segunda-feira, 21 de março de 2016

SESSÃO 13: 4 DE ABRIL DE 2016


A FAMÍLIA MINIVER (1942)

Será interessante começar por lembrar-se que este filme, datado de 1942, foi rodado antes dos EUA terem entrado na II Guerra Mundial. No fim do conflito, Winston Churchill terá dito que “este filme fez mais pela causa dos Aliados do que uma frota de caças”. Quanto ao realizador, William Wyler, que era judeu nascido alemão, mas posteriormente naturalizado norte-americano, também ele afirmou que concebeu esta obra com intenções de propaganda, procurando convencer o governo americano a deixar a neutralidade que até ali mantinha e a juntar-se aos Aliados. As suas razões eram tão profundas que, mal acabou de rodar “Mrs. Miniver”, se alistou no exército para declarar no fim que “ as suas experiências de guerra o fizeram perceber quanto o seu filme mostrava a guerra de forma superficial”.
Olhando hoje para o filme, não será essa “forma superficial” o que prevalece, mas sobretudo um outro aspecto, que terá concorrido em muito para o seu sucesso junto do público mundial (sobretudo na América e em Inglaterra, como se compreenderá), mas o facto de mostrar a guerra vista de casa e não das trincheiras. Filmes espectaculares que mostram o horror da guerra há muitos. Obras que põem a descoberto as feridas e a dor das famílias no seu dia-a-dia não haverá assim tantos, e não havia muitos nesse início da década de 40 do século XX. Foi esse intimismo que terá tocado os espectadores e que levou Churchill a perceber o seu impacto e a sua importância na mobilização das consciências. Mas mesmo o Presidente Roosevelt incentivou a ida ao cinema para ver este filme. O Departamento de Informação de Guerra dos EUA terá mesmo “colaborado” no argumento, ao sugerir que a tradicional imagem sedutora da sociedade inglesa oferecida por Hollywood nos seus filmes fosse “humanizada”, tornada mais “normal”, atenuando diferenciações sociais, o que é visível sobretudo no estatuto da família Miniver, mais aproximado da classe média no filme do que no romance que lhe está na base.
William Wyler foi um dos mais importantes cineastas norte-americanos, com uma carreira iniciada ainda durante o mudo e que se prolongaria até à década de 70. Ele e John Ford disputavam o lugar de número um no ofício e o seu significado no interior da indústria cinematográfica era enorme.


Este filme de Wyler, uma produção de Sidney Franklin, parte de um argumento assinado por Arthur Wimperis, George Froeschel, James Hilton e Claudine West, baseado num romance homónimo de Jan Struther, pseudónimo literário da escritora inglesa Joyce Anstruther, que ficou na história da literatura essencialmente pelo seu romance “Mrs. Miniver”, uma obra que teve uma curiosa génese. Na verdade, depois de uma colaboração regular na revista “Punch”, em meados dos anos 30, foi convidada a escrever uma coluna no “The Times” sobre "uma mulher normalíssima que levava uma vida igualmente normal, tal como a sua própria vida”. Foi assim que surgiu a personagem de Mrs Miniver, que mais tarde inspiraria o romance publicado em 1939 (portanto, numa altura em que a Inglaterra declarava guerra à Alemanha de Hitler).
Quem acusou o filme de “patriótico e sentimental” acertou por completo na mouche, mas esta não pode ser considerada uma crítica negativa. Era essa a intenção do romance e posteriormente do filme. Mas caracterizá-lo como uma obra romântica ficará mais correcto. Como era pretendido pelo “The Times” Mrs. Miniver (Greer Garson, no filme) era uma vulgar mulher de classe média inglesa, com uma boa família, que vive numa confortável casa, “Starlings”, em Belham, uma pequena cidade imaginada, nos subúrbios de Londres, com saída para o rio Tamisa, que por ali passa. Casada com Clem (Walter Pidgeon), um arquitecto, tem três filhos, Toby, Judy e Vin (Richard Ney), este o mais velho, a estudar na universidade. De visita a casa dos pais, em férias, conhece Carol Beldon (Teresa Wright), por quem se apaixona, apesar deste namoro não ser bem visto por Lady Beldon (Dame May Whitty), uma velhota rabugenta e muito ciosa da sua árvore genealógica e dos seus pergaminhos e privilégios. Tudo parece correr, apesar disso, no melhor dos mundos, quando a guerra rebenta e Vic se oferece como piloto e passa a descolar para perigosos voos de uma base militar próxima de sua casa. Seguem-se alguns episódios de guerra, que na Inglaterra foram sobretudo bombardeamentos alemães sobre as cidades, com o cotejo consequente de feridos, mortes e também de pilotos nazis abatidos, o que o filme vai testemunhando sempre sob a perspectiva da família que habita “Starlings”, e vai assistindo à guerra no interior das paredes do seu lar ou no jardim que dá para o Tamisa. O comportamento das personagens terá contribuído para o mito de que os ingleses são fleumáticos e que defrontam a adversidade com uma aparente calma, pois é isso mesmo que acontece, com um ou outro lampejo de maior emotividade. Mas é sobretudo de sublinhar a coragem de quem vive o dia-a-dia sem dramatismos escusados e vai ultrapassando os obstáculos com o sangue-frio possível, mesmo quando os obstáculos são as paredes esventradas da sua própria casa atingida pelos bombardeamentos.
William Wyler conduz o filme com a serenidade de um britânico, evitando o melodrama estridente, mantendo a emoção bem doseada, aproveitando-se da belíssima fotografia a preto e branco de Joseph Ruttenberg e da partitura musical de Herbert Stothart. Mas Wyler torna-se notado por pequeníssimos apontamentos de vida diária, que tornam a obra particularmente tocante e original. Esse sentido do pormenor que parece nada acrescentar à obra, mas que finalmente lhe traz uma genuína e autêntica humanidade, é seguramente um dos toques pessoais deste cineasta invulgar, admirável director de actores, como o demonstra todo o elenco deste título. Greer Garson e Walter Pidgeon comandam, muito bem acompanhados de perto por Teresa Wright, Dame May Whitty, Reginald Owen, Henry Travers, Richard Ney ou Henry Wilcoxon.


