QUANDO
DANÇO CONTIGO (1948)
Sendo especialmente festivo, pois de
trata de um musical, este é um dos filmes que, não sendo uma reconstituição
histórica de episódios da vida de Cristo, mais vezes surge por altura da Páscoa,
sobretudo nos ecrãs das televisões de todo mundo. “Easter Parade”, cuja
tradução literal seria "Parada de Páscoa", ganhou em Portugal um título bastante diferente, “Quando Danço
Contigo”. Certamente por se ter estreado em Outubro… Mas, como estão já a adivinhar,
há relações muito fortes com a Páscoa, ainda que este seja um filme
norte-americano, e se refira a tradições e costumes algo diferentes dos nossos.
Mas até por isso é interessante ver, ou rever, esta obra-prima do musical, que
permite curiosas comparações no comportamento das sociedades.
Datado de 1948, foi uma das múltiplas
produções de Arthur Freed para a Metro Goldwyn Mayer. Arthur Freed nasceu em
1894 e viria a falecer em 1973. Iniciou a sua carreira como autor de algumas
canções para musicais e para espectáculos de vaudeville e de music-hall, tendo
sido descoberto e lançado na Metro Goldwyn Mayer pela mão do produtor Irving
Thalberg no período de consolidação do cinema sonoro, em fins da década de 20,
princípio dos anos 30. Em 1939, como produtor associado de “O Feiticeiro de Oz”,
alcançou um grande sucesso, o que lhe permitiu, a partir daí, passar a
controlar toda a produção de musicais da M.G.M. Sendo uma personalidade
decisiva na história do musical norte-americano, assinou um fabuloso conjunto
de obras, entre 1939, data de “Babes in Armes”, até finais da década de 50. Um
dos seus colaboradores mais regulares foi Vincente Minnelli, mas com Arthur
Freed trabalharam, no entanto, quase todos os grandes nomes do musical desse
período glorioso: Busby Berkeley, Stanley Donen, Gene Kelly, Michael Kidd,
George Sidney...
Para lá da produção de “Easter Parade”,
Arthur Freed foi ainda o produtor de muitas outras obras-primas do musical,
como “Serenata à Chuva” e “Um Dia em Nova Iorque”, ambos da dupla Stanley Donen
e Gene Kelly, “Um Americano em Paris”, “Não há Como a Nossa Casa” e “A Lenda dos
Beijos Perdidos” (Brigadoon), todos de Vincent Minnelli, “Meias de Seda”, de
Rouben Mamoulian, ou “O Barco das Ilusões”, de George Sidney, e tantas e tantas
outras obras que fizeram da MGM o farol de referência obrigatória neste género,
durante um largo período de completa hegemonia. Durante grande parte das
décadas de 30, 40 e 50, quando se falava de musical, falava-se da MGM, e
falava-se forçosamente de Arthur Freed.
“Easter Parade” esteve inicialmente
para ser dirigido por Vincente Minnelli, com um elenco composto por Gene Kelly,
Judy Garland e Cyd Charisse. Alguns dias antes do início das filmagens, Arthur
Freed escreveu a Minnelli uma carta dizendo-lhe que o psiquiatra de Judy
Garland aconselhava que não fosse ele, Minnelli, marido de Judy Garland, a
dirigi-la mais uma vez, depois das dificuldades surgidas durante as filmagens
de “The Pirate”. Minnelli acedeu, foi substituído por Charles Walters, mas as
peripécias não ficariam por aqui como iremos ver. Gene Kelly, por seu lado,
parte uma clavícula durante um jogo de futebol americano, e tem igualmente de
ser substituído por Fred Astaire que, entretanto, convalescia de dois anos de
interregno no seu trabalho e teve de se empenhar a fundo por forma a conseguir
uma "performance" digna do seu passado. Finalmente, Cyd Charisse,
vítima de uma inflamação num dos tendões das suas fabulosas pernas, dá também o
seu lugar a Ann Miller. Muita contrariedade junta para no final resultar num
sucesso.
