A PONTE
DE WATERLOO (1940)
“Waterloo Bridge”, rodado em
1940 por Mervyn LeRoy, é uma versão nova de uma obra de 1931, dirigida por
James Whale, com um elenco de que faziam parte Mae Clarke, Douglass Montgomery,
Doris Lloyd, entre outros. O argumento adaptava uma peça teatral de Robert E.
Sherwood, que continua a estar na base da versão de 40, uma produção de Sidney
Franklin e Mervyn LeRoy, para a Metro-Goldwyn-Mayer, com argumento e
planificação de S. N. Behrman, Hans Rameau e George Froeschel. Dois aspectos
importantes para o sucesso desta nova versão foram seguramente a partitura
musical de Herbert Stothart, com temas que perduraram no ouvido dos
espectadores e ajudaram a criar uma ambiência romântica indispensável, bem
assim como a nebulosa fotografia a preto e branco, de Joseph Ruttenberg (música
e fotografia seriam nomeados para os respectivos Oscars). Mas terá sido a
presença do par Robert Taylor e Vivien Leigh, que configurou a razão maior para
o êxito invulgar deste filme que, em plena II Guerra Mundial, recorda uma
história passada durante o conflito de 1914-1918. Vivien Leigh vinha de um
triunfo invulgar, a sua intervenção em “Gone with the Wind”, e esta sua
participação ao lado de Robert Taylor marcará outro momento significativo na
sua carreira. Ou, melhor dizendo, na carreira de ambos os actores, pois os dois
se referem a “A Ponte de Waterloo” como o seu filme favorito.
Rodada em Inglaterra, com
muitas cenas filmadas na Ponte de Waterloo, sobre o rio Tamisa, em Londres, a
obra funciona em dois tempos históricos definidos. Abre em 1939, com a entrada
da Inglaterra na II Guerra Mundial, assistindo-se então ao passeio solitário do
coronel Roy Cronin (Robert Taylor) pela ponte que empresta o nome ao filme,
interrompendo a sua viagem com destino a França. Esta paragem implica uma
recordação, quando durante um outro conflito, duas décadas atrás, ele ali
encontrara Myra Lester (Vivien Leigh), uma bailarina que Roy ajuda a recolher
durante um bombardeamento da capital inglesa. Do encontro resultou uma história
de amor que tudo indica ir acabar em casamento, não fosse a necessidade de Roy
ir para a frente da batalha e Myra ter de sobreviver na cidade de Londres, com
as dificuldades a avolumarem-se dia a dia, até que, tal como já acontecera com
a sua colega e amiga Kitty (Virginia Field), o recurso à prostituição acabou
por se impor, quando pensou que o seu amor havia morrido em combate.
Algum tempo depois, assinada a
paz, de novo na ponte de Waterlooo, Myra descobre que Roy afinal está vivo e
regressou. O reencontro tem um duplo sabor para ambos, mas Myra não consegue
esconder a sua vergonha e tudo se precipita a partir daí, um desenlace trágico
que Roy irá recordar duas décadas depois, quando novo conflito volta a assolar
a Europa.
A relação desta obra com a
censura nunca foi pacífica. Na versão de 1931, que adaptava com maior
fidelidade a peça teatral de Robert E. Sherwood, os conflitos com a censura
foram grandes pela presença mais clara de um tema tabu: a prostituição. Chegou
a ser proibido nalguns estados (Chicago não permitiu a sua exibição) e, a
partir de 1934, o filme de James Whale deixou de ser projectado, através de uma
proibição decretada pelo recém criado código Hays. Na peça de teatro e na
versão de 1931, Roy e Myra encontram-se na ponte de Waterloo durante uma ameaça
de bombardeamento aéreo de Londres, mas a bailarina é uma frívola corista de
music-hall e o oficial um inocente jovem que não se apercebe do passado da sua
paixão. Quando se preparou a versão de 1940, com o código Hays em pleno
funcionamento, os argumentistas foram muito mais cautelosos a abordar o tema,
transformando Myra num bailarina de uma prestigiada companhia de ballet, que
várias circunstâncias arrastam para a prostituição (sem que todavia se veja
qualquer cena mais explicita dessa actividade). Tudo é apenas sugerido, e
sempre salvaguardando a (relativa) pureza da jovem, que é atraída para o mau
caminho a contragosto, e se redime renunciando ao seu amor e pagando por isso
de forma consciente (no filme de 1931 morre vítima de acidente, no de 1940
suicida-se).