O filme custou 1.34 milhões, mas angariou 8.878.000, para lá da sua contribuição para a entrada dos EUA na guerra. De resto, os Oscars do ano compensaram bem o empreendimento, outorgando-lhe seis estatuetas: Melhor Filme (na altura chamado “Outstanding Motion Picture”), Melhor Realização (William Wyler), Melhor Actriz (Greer Garson), Melhor Actriz Secundária (Teresa Wright), Melhor Argumento (George Froeschel, James Hilton, Claudine West, Arthur Wimperis      ) e Melhor Fotografia a preto e branco (Joseph Ruttenberg). Esteve nomeado ainda para outras seis categorias: Melhor Actor (Walter Pidgeon), Melhor Actor Secundário (Henry Travers), Melhor Actriz Secundária (Dame May Whitty), Melhor Som (Douglas Shearer), Melhor Montagem (Harold F. Kress) e Melhor Efeitos Especiais (A. Arnold Gillespie, Warren Newcombe e Douglas Shearer).
Devido ao sucesso, em 1950 surgiu uma sequela, com os mesmos actores como protagonistas, “The Miniver Story” (A História dos Miniver), com realização de H.C. Potter e Victor Saville (este não creditado). Interessante, mas sem o sucesso do original que, em 2006, quando o American Film Institute estabeleceu a lista dos filmes mais inspiradores de sempre, apareceu colocado num muito honroso 40º lugar. Em 2009, como resultado desta importância e significado, foi escolhido pelo National Film Registry da Library of Congress para ser preservado pelo seu interesse "cultural, histórico e estético”. A qualidade do filme nunca esteve em causa: no próprio ano de estreia, 592 críticos de cinema norte-americanos escolhera o melhor filme do ano na revista “Film Daily”, e desses 555 optaram por apontar “Mrs. Miniver”. O filme teve uma versão radiofónica, em 1943, produzida pelo Lux Radio Theatre e, em 1960, uma nova versão, desta feita televisiva, dirigida por Marc Daniels para a CBS, com Maureen O'Hara (Mrs. Miniver) e Leo Genn (Clem Miniver).
Diga-se ainda que, como resultado de ser rodado durante um período de grandes transformações, o argumento e as próprias filmagens se foram adaptando a essas mudanças. Por exemplo, o confronto de Mrs Miniver com o piloto alemão caído em território inglês teve sucessivas versões, até à final, posto que a posição dos americanos quanto aos alemães ia endurecendo, sobretudo depois do episódio de Pearl Harbour.
Duas curiosidades, a fechar: Greer Garson, que não foi a primeira escolha para o papel de Mrs. Miniver (teria sido Norma Shearer, que recusou por não querer aparecer como mãe),logo após o fim das filmagens, casou-se com Richard Ney, que interpreta o seu filho Vin no filme. Mais uma história sobre a mesma actriz: o discurso de Greer Garson quando recebeu o Oscar de Melhor Actriz foi o mais longo da história destas cerimónias: durou mais de uma hora. Percebe-se porque a organização terá introduzido a já habitual musica de fundo em crescendo, para anunciar o fim dos agradecimentos.