A intriga de “Quando Danço Contigo”
relembra obviamente "Pigmalião", de Bernard Shaw, que posteriormente
serviria de base a “My Fair Lady”: Don Hewes (Fred Astaire), ferido no seu
orgulho por ter sido abandonado pela sua "partenaire" habitual, Nadine
Hale (Ann Miller), promete e cumpre: é capaz de fazer de uma qualquer
coristazinha uma grande bailarina. A coristazinha escolhida pelo acaso é Hannah
Brown (Judy Garland), o que ajudou muito. Tudo se passa entre a Parada da
Páscoa de um ano, e a Parada da Páscoa do ano seguinte, havendo pelo meio
diversos números de magnífica qualidade musical, com canções de Irving Berlin e
coreografia de Robert Alton.
A partitura musical “Easter Parade” é
da responsabilidade de Johnny Green e Roger Edens, e com ela a dupla ganhou o
Oscar do ano. As canções trazem a assinatura de um mestre incontestável, Irving
Berling. Temas como “Easter Parade”, “It
Only Happens When I Dance With You” ou “I Want to go Back to Michigan”,
bailados como “Shaking the Blues Away”, na voz de Ann Miller, “Beautiful Faces”,
“A Couple of Swells”, o fabuloso dueto entre Fred Astaire e Judy Garland, ou “Steppin' out With my Baby”, com o
prodigioso bailado ao ralenti de Fred Astaire, são momentos a reter na história
do cinema e do musical.
A história de “Quando Danço Contigo” é
da autoria de Frances Goodrich e Albert Hackett, acompanhados depois por Sidney
Sheldon na escrita do guião. A fotografia, num fabuloso Technicolor, é assinada
por um mestre, Harry Stradling, que realça o brilho da direcção artística de
Cedric Gibbons e Jack Martin Smith, bem assim como os cenários de Edwin B.
Willis e Arthur Krams. Um filme admirável e uma partitura musical de profunda
inspiração.
QUANDO
DANÇO CONTIGO
Título
original: Easter Parade
Realização: Charles
Walters (EUA, 1948); Argumento: Frances Goodrich, Albert Hackett, Sidney
Sheldon, Guy Bolton; Produção: Arthur Freed, Roger Edens; Música Original:
Johnny Green, Roger Edens, Conrad Salinger (este não creditado); Fotografia
(cor): Harry Stradling Sr.; Montagem: Albert Akst; Direcção artística: Cedric
Gibbons, Jack Martin Smith; Decoração: Edwin B. Willis; Guarda-roupa: Irene, Valles; Maquilhagem: Jack Dawn, Sydney
Guilaroff, Dorothy Ponedel; Coreografia: Fred Astaire, Charles Walters (não
creditados); Direcção de Produção: Al Shenberg; Assistentes de realização: Carl
'Major' Roup, Wallace Worsley Jr.; Departamento de arte: Arthur Krams; Som:
Douglas Shearer, James Brock; Efeitos especiais: Warren Newcombe; Companhias de
produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Intérpretes:
Judy Garland (Hannah Brown), Fred Astaire (Don Hewes), Peter Lawford (Jonathan
Harrow III), Ann Miller (Nadine Hale), Jules Munshin (François), Clinton
Sundberg (Mike), Richard Beavers (Cantor "The Girl on the Magazine
Cover"), John Albright, Lola Albright, Shirley Ballard, Jimmy Bates, Hal
Bell, Margaret Bert, Ralph Brooks, Peter Chong,
Jimmie Dodd, Dolores Donlon, Patricia Edwards, Harry Fox, Sig Frohlich,
Sam Harris, Hector and His Pals, Shep Houghton, Bob Jellison, Doris Kemper,
Gail Langford, Joi Lansing, Jeni Le Gon, Harold Miller, Ralph Sanford, Dee
Turnell, Benay Venuta, Johnny Walsh, Wilson Wood, etc. Duração: 107 minutos;
Distribuição em Portugal: Warner Bros. (DVD); Classificação etária: M/ 6 anos;
Data de estreia em Portugal: 18 de Outubro de 1949.
