FLOR À BEIRA DO PÂNTANO (1966)
Tennessee
Williams é o autor da peça, em um acto, onde “se inspira” esta obra de Sydney
Pollack, com guião escrito por Francis Ford Coppola, de colaboração com Fred
Coe, Edith R. Sommer e David Rayfiel, este não creditado no genérico. A peça é
curta, dez páginas, 20 minutos e pouco de representação, e vive unicamente do
diálogo entre dois miúdos, ela, Willie, cerca de 13 anos, ele, Tom, um pouco
mais velho, 16 anos, por aí. Ela tenta equilibrar-se nos velhos carris de
caminho-de-ferro de uma estação abandonada, com os ferros carcomidos pela
ferrugem, levando entre as mãos uma boneca a
desfazer-se, ele é adepto de papagaios que voam pelo céu. Conversam e ela conta
porque vive sozinha, numa casa que ostenta um letreiro que diz tudo sobre o que
se passou e o que há-de vir, dando igualmente um significado à peça e ao filme
dela retirado: “This Property Is Condemned”. Esta propriedade é a terra, a casa
e os velhos habitantes daquela casa. Todos condenados. Estamos nos anos 30, na
Grande Depressão nos EUA, na pequena povoação de Dodson, no estado do
Mississípi. Aqui acaba esta desencantada e cruel peça de teatro.
O filme
encarrega-se de reinventar a história que Willie conta, agora não só por
palavras, mas através de um flashback, onde ficamos a conhecer Alva (Natalie
Wood), irmã de Willie, e principal atração da terra. Ela e a mãe, Hazel Starr
(Kate Reid), que dirigem uma pensão, meia saloon, meio salão de festas e quase
bordel. No filme também é Willie Starr (Mary Badham) quem inicia a contagem da
história, falando com Tom (Jon Provost), mas depois, através de uma viagem
pelos carris dos caminhos-de-ferro, precipitamo-nos no passado, para conhecer a
história de Alva, a belíssima rapariga que agrada a todos e a todos procura
agradar, numa terra que vive da estação de comboios e do que lhe está
associado.
É a
essa terra que chega Owen Legate (Robert Redford), que se aloja na pensão
Starr, onde participa, um pouco à distância, na festa de anos da Mãe Hazel
Starr, que distribui beijos e carícias pelas visitas. Entre elas, J.J. Nichols
(Charles Bronson), que se deita com a mãe enquanto espera pela filha. Mas Alva
parece estar “reservada” pela mãe a um velho e rico cidadão, o Senhor Johnson
(John Harding), que oferece pulseiras de diamantes e ouro, viagens e promete
apartamento em Chicago. O ambiente é este, falta dizer que Alva se perde de
amores por Owen Legate, sem saber que este vem com a incumbência de reorganizar
o caminho-de-ferro, emagrecendo a empresa, retirando gorduras, enfim,
despedindo pessoal. Estamos nos anos 30 na Grande Depressão, tal como depois de
2008, na Crise actual. Robert Redford é aqui o equivalente a George Clooney, em
“Nas Nuvens”, com despedimentos cara a cara (e soco na cara), o que depois se
passa a realizar através de uma muito mais higiénica “videoconferência”.
Evoluções tecnológicas que não disfarçam o essencial.
Depois
há muitas mais peripécias que não convém revelar, mas deve dizer-se que esta
adaptação de Tennessee Williams, que acrescenta uma hora e vinte à duração da
sua peça, é bastante bem feita no essencial, criando um ambiente que tem tudo a
ver com o autor de “Um Eléctrico Chamado Desejo” e outras grandes obras
teatrais, e desenvolvendo personagens absolutamente coerentes com o universo do
dramaturgo. Alva é obviamente uma personagem de Tennessee Williams, poderia
mesmo dizer-se que anda em tirocínio para a Blanche Dubois de “A Streetcar
Named Desire”. Ao que consta, Tennessee Williams não teria gostado muito do
filme, mas este tem essa toada desesperadamente poética, de solidão e
sofrimento psicológico, com figuras que aspiram às estrelas e à felicidade
absoluta, e se encontram presas numa terra de ninguém que as sufoca e se veem
despojadas de tudo, arrastadas na lama, vivendo sonhos impossíveis que se
transformam em traumas e frustrações causticantes. Tal como o afirma a canção
preferida de Alva, que é cantada por Willie, que assim passa para si os sonhos
irrealizados da irmã. Os sonhos ficam, mas os espectadores percebem que o equilíbrio
nos carris não conduzirá a nada, a não ser a um horizonte fechado na paisagem.
Não haverá nem Chicago nem New Orleans.
O filme
poderá ter, aqui e ali, uma ou outra falha, sobretudo quando entra numa toada
romantizada, quase no final, mas é um excelente retrato de uma época povoada
por personagens bem defendidos por actores míticos. Natalie Wood tem aqui um
dos seus grandes papéis, entre a fragilidade e a resistência perante a
adversidade, Robert Redford mostra-se já um grande actor e uma presença
impactante, mas creio que Kate Reid e Mary Badham merecem ainda destaque
especial. O mesmo se dirá para a banda sonora de Kenyon Hopkins e a fotografia
de James Wong Howe.