A FAMÍLIA MINIVER
Título original: Mrs. Miniver
Realização: William Wyler (EUA, 1942); Argumento: Arthur Wimperis, George Froeschel, James Hilton, Claudine West, Paul Osborn, R.C. Sherriff, segundo romance de Jan Struther; Produção: Sidney Franklin, William Wyler; Música: Herbert Stothart; Fotografia (p/b): Joseph Ruttenberg; Montagem: Harold F. Kress; Direcção artística: Cedric Gibbons; Decoração: Edwin B. Willis; Guarda-roupa: Robert Kalloch; Maquilhagem: Sydney Guilaroff; Assistentes de realização: Walter Strohm; Departamento de arte: Urie McCleary; Som: Douglas Shearer; Efeitos especiais: A. Arnold Gillespie, Warren Newcombe; Efeitos visuais: Max Fabian; Companhia de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Intérpretes: Greer Garson (Mrs. Miniver), Walter Pidgeon (Clem Miniver), Teresa Wright (Carol Beldon), Dame May Whitty (Lady Beldon), Reginald (Foley), Henry Travers (Mr. Ballard), Richard Ne (Vin Miniver), Christopher Severn (Toby Miniver), Clare Sandars (Judy Miniver), Henry Wilcoxon, Brenda Forbes, Marie De Becker, Helmut Dantine, John Abbott, Connie Leon, Rhys Williams, Harry Allen, Frank Atkinson, Sybil Bacon, Frank Baker, Virginia Bassett, Louise Bates, Guy Bellis, Charles Bennett, Florence Benson, Art Berry Sr., Tom Conway, Sidney Franklin, Douglas Gordon, Eddie Hall, Henry King, Peter Lawford, Eric Lonsdale, Clara Reid, Leslie Vincent, Ian Wolfe, etc. Duração: 134 minutos; Distribuição em Portugal: MGM; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 28 de Fevereiro de 1944.


GREER GARSON (1904-1996)
Em finais dos anos 50, era eu ainda um jovem estudante liceal, vi num cinema da Ericeira, onde passava férias, um filme de que gostei, “Uma Estranha na Cidade”, e uma actriz que me ficou na memória, Greer Garson. Nunca mais voltei a rever o filme, não sei qual seria hoje a minha impressão, mas continuo a gostar da actriz, que depois revi nalguns outros títulos, não muitos, que ela foi parca em criações. Nascida em Manor Park, Newham, Londres, Inglaterra, com o nome de Eileen Evelyn Greer Garson, a 29 de Setembro de 1904, viria a falecer em Dallas, nos EUA, a 6 de Abril de 1996, com 91 anos de idade. Os pais foram George e Nancy Sophia, que tinham ascendência irlandesa e escocesa, e talvez por isso Greer Garson pôs a circular que era irlandesa. Estudou na universidade de Londres, depois em Grenoble, em França, parecia destinada a ser professora, mas começou a trabalhar numa agência de publicidade e depois interessou-se pelo teatro, nomeadamente no Birmingham Repertory Theatre, sobretudo reportório clássico, ao lado de Laurence Olivier, por exemplo em “Golden Arrow”. Em finais da década de 30 era assídua na televisão. 


