segunda-feira, 21 de março de 2016

SESSÃO 14: 11 DE ABRIL DE 2016


SINFONIA DE ESTRELAS (1943)

“The Gang's All Here” é puro deleite no domínio do musical norte-americano, com o extra de ser interpretado pela luso-brasileira Carmen Miranda, neste caso muito bem acompanhada por um excelente elenco neste género de comédias musicais. O “gang” está reunido, é bem verdade. Não serão primeiras figuras, mas são daqueles actores de segundo plano que quando aparecem enchem o ecrã: Alice Faye, Phil Baker, Eugene Pallette, Charlotte Greenwood, Edward Everett Horton, Benny Goodman e a sua orquestra e o bailarino Tony De Marco.
A história não existe e quem se importa com isso? É mais um daqueles casos em que “boy meets girl”, há pelo meio uns desencontros e, no final, tudo acaba bem. Happy End. O filme é de 1943 e termina com uma frase que alerta para o facto de o espectador poder, à saída da sala, contribuir para o esforço de guerra. Tudo preparado para um filme patriótico, exaltando as virtudes do soldado americano, a defender a liberdade em terra europeia ou no oceano Pacífico. Portanto, ela é corista, ele soldado que vai partir para a frente de batalha, ela jura esperar por ele, mas ele tem outra namorada comprometida. Pelo meio deste entrecho que relembra milhares de outros, está a pepita de ouro, ou seja os números musicais onde impera Carmen Miranda, e a fabulosa genialidade de Busby Berkeley, como coreógrafo e também como realizador, neste caso. A obra abre com uma sequência que põe qualquer um que goste de musicais a vibrar: um navio vindo do Brasil chega ao porto de Nova Iorque e começa a descarregar açúcar, café, frutas… e Carmen Miranda, com um daqueles turbantes “tutti frutti” que deslumbram. Alguém canta “Brasil, meu Brasil brasileiro” e Carmen Miranda pega na deixa e vai por ali fora, sem que ninguém a consiga parar. Até que surge uma parada ianque, com música alusiva, e o delírio instala-se. É Busby Berkeley no seu melhor. Mas, mais adiante, temos a celebérrima sequência onde as bananas imperam, numa coreografia absolutamente de loucos, como só o génio de Berkeley conseguiria imaginar. E temos de novo Carmen Miranda, agora a cantar um dos seus hits, “The Lady in the Tutti Frutti Hat”. Apoteótico. Tudo isso se passa no Club New Yorker, com Benny Goodman “and his orquestra” a abrilhantar o conjunto. Na sequência final, em que coreógrafo e realizador voltam a endoidecer, o tema será um bailado em caleidoscópio, que tende a certa altura para a arte abstracta e que é outro momento memorável deste filme absolutamente imperdível para quem gosta do género.


Por entre este turbilhão de som e luz, de movimento e música, uns quantos apontamentos humorísticos a cargo dos excelentes Eugene Pallette, Charlotte Greenwood e Edward Everett Horton, e a presença “cativante” de Alice Faye, com os seus belos olhos azuis, que tenta temperar o desregramento tumultuoso dessa fabulosa Cármen Miranda, aqui no auge da sua glória nas telas norte-americanas.
Don Ameche, que fez vários filmes ao lado de Alice Faye, e também de Carmen Miranda,  era para ser o habitual parceiro galã de “Sinfonia de Estrelas”. Mas Ameche estava ocupado a filmar, com Ernest Lubitsch, “O Céu Pode Esperar” (1943). Por isso foi substituído pelo simpático e discreto James Ellison, a quem a certa altura, Alice Faye diz "stop acting like Don Ameche!". Uma "inside joke" bem divertida, que ajuda a dar o tom a esta despreocupada comédia musical que cumpre cabalmente as funções para que foi criada: divertir com graça e talento o público que ficava na retaguarda, e ajudar ao esforço de guerra.