JUDY
GARLAND (1922 – 1969)
Judy Garland nasceu com o nome de
Frances Ethel Gumm, a 10 de Junho de 1922, em Grand Rapids, Minnesota, nos EUA,
e viria a falecer muito jovem ainda, aos 47 anos, em Chelsea, Londres,
Inglaterra, a 22 de Junho de 1969. Desde muito nova que se entregou ao
espectáculo, os pais eram artistas de variedades e cantores, Francis Avent
"Frank" Gumm (1886-1935) e Ethel Marion Milne (1893-1953), e formou
com duas outras irmãs mais velhas, Mary Jane "Suzy" Gumm (1915-64) e
Dorothy Virginia "Jimmie" Gumm (1917-77), um trio a que deram o nome
“The Sisters Gumm”, que, depois de muitos espectáculos de teatro de
“vaudeville”, se estreou no cinema, em 1929, em “Revue Big”. A última aparição
de “The Sisters Gumm” no ecrã surgiu em 1935, em “La Fiesta de Santa Barbara”,
uma curta-metragem musical. Passaram então a chamar-se “The Garland Sisters”,
dado que Gumm não era nome que soasse bem. Mas o trio não durou muito. Suzanne
Garland casou, abandonou a carreira, e também Frances Ethel Gumm foi
substituída por Judy Garland. "Judy", como homenagem a uma popular
canção de Hoagy Carmichael, e Garland, aí as explicações fiam mais fino e há
várias, para todos os gostos, desde uma influência da personagem de Carole
Lombard (Lily Garland), até um elogio recebido por telegrama da actriz Judith
Anderson, onde se referia a palavra "Garland" (grinalda). É já como
Judy Garland que assina o seu primeiro contrato a solo com a MGM. Estávamos em
1935, ela tinha treze, catorze anos, 1,64 m de altura, o pai morrera pouco
antes, vítima de meningite, e a “Babe”, como era chamada pelos familiares e
amigos, logo passou a “filha da MGM”, onde dominava Louis Mayer, que tinha por
hábito alimentar-se sexualmente de muitas das suas actrizes.
A seu lado, tinha as “vedetas” da
casa, entre as quais Ava Gardner, Lana Turner ou Elizabeth Taylor, e Garland
não era o que se pode chamar o “glamour” em pessoa, a uma primeira vista. Na
sua idade, não era nem carne nem peixe, e Louis B. Mayer, uma vez recusados os
avanços, ao que consta, referia-se a ela como a "pequena corcunda".
Mas a popularidade da jovem actriz era muita, sobretudo desde que cantara “You
Made Me Love You”, no aniversário de Clark Gable, e posteriormente no “All-Star
Extravaganza Broadway Melody”, de 1938, desta feita perante a fotografia do
actor. A MGM inventou então a parelha Judy Garland - Mickey Rooney, que apareceu
numa série de musicais para adolescentes. A primeira longa-metragem com eles
como protagonistas data de 1940, “Babes in Arms”, a que se seguiram mais oito.
Mas foi “O Feiticeiro de Oz”, de 1939, que marcaria para sempre a sua carreira
e a tornaria imortal, sobretudo através do êxito sem precedentes que foi a sua
interpretação do clássico tema “Over the Rainbow”.
Rapidamente Judy Garland se torna
dependente de medicamentos e drogas, de álcool e tabaco. Afirma-se que Louis
Mayer, “para melhor rentabilizar os serviços da jovem” lhe administrava
anfetaminas para a estimular e, depois, barbitúricos para que dormisse “quando
já não era necessária”.
A sua vida torna-se um carrossel com
altos e baixos cíclicos. Profissionalmente, é uma das mais celebradas vedetas dessas
décadas de ouro do musical, aparecendo nalguns dos grandes filmes que
assinalaram o género. Mas, em simultâneo, a dependência torna-se uma constante,
as crises multiplicavam-se, com tentativas de suicídio regulares, e os seus
efeitos sobre o trabalho também, com atrasos e ausências a filmagens. Começou
várias obras que não terminou, sendo despedida e substituída por outra actriz.