Curiosamente, no início o filme
era para ser interpretado por Vivien Leigh e Laurence Olivier que, por essa
altura, viviam um intenso romance amoroso. Viv, como era chamada carinhosamente
Vivien Leigh, era ainda casada com o advogado Hebert Leigh Holman, com quem
casara em 1932, apenas com 18 anos. Olivier, por seu lado, era casado com Jill
Esmond. Ambos se divorciariam em 1940 para casarem, mas apesar de terem
contracenado em várias peças e filmes, não o fizeram desta feita, o que, ao
princípio deixou a actriz desanimada, apesar de ter acabado de rodar em 1938 um
filme com Robert Taylor (“A Yank at Oxford”, O Estudante de Oxford, de Jack
Conway). Mas ela julgava que o casting neste caso era desajustado. Verificou-se
o contrário, ambos funcionaram perfeitamente, Taylor considerou que terá sido o
seu melhor trabalho, e que “Miss Taylor era simplesmente magnífica no seu papel
e que me fez parecer melhor”.
A interpretação da dupla
central é realmente primorosa, ainda que o trabalho de Viv não tenha
ultrapassado “E Tudo o Vento Levou” ou “Um Eléctrico Chamado Desejo”, e ambos
conseguem estabelecer uma ligação emocional fortíssima e intensa, sem recurso a
cenas de maior intimidade, mas apenas sugerindo os sentimentos e o desejo, o
que tornou sintomaticamente o filme numa obra de certa densidade erótica, por
meio dessa insinuação que deixa pairar no ar um sugestivo clima de
sensualidade. Também a sóbria direcção de Mervyn LeRoy concorre para o resultado
final. LeRoy foi um competente realizador que deixou marca em vários géneros,
desde “O Pequeno César” (1931), “Eu Sou um Evadido” (1932), até ter passado por
“O Feiticeiro de Oz” (1939), que viria a ser assinado por Victor Fleming,
continuando com “Vidas Queimadas” (1941), “A Noiva Perdida” (1942), “Trinta
Segundos Sobre Tóquio” (1944), até à superprodução histórica e bíblica “Quo
Vadis” (1951), não descurando qualquer género, e retirando dos actores
excelentes desempenhos. “Mister Roberts” (1955) e “Gypsy” (1962) atestam-no
ainda.
“A Ponte de Waterloo” conheceu
um sucesso brilhante de crítica ("One of the most beautiful plays and
motion pictures of all time", escrevia o “Screen Guild Theater”, em 1941)
e de público (segundo a MGM recolheu na bilheteira só nos EUA e Canadá, em
estreia 1.250.000 de dólares, tendo um lucro de 491.000 dólares, o que era
muito bom para a época).
Curiosidade suplementar:
“Waterloo Bridge” foi adaptado a teatro radiofónico pelo “The Screen Guild
Theater”, em Janeiro de 1941, com Brian Aherne e Joan Fontaine, e, mais tarde,
em Setembro de 1946, desta feita com Barbara Stanwyck e Robert Taylor. A
televisão surgiu no “Screen Directors Playhouse”, em 1951, com Norma Shearer.
A PONTE DE WATERLOO
Título original: Waterloo Bridge
Realização: Mervyn LeRoy (EUA, 1940); Argumento:
S.N. Behrman, Hans Rameau, George Froeschel, segundo peça teatral de Robert E.
Sherwood ("Waterloo Bridge"); Produção: Sidney Franklin; Música:
Herbert Stothart; Fotografia (p/b): Joseph Ruttenberg; Montagem: George
Boemler; Direcção artística: Cedric Gibbons; Decoração: Edwin B. Willis;
Guarda-roupa: Adrian, Gile Steele, Irene; Direcção de Produção: William H.
