Angels; 1981-1990: Falcon Crest; 1993:
Dr. Quinn, Medicine Woman.
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