Esta é
a segunda longa-metragem de Sydney Pollack, recém-saído dos estúdios de televisão
onde fizera tirocínio para voos mais altos, entre 1961 e 1965. “Chamada Para a
Vida” ("The Slender Thread) assinala a sua estreia na longa-metragem, mas
será “This Property Is Condemned” a projectá-lo definitivamente para uma
carreira de grande cineasta, autor de obras essenciais como “Os Cavalos Também
se Abatem”, “As Brancas Montanhas da Morte”, “O Nosso Amor de Ontem”, “Yakuza”,
“Os Três Dias do Condor”, “O Cowboy Eléctrico”, “A Calúnia”, “Tootsie - Quando
Ele Era Ela”, “África Minha”, “A Firma”, “Sabrina” ou “Encontro Acidental”,
entre outros. Mas “This Property Is Condemned” não lhe esteve reservado desde
início. O filme era para ser interpretado por Elizabeth Taylor e Richard
Burton, com este último a realizar. Depois, já com Natalie Wood na protagonista,
passou para as mãos de John Huston, de John Frankenheimer, até chegar a
Pollack, um pouco por influência de Robert Redford.
FLOR À BEIRA DO PÂNTANO
Título original: This Property
Is Condemned
Realização: Sydney
Pollack (EUA, 1966); Argumento: Francis Ford Coppola, Fred Coe, Edith R.
Sommer, David Rayfiel, segundo peça teatral de Tennessee Williams; Produção:
John Houseman, Ray Stark; Música: Kenyon Hopkins; Fotografia (cor): James Wong
Howe; Montagem: Adrienne Fazan; Design de produção: Stephen B. Grimes; Direcção
artística: Philip M. Jefferies, Hal Pereira; Decoração: William Kiernan;
Guarda-roupa: Edith Head; Maquilhagem: Sugar Blymyer, Edwin Butterworth, Gary
Morris, Wally Westmore; Direcção de Produção: Clarence Eurist; Assistentes de
realização: Eddie Saeta; Som: Charles
Grenzbach, Harry Lindgren; Efeitos visuais: Farciot Edouart, Paul K. Lerpae;
Companhias de produção: Paramount Pictures, Seven Arts Productions; Intérpretes: Natalie Wood (Alva Starr),
Robert Redford (Owen Legate), Charles Bronson (J.J. Nichols), Kate Reid (Hazel
Starr), Mary Badham (Willie Starr), Alan Baxter (Knopke), Robert Blake
(Sidney), Dabney Coleman, John Harding, Ray Hemphill, Brett Pearson, Jon
Provost, Robert Random, Quintin Sondergaard, Mike Steen, Bruce Watson, Ralph
Roberts, Nick Stuart, etc. Duração: 110 minutos; Distribuição em
Portugal: Lusomundo Audiovisuais / Paramount (DVD); Classificação etária: M/ 12
anos.
NATALIE WOOD (1938 - 1981)
Foi um
dos rostos da juventude em fúria, ou do conflito de gerações entre meados dos
anos 50 e meados da década de 60, em obras essenciais, como “Rebel Without a
Cause”, de Nicholas Ray; “The Searchers”, de John Ford; “West Side Story”, de
Jerome Robbins e Robert Wise, “Splendor in the Grass”, de Elia Kazan; “ Love
with the Proper Stranger” ou “Inside Daisy Clover”, ambos de Robert Mulligan.
Belíssima, tocante na sua fragilidade, foi uma actriz excelente, que a morte
colheu precocemente e de forma muito misteriosa.
Natasha
Nikolaevna Zakharenko ou Natasha Nikolaevna Gurdin, nome de baptismo de Natalie
Wood, nasceu a 20 de Julho de 1938, em San Francisco, Califórnia, EUA, e viria
a falecer a 29 de Novembro de 1981, com 43 anos, na Ilha de Santa Catalina,
Califórnia, EUA. Em 1943, com apenas quatro anos de idade, Natalie Wood
estreia-se no cinema, nos filmes “The Moon Is Down” e “Happy Land”. Como actriz
infantil, participa em muitas obras, inclusive no clássico natalício, “Miracle
on 34th Street” (1947). A partir de 1955, com 17 anos, Natalie lança-se numa
carreira adulta, no filme de Nicholas Ray, “Fúria de Viver”, ao lado de outros
jovens como James Dean e Sal Mineo. Segundo Suzanne Finstad, autora de
“Natasha: The Biography of Natalie Wood”, publicado em 2001, Natalie Wood terá
tido uma relação com o realizador Nicholas Ray, para conseguir o papel de
protagonista. Depois do sucesso de “Rebel Without a Cause”, protagoniza um
conjunto de filmes onde impõe a sua beleza, elegância e talento, entre os quais
é justo destacar “The Searchers”, “Splendor in the Grass”, “West Side Story”,
“Love with the Proper Stranger”, “Sex and the Single Girl”, “The Great Race”,
“Inside Daisy Clover”, ou “This Property Is Condemned”, ao mesmo tempo que
mantinha uma continua actividade na televisão. Em 1981, enquanto decorriam as
filmagens de “Brainstorm”, com Christopher Walken, faleceu num acidente
estranho e nunca totalmente esclarecido. Em Novembro desse ano, enquanto
navegava num iate, com o marido, Robert Wagner, e o colega de ambos,
Christopher Walken, morreu afogada. Tinha 43 anos de idade. Encontra-se
sepultada no Westwood Memorial Park, Los Angeles, Califórnia.
