domingo, 14 de agosto de 2016

SESSÃO 31: 15 DE AGOSTO DE 2016


NOSSA SENHORA DE PARIS (1956)

“Nossa Senhora de Paris” é um dos romances mais célebres de Victor Hugo. Por isso mesmo o cinema e a televisão se terão interessado tantas vezes por esta obra. Entre as várias adaptações, há algumas a merecerem ser recordadas: uma ainda muda, de 1923, dirigida por Wallace Worsley, com Lon Chaney e Patsy Ruth Miller, interessante; uma outra, de fim da década de 30 (1939), de William Dieterle, com a extraordinária interpretação de Charles Laughton, e uma boa presença de Maureen O'Hara; esta de que nos ocupamos agora, de 1956, assinada por Jean Delannoy, com Anthony Quinn e Gina Lollobrigida; um telefilme (que desconhecemos) de Peter Medak, com Mandy Patinkin, Richard Harris, Salma Hayek (1997); e ainda uma versão em animação, proveniente dos estúdios Disney, de 1996, realizada por Gary Trousdale e Kirk Wise, com vozes de Demi Moore, Jason Alexander, Tom Hulce, entre outros. Infelizmente não há uma obra-prima a sobressair, e a melhor versão, apesar de muito suavizada por se destinar a um público jovem, é a animação Disney. Há, todavia, um registo vídeo de um espectáculo teatral, um musical francês, que é bastante bom. “Notre-Dame de Paris” (1999) tem libreto de Luc Plamondon, música de Riccardo Cocciante, direcção de Gilles Amado e um elenco comandado por Hélène Ségara, Daniel Lavoie e Bruno Pelletier. Par quem gosta de musicais recomenda-se.
Infelizmente, o livro de Victor Hugo não tem sido muito respeitado, por várias razões. Uma delas porque tentam alterar o seu final, acabando quase sempre num happy end que não existe na obra literária, outra porque no romance surgem personagens nada simpáticas ligadas à igreja, e que normalmente são destorcidas para não ferir susceptibilidades. Depois, esta história da bela e do monstro, na sua versão de Esmeralda, a cigana, e Quasímodo, o corcunda de Notre-Dame, deixava (será que ainda deixa?) muitos amargos de boca. Quase todas as versões suavizaram a intriga e as personagens, e esta de Jean Delannoy ainda terá sido aquela que mais escrúpulos terá tido na sua adaptação.
Mas Jean Delannoy também não fez jus ao original donde partiu, sobretudo pela forma académica como colocou em imagens as palavras do mestre francês.  Delannoy assinou alguns títulos interessantes, nos anos 40 e 50. “Regresso Eterno” (1943), “Sinfonia Pastoral” (1946), “O Segredo de Mayerling” (1949) e “Deus Precisa dos Homens” (1950) são alguns dos seus filmes mais interessantes, até chegar a “Maria Antonieta” e “Nossa Senhora de Paris” (ambos de 1956). Depois haverá sobretudo a sublinhar duas adaptações de Simenon, com o grande Jean Gabin como inspector Maigret, “O Inspector Maigret” (1959) e “O Senhor Barão” (1960). Mas Jean Delannoy, como Jean Paul Le Chanois (que nos anos 50 também nos ofereceu uma muito académica versão de “Os Miseráveis”) são os bombos da festa da “nouvelle vague” que vê neste cinema esclerosado os símbolos do “cinema de Papa” que eles tanto odeiam, com alguma razão, e com maior veemência para se tornarem notados enquanto chefes de fila de uma nova corrente, que têm de destruir o que para trás fica para construir uma nova ordem sobre as ruínas da anterior.


Voltando a “Nossa Senhora de Paris”, não se poderá dizer que seja um grande filme, apesar de se notar a vontade de adaptar escrupulosamente o romance, com as devidas reduções que um caso destes sempre impõe. Mas os cenários são demasiados visíveis, a encenação estridente, o artificialismo da reconstrução histórica evidente. Há demasiado estúdio, mesmo quando é a verdadeira Notre-Dame que está presente. O argumento, que tem a garantia de dois nomes, Jean Aurenche e Jacques Prévert, sobretudo o deste último, funciona relativamente, mas necessitava de uma outra amplitude de concepção. Os intérpretes são bons, Anthony Quinn compõe um Quasimodo que se encaixa como uma luva no seu físico e na sua fisionomia, Gina Lollobrigida é a mais bonita Esmeralda da história, Alain Cuny é uma presença misteriosa e maléfica que peca talvez por uma certa monotonia de composição, é há a curiosidade de se verem aparições curtas de poetas e escritores como Robert Hirsch ou Boris Vian.
No seu cômputo geral, “Notre-Dame de Paris” vê-se sobretudo pela obra donde parte e pela interpretação do duo protagonista. De resto, uma superprodução muito em moda nesta altura (meados dos anos 50), pomposa e pouco convincente.