Ganha fama nos palcos de West End e, em 1933, casa com Alec Abbot Snelson, de quem se divorcia em 1940. Foi o produtor Louis B. Mayer que a viu trabalhar em Londres e lhe ofereceu um contrato na Metro-Goldwyn-Mayer, para onde roda o seu primeiro filme, “Adeus, Mr. Chips”, em 1939, ainda em estúdios ingleses. Apesar de o papel ser curto, ao lado de Robert Donat, faz sucesso e é nomeada para o Oscar de Melhor Actriz, pela primeira vez. Entre 41 e 45, não deixa de ser sempre indicada, igualando o record de Bette Davis. Seguem-se “Flores do Pó”, “A Família Miniver”, “Madame Curie”, “A Srª. Parkington” e “O Vale do Destino”, cinco nomeações e um Oscar, em Mrs. Miniver. Voltaria a ser nomeada em 1961, por “Sunrise at Campobello”. Foi um período de grande actividade e deslumbramento. Greer Garson era, à falta de concorrentes, a grande vedeta da MGM, com uma silhueta de grande senhora, muito longe da mulher fatal que outras encarnavam nessa época. A esposa dedicada e a mãe de família que todos queriam ter. Trabalhando muito sob a direcção de alguns realizadores (Robert Z. Leonard, Mervyn LeRoy, Tay Garnett, por exemplo), estabeceu com Waler Pidgeon uma parelha (oito filmes) que fez furor nos corações românticos. Quando acabou de filmar “Mrs. Miniver” não se casou com ele, mas sim com Richard Ney, o actor que fazia de seu filho na obra, e que era 24 anos mais novo. Com o seu trabalho nesse título, ganhou o seu Oscar de Melhor Actriz e levou mais de 50 minutos no discurso de agradecimento. Um record.
O seu casamento com Richard Ney durou quatro anos, e em 1949, Garson opta por um milionário texano, Buddy Fogelson, com quem ficará até final da vida deste (1987). Deixa a MGM e entra para a Warner Bros., onde protagoniza um western pouco ortodoxo, “Uma Estranha na Cidade”, de novo sob as ordens de Mervyn LeRoy. A sua carreira passa depois para a televisão, para o teatro, onde, em 1958, obtém um triunfo total, com “Auntie Mame”, na Broadway, substituindo a intérprete original, Rosalind Russell. Após o que se retira cada vez mais para os seus ranchos no Novo México e em Dallas, onde viria a falecer, em 1996, de ataque cardíaco, aos 91 anos.

Filmografia

Como actriz: 1934: Inasmuch... (curta-metragem); 1937: How He Lied to Her Husband (TV); Theatre Parade (TV); The School for Scandal (TV); 1939: Goodbye, Mr. Chips (Adeus, Mr. Chips), de Sam Wood; Remember? (Três sem Juízo), de Norman Z. McLeod; 1940: Pride and Prejudice (Orgulho e Preconceito) de Robert Z. Leonard; 1941: Blossoms In the Dust (Flores do Pó) de Mervyn LeRoy; When Ladies Meet (Quando Elas se Encontram), de Robert Z. Leonard; 1942: Mrs. Miniver (A Família Miniver), de William Wyler; Random Harvest (A Noiva Perdida), de Mervyn LeRoy; 1943: Madame Curie (Madame Curie), de Mervyn LeRoy; 1944: Mrs. Parkington (A Srª. Parkington), de Tay Garnett; 1945: The Valley of Decision (O Vale do Destino), de Tay Garnett; Adventure (Aventura), de Victor Fleming; 1947: Desire me (A Mulher do Outro), de George Cukor; 1948: Julia Misbehaves (Travessuras de Júlia), de Jack Conway; 1949: That Forsyte Woman (A Glória de Amar), de Compton Bennett; 1950: The Miniver Story (A História dos Miniver), de H.C. Potter; 1951: The Law and the Lady (Pomo de Discórdia),  de Edwin H. Knopf; 1952: Scandal at Scourie (Aventureira de Ocasião), de Jean Negulesco; 1953: Julius Caesar (Júlio César), de Joseph L. Mankiewicz; 1954: Her Twelve Men (Entre Doze Homenzinhos), de Robert Z. Leonard; 1955: Strange Lady in Town (Uma Estranha na Cidade), de Mervyn LeRoy; Producers' Showcase (TV); 1956: The Little Foxes (TV); Star Stage (TV); 1956-1960 General Electric Theater (TV); 1957 Father Knows Best (TV); Telephone Time (TV); 1960: Pepe (Pepe), de George Sidney (caméo); Sunrise at Campobello (Dez Passos Imortais), de Vincent J. Donehue; Captain Brassbound's Conversion (TV): 1962: The DuPont Show of the Week (TV); 1963: The Invincible Mr. Disraeli, de George Schaefer (TV); 1966: The Singing Nun (A Irmã Sorriso) de Henry Koster; 1967: The Happiest Millionaire (O Milionário Mais Feliz), de Norman Tokar; 1968: The Little Drummer Boy (voz); 1970: The Virginian (TV); 1974: Crown Matrimonial (TV); 1976: That's Entertainment, Part II (Hollywood, Hollywood); 1976: The Little Drummer Boy Book II (voz); 1978: Little Women, de David Lowell Rich (TV); Rockette: A Holiday Tribute to Radio City Music Hall; 1981: A Gift of Music, de Jeff Margolis (TV); 1982: The Love Boat (O Barco do Amor) (TV).

Sem comentários:

Enviar um comentário