SINFONIA DE ESTRELAS
Título original: The Gang's All Here
Realização: Busby Berkeley (EUA, 1943); Argumento: Walter Bullock, Nancy Wintner, George Root Jr., Tom Bridges; Produção: William Goetz, William LeBaron; Música: Hugo Friedhofer, e ainda Arthur Lange, Cyril J. Mockridge, Alfred Newman, Gene Rose (não creditados); Fotografia (cor):  Edward Cronjager; Montagem: Ray Curtiss; Design de produção: James Basevi, Joseph C. Wright; Decoração: Thomas Little; Guarda-roupa: Yvonne Wood; Maquilhagem: Guy Pearce; Coreografia: Busby Berkeley; Departamento de arte: Paul S. Fox; Som: Roger Heman Sr., George; Efeitos especiais: Fred Sersen; Companhias de produção: Twentieth Century Fox Film Corporation; Intérpretes: Alice Faye (Edie Allen), Carmen Miranda (Dorita), Phil Baker (Phil Baker), Benny Goodman (Benny Goodman), Benny Goodman Orchestra (Orquestra de Benny Goodman), Eugene Pallette (Andrew Mason Sr.), Charlotte Greenwood (Mrs. Peyton Potter), Edward Everett Horton (Peyton Potter), Tony De Marco (Tony), James Ellison (Andy Mason), Sheila Ryan (Vivian Potter), Dave Willock (Sgt. Pat Casey), Bando da Lua (Orquestra de Dorita), Leon Belasco, Brooks Benedict, Lee Bennett, Ruth Brady, Lorraine Breacher, Gabriel Canzona, Brooke Chapin, Jeanne Crain, Frank Darien, Aloysio De Oliveira, Jo-Carroll Dennison, George Dobbs, Johnny Duncan, etc. Bailarinos: Tony De Marco ("A Journey to a Star", "No Love, No Nothin" e "Paducah"), Charlotte Greenwood (The Jitters), Bobby Somers  (“Polka Dot Polka"); Duração: 103 minutos; Distribuição em Portugal: inexistente; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 17 de Fevereiro de 1944.      