NOSSA SENHORA DE PARIS
Título original: Notre-Dame de Paris
Realização: Jean Delannoy (França, Itália, 1956); Argumento: Jean Aurenche, Jacques Prévert, (Ben Hecht, não creditado), segundo romance de Victor Hugo; Produção: Raymond Hakim, Robert Hakim; Música: Georges Auric; Fotografia (cor):  Michel Kelber; Montagem: Henri Taverna; Design de produção: René Renoux; Guarda-roupa: Georges K. Benda; Maquilhagem: Louis Bonnemaison, Georges Klein, Huguette LaLaurette, Jean Lalaurette; Coreografia: Léonide Massine; Direcção de Produção: Ludmilla Goulian, Paul Laffargue; Assistentes de realização: Joseph Drimal, Alain Kaminker, Pierre Zimmer; Departamento de arte: Maurice Barnathan; Som: Jacques Carrère; Efeitos especiais: Gérard Cogan; Companhias de produção: Panitalia, Paris Film Productions; Intérpretes: Gina Lollobrigida (Esmeralda), Anthony Quinn (Quasimodo), Jean Danet (Phoebus de Chateaupers), Alain Cuny (Claude Frollo), Robert Hirsch (Pierre Gringoire), Danielle Dumont (Fleur de Lys), Philippe Clay (Clopin Trouillefou), Maurice Sarfati (Jehan Frollo), Jean Tissier (Louis XI), Valentine Tessier (Aloyse de Gondelaurier), Jacques Hilling (Mestre Charmolue), Jacques Dufilho (Guillaume Rousseau), Roger Blin (Mathias Hungadi), Marianne Oswald, Roland Bailly, Piéral, Camille Guérini, Damia, Robert Lombard, Albert Rémy, Hubert de Lapparent, Boris Vian (O Cardela),  Georges Douking, Paul Bonifas, Madeleine Barbulée, Albert Michel, Daniel Emilfork, Doudou Babet, Raymond Bailly, Edmond Beauchamp, Robert Blome, Philippe Chauveau, Arielle Coigney, Yvonne Constant, Christine Darvel, José Davilla, Hugues de Bagratide, Germaine Delbat, Jenny Doria, Van Doude, Jean-Pierre Dréan, Pierre Duverger, Pierre Fresnay (narrador), Claude Ivry, Dominique Marcas, Jean Martin, Franck Maurice, Robert Rietty, María Riquelme, Louisette Rousseau, Nadine Tallier, Jean Thielment, Françoise Vallery; Duração: 115 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Estevez; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 19 de Abril de 1957.