Particularmente, a sua vida sentimental era instável. Casou com David Rose
(1941-1944), com o cineasta Vincente Minnelli (1945-1951), de cuja ligação
nasceu Liza Minnelli, Sidney Luft (1952-1965), Mark Herron (1965-1967), e
Mickey Deans (1969), que a encontrou morta na banheira do seu apartamento, num
hotel da capital inglesa.
Em 1999, o “American Film Institute”,
numa sondagem entre os seus membros, colocou-a em oitavo lugar, entre as dez
maiores estrelas femininas da história do cinema americano. Desde a sua morte,
cujo enterro foi acompanhado por mais de 22 mil pessoas, que é um ícone da
história do cinema e do espectáculo.
Filmografia:
Como actriz: 1929: The Big Revue; 1930:
Bubbles; The Wedding of Jack and Jill; A Holiday in Storyland; 1935: La Fiesta
de Santa Barbara, de Louis Lewyn (com “Garland Sisters” ou “The Three Gumm
Sisters”); 1936: Every Sunday Afternoon, de F. Feist (curta-metragem); Pigskin
Parade (Diabruras de Estudantes), de David Butler; 1937: Broadway Melody of
1938 (Maravilhas de 1938), de Roy Del Ruth; Thoroughbreds Don't Cry (Nasceu um
Gentleman), de A. E. Green; 1938: Everybody Sing (Todos Cantam), de Edwin L.
Marin; Listen, Darling (Dois Garotos Endiabrados), de Edwin L. Marin; Love
Finds Andy Hardy (Andy Hardy Apaixona-se), de George B. Seitz; 1939: The Wizard
of Oz (O Feiticeiro de Oz), de Victor Fleming; 1939: Babes in Arms (De Braço
Dado), de Busby Berkeley; 1940: Strike up the Band (O Rei da Alegria), de Busby
Berkeley; 1940: Little Nellie Kelly (Um Amor de Rapariga), de Norman Taurog; Andy
Hardy Meets Debutante (Prosápias de Andy Hardy), de George B. Seitz; If I
Forget You (sem indicação de realizador); 1941: Ziegfeld Girl (Sonhos de
Estrelas), de Robert Z. Leonard; Life Begins for Andy Hardy (Andy Hardy Começa
a Vida), de George B. Seitz; Babes on Broadway (Primavera da Vida), de Busby
Berkeley; 1942: For Me and My Gal (O Prémio do Teu Amor), de Busby Berkeley; 1943:
Presenting Lily Mars (Caminho da Glória), de Norman Taurog; Girl Crazy
(Doidinho Por Saias), de Norman Taurog e Busby Berkeley; Thousands Cherr
(Sonhos de Estrelas), de George Sidney; 1944: Meet me in St-Louis (Não Há Como
a Nossa Casa), de Vincente Minnelli; 1945: The Clock (A Hora da Saudade), de
Vincente Minnelli; 1946: The Harvey Girls (A Batalha do Pó de Arroz), de George
Sidney; Ziegfeld Follies (As Mil Apoteoses de Ziegfeld), de Vincente Minnelli; Till
the Clouds Roll by (Até as Nuvens Passarem), de Richard Whorf; 1948: The Pirate
(O Pirata dos Meus Sonhos), de Vincente Minnelli; Easter Parade (Quando Danço
Contigo), de Charles Walters; Words and Music (Os Reis do Espectáculo), de
Norman Taurog; 1949: In the Good Old Summertime, de Robert Z. Leonard; 1950:
Summer Stock (Festa no Campo), de Charles Walters; 1954: A Star is Born (Assim
Nasce Uma Estrela), de George Cukor; 1960: Pepe (Pepe), de George Sidney (só
voz); 1961: Judgment at Nuremberg (O Julgamento de Nuremberga), de Stanley
Kramer; 1962: Gay Purree (Que Gatinha… Renhaunhau, de Abe Levitow (só voz); 1963:
A Child is Waiting, de John Cassavetes; 1963: I Could Go On Singing ou The
Lonely Stage (Triunfo Amargo), de Ronald Neame.
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