Cannon; Assistentes de realização: Al Shenberg; Departamento de arte: Urie
McCleary; Som: Douglas Shearer; Companhias de produção: Metro-Goldwyn-Mayer
(MGM), A Mervyn LeRoy Production; Intérpretes:
Vivien Leigh (Myra), Robert Taylor (Roy Cronin), Lucile Watson (Lady Margaret
Cronin), Virginia Field (Kitty), Maria Ouspenskaya (Madame Olga Kirowa), C. Aubrey
Smith (The Duke), Janet Shaw (Maureen), Janet Waldo (Elsa), Steffi Duna
(Lydia), Virginia Carroll (Sylvia), Leda Nicova (Marie), Florence Baker
(Beatrice), Margery Manning (Mary), Frances MacInerney (Violet), Eleanor
Stewart (Grace), Leo G. Carroll, David Cavendish, Tom Conway, Douglas Gordon,
Eric Lonsdale, Wilfred Lucas, Frank Mitchell, Jean Prescott, Clara Reid, etc.
Duração: 108 minutos; Distribuição em Portugal: MGM; Classificação etária: M/
12 anos; Data de estreia em Portugal: 26 de Maio de 1942.
VIVIEN LEIGH (1913 - 1967)
Conta-se
que Vivien Leigh era ainda uma actriz em início de carreira, mas já enamorada
de Laurence Olivier, quando disseram a este que daria um óptimo Rhett Butler,
quando se falava da adaptação de “E Tudo o Vento Levou” a cinema. Vivien terá
então dito: “ele não vai fazer Rhett Butler, mas eu serei Scarlett O'Hara”.
Assim foi. Quando Selznick procurava a actriz para o papel, fazendo testes a
dezenas de vedetas e desconhecidas, parece que Viv lhe terá dito: "Eu
escolhi-me para Scarlett O'Hara. O que acha?" A obsessão era tão grande
que um dia ainda na década de 30 terá confessado ao fotógrafo Angus McBean: “E
Tudo o Vento Levou” é a minha Bíblia. E vou interpretar Scarlett nem que seja a
última coisa que eu faça. Nunca leu? Tem de ler." Deu-lhe depois um
exemplar da obra com uma dedicatória premonitória: "Ao querido Angus, com
amor. Scarlett O'Hara". Esta era Vivian Leigh, que nasceu com o nome de
Vivian Mary Hartley, a 5 de Novembro de 1913, na Índia (colónia britânica então),
na cidade de Darjeeling. Faleceu, vítima de tuberculose, em Belgravia, Londres,
a 7 de Julho de 1967. Tinha 53 anos.
Oriunda
de uma família da média burguesia inglesa, o pai, Ernest Hartley, era agente de
câmbio e, simultaneamente, actor amador. Após o término da I Guerra Mundial, a
família regressou a Inglaterra, onde, aos 6 anos de idade, a mãe, Gertrude
Hartley, internou Vivian no Convento do Sagrado Coração. Aí, fez amizade com
Maureen O'Sullivan, irlandesa, que se ira igualmente notabilizar no cinema. Em
1932, com 18 anos, entrou na Academia Real de Artes Dramáticas de Londres, mas
saiu para casar com o jovem advogado Hebert Leigh Holman, de 31 anos. No ano
seguinte nasceu Suzanne Holman, filha do casal. Pouco depois, Vivien regressa
aos estudos teatrais e torna-se actriz. No cinema, começa por um pequeno papel
em “Things Are Looking Up” (1935), tendo posteriormente mudado o nome artístico
para Vivien Leigh, por sugestão do seu agente, John Glidden.
No
teatro, estreou-se nos palcos de Londres interpretando uma esposa coquete em
“The Green Sash”, a que se seguiu “The Mask Of Virtue”, que a tornaria célebre.