GINA LOLLOBRIGIDA (1927 - ?)
Luigina Lollobrigida nasceu em Subiaco, Itália, a 4 de Julho de 1927, contando presentemente 87 anos de idade. Filha de um fabricante de móveis, com três irmãs (Giuliana, Maria e Fernanda), Luigina Lollobrigida passou a juventude na aldeia natal. Durante a II Guerra Mundial, o negócio da família foi destruído durante um bombardeamento e resolveram todos mudar-se para Roma, onde a jovem Lollo (como passaria a ser conhecida depois de famosa) estudou arte, pintura e escultura, a sua primeira vocação. Por essa altura começou igualmente a fazer-se notar como modelo, figurante de filmes e participante em concursos de beleza. Em 1947, ficou em terceiro lugar no concurso de Miss Itália. Nesse ano, Lucia Bosé ganhou, Gianna Maria Canale ficou em segundo lugar, Eleonora Rossi Drago foi desqualificada por ser casada e mãe, e Lollobrigida teve um forte impulso na sua carreira com esta participação. Consta que o célebre milionário norte-americano Howard Hughes a viu e voou de Hollywood para Itália, querendo levá-la para os EUA, mas sem resultados. Permaneceu no seu país e em 1949 casou com um médico esloveno, Milko Škofič, de quem viria a ter um filho, Andrea Milko, acabando por se divorciar em 1971.
Howard Hughes não desarmou e levou-a mesmo a Hollywood, em 1950, instalando-a no Town House de Wilshire Boulevard, mas a experiência não vingou, pois Lollobrigida na altura falava mal o inglês, além de se “sentir continuamente vigiada” pelo milionário. Em Itália, de novo, trabalhou com realizadores como Luigi Zampa e Alberto Lattuada e chamou definitivamente a atenção mundial em grandes sucessos de bilheteira, como “Pan, Amor y Fantasía”, de Luigi Comencini, ao lado de Vittorio de Sica, ou “Fanfan la Tulipe”, de Christian-Jacque, tedo como parceiro Gerard Philipe. Hollywood haveria de chegar e de forma fulgurante, em “Beat the Devil”, de John Huston, num elenco com Humphrey Bogart e Jennifer Jones (1953). Passou a ser considerada “a mulher mais bela do mundo” (que era também título de um filme, com que ganhou o primeiro David de Donatello, instituído nesse ano pela Academia de Cinema Italiana). É o seu período de ouro no cinema internacional, com interpretações em obras de grande projecção junto das plateias mundiais: “Trapézio” (1956), “Nossa Senhora de Paris”, “Salomão e a Rainha do Sabá”, Never So Few, “A Lei”, Cuando llegue septiembre (com o qual ganhou um Globo de Ouro), Strange Bedfellows “Vénus Imperial” (novo David de Donatello), “Mulher de Palha”, “Hotel Paradiso”, “Cervantes”, “Boa Noite, Senhora Campbell” (terceiro David de Donatello). Em 1972, participou na série televisiva As Aventuras de Pinocho, de Luigi Comencini, mas a sua aura começou a diminuir. Afastou-se tanto do cinema como da televisão, e dedicou-se à fotografia e à escultura. Realizou dois documentários de curta-metragem, “Le Filippine” e “Ritratto di Fidel”, este último com base em entrevistas pessoais com Fidel Castro. Fotografou, entre outras personalidades, Paul Newman, Audrey Hepburn, Salvador Dalí e a selecção de futebol da RFA. Em 1973, publicou um álbum, “Italia Mia”. Ainda regressou à televisão, em 1984, em excelente forma física, dançando a tarantela, em “Falcon Crest”, com que foi nomeada para um Globo de Ouro. Em 1996, foi-lhe atribuído um David de Donatello pela sua carreira dedicada ao cinema. Dez anos depois, voltaria a ser distinguida. Em Outubro de 1999, Gina Lollobrigida foi nomeada Embaixadora de Boa Vontade da ONU para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Nos últimos anos, tem sido notícia, por um roubo de jóias, uma tentativa falhada de casamento com um empresário espanhol que a procurou aldrabar, e por algumas entrevistas explosivas (“toda a minha vida tive demasiados amantes”).