CARMEN MIRANDA (1909-1955)
Nascida em Portugal, Carmen Miranda foi considerada uma das maiores cantoras da América Latina, durante muitos anos “a voz” do Brasil no mundo e certamente um símbolo da cultura popular no Brasil. Arrebatou durante décadas o coração de plateias internacionais com o génio do seu talento, a sua inconfundível voz e aquele “it” que a tornou excepcional.
Portuguesa por nascimento, brasileira por coração, apesar de nunca ter renunciado à sua condição de portuguesa (tinha dupla nacionalidade), era filha de José Maria Pinto da Cunha, barbeiro, e de Maria Emília Miranda, doméstica, como se dizia na altura. Nasceu em Marco de Canaveses, a 9 de Fevereiro de 1909, em plena agonia da Monarquia, pouco menos de um ano de ser implantada a República em Portugal. Foi baptizada com o nome de Maria do Carmo Miranda da Cunha, na igreja da freguesia de Várzea da Ovelha e Aliviada. Nesse tempo, Portugal era um país muito pobre e a emigração para o Brasil era intensa. A família tinha organizado tudo para procurar sustento e uma vida melhor em terras de Vera Cruz. O casal e a filha mais velha, Olinda, estavam de malas aviadas para a viagem, quando a mãe ficou grávida. Foi assim que José Maria Pinto da Cunha seguiu sozinho, deixando para trás mulher e filhas, esperando que rapidamente se juntassem a ele no Rio de Janeiro, onde montou estabelecimento de barbearia. Em 1910, Maria Emília seguiu o marido, acompanhada da filha mais velha, Olinda, e de Carmen, que ganhou este nome no Brasil, graças ao gosto que um tio tinha por óperas. Carmen tinha menos de um ano de idade e nunca voltou ao seu país natal. No Brasil, nasceram mais outros quatro filhos do casal: Amaro (1911), Cecília (1913-2011), Aurora (1915 - 2005) e Oscar (1916). Carmen estudou numa escola de freiras, Santa Teresa, e teve o seu primeiro emprego aos 14 anos, numa loja de gravatas, e depois numa chapelaria. Contam que foi despedida por passar o tempo cantando, mas o seu biógrafo Ruy Castro diz que ela cantava por influência de sua irmã mais velha, Olinda, e que assim atraía clientes. Em 1925, Olinda, doente com tuberculose, voltou a Portugal para tratamento, onde morreu em 1931. Entretanto, a mãe passou a dirigir uma pensão doméstica que servia refeições para empregados de comércio. Em 1926, Carmen, que tentava ser artista, apareceu incógnita numa fotografia da revista “Selecta”, do jornalista Pedro Lima. Em 1929, foi apresentada ao compositor Josué de Barros, que, encantado com o seu talento, passou a promovê-la em editoras e teatros. No mesmo ano, gravou, na editora alemã Brunswick, os primeiros discos com o samba “Não Vá Sim'bora” e o choro “Se o Samba é Moda”. O primeiro grande sucesso veio com “Ta-hi!”, de Joubert de Carvalho, tema lançado em 1930 e que foi recorde de vendas, com mais de 36 mil cópias vendidas. Em seis meses, Carmen Miranda já era a cantora mais famosa do Brasil. Por essa altura, ajudou a lançar a irmã Aurora Miranda na carreira artística, tendo actuado algumas vezes conjuntamente. Em 1931, viajou pela primeira vez para a Argentina, com os cantores Francisco Alves, Mário Reis e com o bandolinista Luperce Miranda. Voltaria à Argentina mais oito vezes, entre os anos de 1933 e 1938. Com um pouco mais de um metro e meio de altura, franzina e de olhar gaiato, Carmen Miranda cedo se transformou numa coqueluche no Brasil, sendo mais tarde conhecida internacionalmente como “The Brazilian Bombshell”.
No cinema, depois de figurações, faz a uma estreia no documentário “A Voz do Carnaval” (1933) e, dois anos depois, surge no seu primeiro filme, “Alô, Alô, Brasil” (1935). Em 1939, na comédia musical “Banana da Terra”, Carmem Miranda apareceu pela primeira vez caracterizada de baiana, personagem que a lançou internacionalmente. O filme apresentava clássicos como “O que é que a Baiana tem”, que lançou Dorival Caymmi no cinema. O sucesso como cantora é retumbante. No disco, na rádio, nos shows de casinos, no cinema. Rapidamente o seu êxito extravasa fronteiras. Quando actuava no Cassino da Urca, foi contratada pelo magnata do show business, Lee Shubert, para ser uma das atracções do seu próximo espectáculo “The Streets of Paris”, que estrearia na Broadway. Em 1939, Carmen viaja para Nova Iorque, onde é recebida apoteoticamente pela imprensa. Estreia-se em espectáculos da Broadway e, no ano seguinte, contratada pela Twentieth Century-Fox, lança-se no cinema norte-americano, com “Sinfonia dos Trópicos” (1940), ao lado de Betty Grable e Don Ameche. No mesmo ano, foi eleita a terceira personalidade mais popular nos Estados Unidos, e apresenta-se, juntamente com o seu grupo privativo, o “Bando da Lua”, na Casa Branca, a convite do presidente Franklin Roosevelt. Carmen Miranda torna-se particularmente conhecida pela exuberância dos seus vestidos, pelos chapéus carregados de frutas tropicais, pelos saltos altíssimos dos seus sapatos, pelos penduricalhos ao pescoço. Segue-se um período longo nos EUA, com apenas algumas escapadas ao Brasil, onde chegou a ser criticada por se ter “americanizado”. O triunfo é fulgurante. Carmen Miranda é uma das mais requisitadas vedetas de musicais da época. Trabalha ininterruptamente no cinema até 1953, quando intervém no seu último filme, “O Castelo do Terror”, ao lado de Jerry Lewis e Dean Martin. As aparições na televisão tinham-se igualmente multiplicado. A sua actividade era transbordante e em cada actuação a artista colocava toda a sua energia. A 4 de Agosto de 1955, sofre um ataque de coração em pleno “The Jimmy Durante Show”. Não se apercebe da gravidade do ocorrido, volta para casa depois de passar por uma festa, e na manhã seguinte sofre um segundo ataque, desta feita fatal. Morre com 46 anos, o corpo regressa ao Brasil, que lhe dedica exéquias como raras vezes se viram no Rio de Janeiro. Milhões de admiradores cerram fileira para verem passar o enterro daquela que para sempre ficou como a rainha do samba e da música brasileira. Casada com David Alfred Sebastian (1947-1955). Em Junho de 1946, o Tesouro americano divulgou o que arrecadou do ano fiscal de 1945, referente aos ganhos dos contribuintes em 1944. Com os 201.458 dólares que lhe tinham sido pagos pela Fox “em salários, bónus e outras compensações”, Carmen Miranda foi considerada a mulher mais bem paga nos Estados Unidos - talvez no mundo - naquele ano. Ela foi a primeira estrela latino-americana a ser convidada a imprimir as mãos e os pés no pátio do Grauman's Chinese Theatre, em 1941, e tornou-se igualmente a primeira sul-americana a ser homenageada com uma estrela no Passeio da Fama. Carmen é considerada ainda a precursora do Tropicalismo no Brasil, movimento cultural da década de 1960. Nos 20 anos de carreira deixou sua voz registada em 279 gravações no Brasil e mais 34 nos EUA, num total de 313 gravações. Um museu foi construído mais tarde, no Rio de Janeiro, em sua homenagem. Um cruzamento de Hollywood Boulevard e de Orange Drive, bem na frente do Teatro Chinês em Hollywood, foi oficialmente denominado Carmen Miranda Square, em Setembro de 1998. Até hoje, nenhum artista brasileiro teve tanta projecção internacional como ela.