Os elogios da crítica a Viv e os aplausos do público levaram o produtor
cinematográfico Alexander Korda a contratá-la por cinco anos. Foi conjugando o
teatro e o cinema, até que, em 1937, Viv, como passou a ser conhecida,
encontrou Laurence Olivier, na rodagem de “Fire Over England”. No mesmo ano,
interpretaram juntos, no teatro, “Hamlet”, no Castelo de Elseneur, local da
tragédia de Shakespeare, e o triunfo foi total. As carreiras de ambos
prosseguiram e, em 1938, Laurence Olivier viaja até aos EUA para interpretar “O
Monte dos Vendavais”, uma produção de Samuel Goldwyn (1939), para a qual chegou
a estar pensada a participação de Vivien Leigh, mas cujo papel seria finalmente
entregue a Merle Oberon. Vivien, quando foi visitar o marido à América, foi
lendo, a bordo do Queen Mary, um romance que gostaria muito de representar, “E
Tudo o Vento Levou”, de Margaret Mitchell. Scarlett O’ Hara era um papel que
fascinava as actrizes da época e muitas fizeram testes para o conquistarem:
Tallulah Bankhead, Paulette Goddard, Jean Arthur, Joan Bennett, Lana Turner,
Susan Hayward. Mas o produtor David O. Selznick preferia uma actriz pouco
conhecida do público americano e escolheu Vivien Leigh, que havia jurado ser a
eleita. Um dia dissera: “Vou interpretar Scarlett nem que seja a última coisa
que eu faça.”
“E Tudo
o Vento Levou” ganhou rapidamente o estatuto de mito, sendo considerado o filme
mais visto de sempre, e um dos mais aclamados. Conquistaria 10 Oscars e Vivien
Leigh, interpretando Scarlett, ganhou o primeiro da sua carreira (o segundo
consegui-lo-á, em 1949, com a participação em “Um Eléctrico Chamado Desejo”, de
Elia Kazan, na figura de Blanche DuBois). Entretanto, tanto Viv como Olivier já
se tinham divorciado e casado em 1940.
O
sucesso de Vivien Leigh foi fulgurante mas agitado e acompanhado pela doença,
quando lhe foi diagnosticada tuberculose e uma propensão maníaco-depressiva,
com sintomas de bipolaridade. Ganhara fama de ser de difícil trato, inclusive a
trabalhar, acusavam-na de uma sexualidade desmedida e de adúltera e promíscua
(tal como o marido, Laurence Olivier). Sobreviveu a dois abortos, mas, muito
fragilizada, caiu em depressão profunda, teve um esgotamento durante as
filmagens de “Elephants Walk”, de William Dieterle (1953), tendo sido
substituída por Elizabeth Taylor. O casamento com Olivier fracassou até ao
divórcio, em 1960. Ainda ganharia um Tony, em 1963, pelo seu desempenho na comédia
musical “Tovarich”. O seu último filme, “A Nave dos Loucos” é de 1965.
Quando
ensaiava “A Delicate Balance”, de Edward Albee, em Londres, teve uma recaída e
morreu, em 7 de Julho de 1967. Cremada, as cinzas foram espalhadas no Lago no
moinho Tickerage, perto de Blackboys, Sussex na Inglaterra. Assim desapareceu
uma das mais belas e talentosas actrizes de todos os tempos, passando a lenda
imortal.
Filmografia:
Como
actriz: 1935: The Village Squire, de Reginald Denham; Things Are Looking Up, de
Albert de Corville; Look Up and Laugh, de Basil Dean; Gentlemen's Agreement, de
George Pearson; 1937: Fire Over England (Inglaterra em Chamas), de William K.
Howard; Dark Journey (Jornada Negra), de Victor Saville; Storm in a Teacup
(Tempestade num Copo de Água), de Ian Dalrymple e Victor Saville; 1938: A Yank
at Oxford (O Estudante de Oxford), de Jack Conway; Sidewalks of London ou St. Martin’s Lane
(Ilusões Perdidas), de Tim Whelan; 1939: Gone with the Wind (E Tudo o Vento
Levou), de Victor Fleming; 1940: 21 Days (Vinte e Um Dias), de Basil Dean;
Waterloo Bridge (A Ponte de Waterloo), de Mervyn LeRoy; 1941: That Hamilton
Woman (A Batalha de Trafalgar), de Alexander Korda; 1945: Caesar and Cleópatra
(César e Cleópatra), de Gabriel Pascal; 1948: Anna Karenina (Ana Karenina), de
Julien Duvivier; 1951: A Streetcar Named Desire (Um Eléctrico Chamado Desejo),
de Elia Kazan; 1955: The Deep Blue Sea (Profundo como o Mar), de Anatole Litva;
1961: The Roman Spring of Mrs. Stone (A Primavera em Roma de Mrs. Stone), de
José Quintero; 1965: Ship of Fools (A Nave dos Loucos), de Stanley Kramer.
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