Filmografia
Como actriz / cinema: 1946: Aquila Nera (Águia Negra), de Riccardo Freda; Lucia di Lammermoor, de Piero Ballerini; 1947: L'Elisir d'Amore (O Elixir do Amor), de Mario Costa; Il Delitto di Giovanni Episcopo (A História do Meu Crime), de Alberto Lattuada; Il Segreto di Don Giovanni (O Segredo de D. João), de Camillo Mastrocinque; A Man About the House (A Casa da Cobiça), de Leslie Arliss; 1948: Follie per l'Opera (Folias na Ópera), de Mario Costa; Pagliacci (Os Palhaços), de Mario Costa; 1949: Campane a Martelo (Toque a Rebate), de Luigi Zampa; La Sposa non può Attendere (A Minha Noiva Não Pode Esperar), de Gianni Franciolini; 1950: Miss Italia (Miss Itália), de Duilio Coletti; Cuori senza fronteire (A Linha Branca), de Luigi Zampa; Alina (Alina, uma Mulher Contrabandista), de Giorgio Pàstina; Vita da Cani (Vida de Cão), de Mario Monicelli e Steno; 1951: La Città si Difende (A Cidade Defende-se), de Pietro Germi; Enrico Caruso (Enrico Caruso), de Giacomo Gentilomo; A Tale of Five Cities, de Romolo Marcellini (Rome, com Lollobrigida), Emil E. Reinert (Paris), Wolfgang Staudte (Berlin), Montgomery Tully (London), Géza von Cziffra (Vienna) e Irma von Cube; Achtung! Banditi!, de Carlo Lizzani; Amor non ho... però... però (Amor de Gina), de Giorgio Bianchi; 1952: Moglie per una Notte, de Mario Camerin; Fanfan la Tulipe, de Christian-Jaque;Altri tempi - Zibaldone n. 1 (Outros Tempos), de Alessandro Blasetti; Les Belles de Nuit ou Le belle della notte (O Vagabundo dos Sonhos), de René Clair; 1953: Le Infedeli (Paineis da Vida), de Mario Monicelli e Steno; La Provinciale (A Provinciana), de Mario Soldati; Pane, Amore e Fantasia (Pão Amor e Fantasia), de Luigi Comencini; Beat the Devil (O Tesouro de África), de John Huston; 1954: Le Grand Jeu (A Grande Ilusão), de Robert Siodmak; Il maestro di Don Giovanni A Espada e a Mulher), de Milton Krims; La Romana (A Bela Romana), de Luigi Zampa; Pane, amore e gelosia (Pão, Amor e Ciúmes), de Luigi Comencini; 1955: La Donna più Bella del Mondo Amais Bela do Mundo), de Robert Z. Leonard; 1956: Trapeze (Trapézio), de Carol Reed; 1957: Notre Dame de Paris (Nossa Senhora de Paris), de Jean Delannoy; 1958: Anna di Brooklyn (Ana de Brooklin), de Vittorio De Sica e Carlo Lastricati; 1959: La Legge (A Lei), de Jules Dassin; Solomon and Sheba (Salomão e a Rainha do Sabá), de King Vidor; Never So Few (Quando Explodem as Paixões), de John Sturges; 1961: Go Naked in the World (Perdida pelo Mundo), de Ranald MacDougall; Come September (Idílio em Setembro), de Robert Mulligan; 1962: La Bellezza di Ippolita, de Giancarlo Zagni; Venere Imperiale (Vénus Imperial), de Jean Delannoy; 1963: Mare Matto, de Renato Castellani; 1964: Woman of Straw (Mulher de Palha), de Basil Dearden; 1965: Le Bambole (Quatro Casos de Amor), de Mauro Bolognini ("Monsignor Cupido", com Lollobrigida), Luigi Comencini ("Il Trattato di Eugenetica"), Dino Risi ("La Telefonata"), Franco Rossi ("La Minestra"); Strange Bedfellows (Quarto Para Dois), de Melvin Frank; 1966: Io, io, io... e Gli Altri (Eu, Eu, Eu …e os Outros), de Alessandro Blasetti; Hotel Paradiso (Hotel Paraíso), de Peter Glenville; Les Sultans, de Jean Delannoy; Le Piacevoli Notti Notti (Noites de Outro Tempos), de Armando Crispino e Luciano Lucignani; 1967: Cervantes, de Vincent Sherman; La Morte ha Fatto l'Uovo, de Giulio Questi; 1968: The Private Navy of Sgt. O'Farrell (Cerveja para Todos), de Frank Tashlin; Stuntman (Os Duplos do Crime), de Marcello Baldi; Un Bellissimo Novembre (Um Belíssimo Novembro, de Mauro Bolognini; 1968: Buona Sera, Mrs. Campbell (Boa Noite Senhora Campbell), de Melvin Frank; 1971: Bad Man's River (Vamos Ter Sarilho), de Eugenio Martín; 1972: King, Queen, Knave, de Jerzy Skolimowski; 1973: No Encontré Rosas para mi Madre (Rosas Vermelhas), de Rovira-Beleta; 1995: Les Cent et une Nuits de Simon Cinéma, de Agnès Varda; 1997: XXL, de Ariel Zeitoun.
Televisão: 1972: Le avventure di Pinocchio, de Luigi Comencini; 1984: Falcon Crest; 1985: Deceptions, de Robert Chenault e Melville Shavelson; 1986: The Love Boat; 1988: La Romana, de Giuseppe Patroni Griffi; 1996: Una donna in fuga, de Roberto Rocco.

Como realizadora: 1972: Le Filippine e Ritratto di Fidel (curtas metragens documentais).

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