Nomeada
para o Oscar de Melhor Actriz por três vezes: 1955 - Rebel Without a Cause;
1961 - Splendor in the Grass; e 1963 - Love with the Proper Stranger; Golden
Globe: Melhor Actriz de TV (Drama): 1980 - From Here To Eternity. Casada por
duas vezes com Robert Wagner (1957 - 1962) e (1972 - 1981) e ainda com Richard
Gregson (1969 - 1972).
Filmografia
Como
actriz: Cinema: 1943: The Moon Is Down (Noite sem Lua), de Irving Pichel; Happy
Land (Terra Sagrada), de Irving Michel;
1946: The Bride Wore Boots, de Irving Pichel; Tomorrow Is Forever (Amanhã
Viveremos), de Irving Pichel; 1947: Driftwood, de Allan Dwan; The Ghost and
Mrs. Muir (O Fantasma Apaixonado), de Joseph L. Mankiewicz; Miracle on 34th
Street (De Ilusão Também Se Vive), de George Seaton; 1948: Scudda Hoo! Scudda
Hay! (Encanto da Mocidade), de F. Hugh Herbert; 1949: Father Was a Fullback, de
John M. Stahl; The Green Promise (Terra de Promissão), de William D. Russell; Chicken
Every Sunday, de George Seaton; 1950: Never a Dull Moment (Convite ao Amor), de
George Marshall; The Jackpot (Cautela com os Fiscais), de Walter Lang; Our Very
Own (Entre Duas Mães), de David Miller; No Sad Songs for Me (Destino Amargo),
de Rudolph Maté; 1951: The Blue Veil (O Véu Azul), de Curtis Bernhardt; Dear
Brat, de William A. Seiter; 1952: The Star (A Estrela), de Stuart Heisler; Just
for You' (Só Para Ti), de Elliott Nugent; The Rose Bowl Story, de William
Beaudine; 1954: The Silver Chalice (O Cálice de Prata), de Victor Saville;
1955: Rebel Without a Cause (Fúria de Viver), de Nicholas Ray; One Desire (Um
Só Desejo), de Jerry Hopper; 1956: The Girl He Left Behind (Quero-te, mas
Deixa-me), de David Butler; The Burning Hills (O Monte do Desespero), de Stuart
Heisler; A Cry in the Night (Um Grito na Escuridão), de Frank Tuttle; The
Searchers (A Desaparecida), de John Ford; 1957: Bombers B-52 (Bombardeiro
B-52), de Gordon Douglas; 1958: Kings Go Forth (Só Ficou a Saudade), de Delmer
Daves; Marjorie Morningstar (Fúria de Amar), de Irving Rapper; 1960: All the
Fine Young Cannibals (Escândalo na Sociedade), de Michael Anderson; Cash McCall
(O que são as Mulheres), de Joseph Pevney ; 1961: West Side Story (Amor Sem
Barreiras), de Jerome Robbins e Robert Wise; Splendor in the Grass (Esplendor
na Relva), de Elia Kazan; 1962: Gypsy (Gypsy), de Mervyn LeRoy; 1963: Love with
the Proper Stranger (Amar Um Desconhecido), de Robert Mulligan; 1964: Sex and
the Single Girl (A Solteira e o Atrevido), de Richard Quine; 1965: Inside Daisy
Clover (O Estranho Mundo de Daisy Clover), de Robert Mulligan ; 1965: The Great
Race (A Grande Corrida à Volta do Mundo), de Blake Edwards; 1966: Penelope (Os
Prazeres de Penélope), de Arthur Hiller; 1966: This Property Is Condemned (Flor
à Beira do Pântano), de Sydney Pollack; 1969: Bob & Carol & Ted &
Alice (Bob & Carol & Ted & Alice), de Paul Mazursky; 1972: The
Candidate (O Candidato), de Michael Ritchie (cameo); 1975: Peeper, de Peter
Hyams; 1979: Meteor (Meteoro), de Ronald Neame; 1980: The Last Married Couple
in America (Os Bem Casados), de Gilbert Cates; 1980: Willie & Phil (O Trio
do Amor), de Paul Mazursky (cameo); 1983: Brainstorm (Projecto Brainstorm), de
Douglas Trumbull;
Televisão: 1952: The Schaefer
Century Theatre; Gruen Guild Playhouse; 1953: Jukebox Jury; The Pride of the
Family; 1954: The Public Defender; Mayor of the Town; 1969: Bracken's World;
1973: The Affair; 1976: Cat on a Hot Tin Roof; 1978: Switch; 1979: Hart to
Hart; From Here to Eternity; The Cracker Factory; 1980: The Memory of Eva
Ryker; Willie & Phil.
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