Filmografia:
Como actriz (no Brasil): 1926: La Mujer de Medianoche (no Brasil: A Esposa do Solteiro), de Carlo Campogalliani (figurante); 1930: Degraus da Vida, de Lourival Agra (aparece apenas numa cena); 1932: O Carnaval Cantado de 1932, de Vital Ramos de Castro; 1933: A Voz do Carnaval, de Adhemar Gonzaga, Humberto Mauro; 1935: Alô, Alô, Brasil, de João de Barro, Wallace Downey, Alberto Ribeiro; Estudantes, de Wallace Downey; 1936: Alô, alô, Carnaval, de Adhemar Gonzaga; 1939: Banana da Terra, de Ruy Costa; 1940: Laranja-da-China, de Ruy Costa; (nos EUA): 1940: Down Argentine Way (Sinfonia dos Trópicos), de Irving Cummings; 1941: That Night in Rio (Uma Noite no Rio), de Irving Cummings; Week-end in Havana (Férias em Havana), de Walter Lang; 1942: Springtime in the Rockies (Primavera nas Montanhas), de Irving Cummings; 1943: The Gang's all Here (Sinfonia das Estrelas), de Busby Berkeley; 1944: Greenwich Village (Serenata Boémia), de Walter Lang; Four Jills in a Jeep" (Quatro Raparigas Encantadoras), de William A. Seiter; Something for the Boys (Alegria, Rapazes),  de Lewis Seiler; 1945: Doll Face (Sonho de Estrelas), de Lewis Seiler; 1946: If I'm Lucky (A Canção da Felicidade),  de Lewis Seiler; 1947: Copacabana (Copacabana), de Alfred E. Green; 1948: A Date with Judy (A Professora de Rumba), de Richard Thorpe; 1950: Nancy Goes to Rio (Festa no Brasil),  de Robert Z. Leonard; 1953: Scared Stiff (O Castelo do Terror), de George Marshall; 1995: Carmen Miranda: Banana is My Business, de Helena Solberg (documentário); 1996: Carmen Miranda: The South American Way, de Elizabeth Bronstein (documentário);
Teatro: 1939 a 1940: The Streets of Paris, com Bobby Clark, Luella Gear e Abbott & Costello; 1941 a 1943: Sons o' Fun, com Olsen & Johnson e Ella Logan;

Televisão: 1949: The Ed Wynn Show (1º Temporada, Episódio #2); Texaco Star Theater (1º Temporada, Episódio #33); 1950: Texaco Star Theater (3º Temporada, Episódio #10); 1951: TV Club (1º Temporada, Episódio #25); Texaco Star Theater (4º Temporada, Episódio #8); What's My Line? (Episódio de 18 de Novembro de 1951); The Colgate Comedy Hour (2º Temporada, Episódio #16); Four Star Revue (1º Temporada, Episódio #25); 1952: The Colgate Comedy Hour (2º Temporada, Episódios #25 e #26); Texaco Star Theater (5º Temporada, Episódio #2); 1953: Four Star Revue (3º Temporada, Episódio #27); Toast of the Town (7º Temporada, Episódio #1); 1955: The Jimmy Durante Show (2º Temporada, Episódio #2). 

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