NOSSA SENHORA DE PARIS (1956)
“Nossa
Senhora de Paris” é um dos romances mais célebres de Victor Hugo. Por isso
mesmo o cinema e a televisão se terão interessado tantas vezes por esta obra.
Entre as várias adaptações, há algumas a merecerem ser recordadas: uma ainda
muda, de 1923, dirigida por Wallace Worsley, com Lon Chaney e Patsy Ruth
Miller, interessante; uma outra, de fim da década de 30 (1939), de William
Dieterle, com a extraordinária interpretação de Charles Laughton, e uma boa
presença de Maureen O'Hara; esta de que nos ocupamos agora, de 1956, assinada
por Jean Delannoy, com Anthony Quinn e Gina Lollobrigida; um telefilme (que
desconhecemos) de Peter Medak, com Mandy Patinkin, Richard Harris, Salma Hayek
(1997); e ainda uma versão em animação, proveniente dos estúdios Disney, de
1996, realizada por Gary Trousdale e Kirk Wise, com vozes de Demi Moore, Jason
Alexander, Tom Hulce, entre outros. Infelizmente não há uma obra-prima a
sobressair, e a melhor versão, apesar de muito suavizada por se destinar a um
público jovem, é a animação Disney. Há, todavia, um registo vídeo de um
espectáculo teatral, um musical francês, que é bastante bom. “Notre-Dame de
Paris” (1999) tem libreto de Luc Plamondon, música de Riccardo Cocciante,
direcção de Gilles Amado e um elenco comandado por Hélène Ségara, Daniel Lavoie
e Bruno Pelletier. Par quem gosta de musicais recomenda-se.
Infelizmente,
o livro de Victor Hugo não tem sido muito respeitado, por várias razões. Uma
delas porque tentam alterar o seu final, acabando quase sempre num happy end
que não existe na obra literária, outra porque no romance surgem personagens
nada simpáticas ligadas à igreja, e que normalmente são destorcidas para não
ferir susceptibilidades. Depois, esta história da bela e do monstro, na sua
versão de Esmeralda, a cigana, e Quasímodo, o corcunda de Notre-Dame, deixava
(será que ainda deixa?) muitos amargos de boca. Quase todas as versões
suavizaram a intriga e as personagens, e esta de Jean Delannoy ainda terá sido
aquela que mais escrúpulos terá tido na sua adaptação.
Mas
Jean Delannoy também não fez jus ao original donde partiu, sobretudo pela forma
académica como colocou em imagens as palavras do mestre francês. Delannoy assinou alguns títulos
interessantes, nos anos 40 e 50. “Regresso Eterno” (1943), “Sinfonia Pastoral”
(1946), “O Segredo de Mayerling” (1949) e “Deus Precisa dos Homens” (1950) são
alguns dos seus filmes mais interessantes, até chegar a “Maria Antonieta” e
“Nossa Senhora de Paris” (ambos de 1956). Depois haverá sobretudo a sublinhar
duas adaptações de Simenon, com o grande Jean Gabin como inspector Maigret, “O
Inspector Maigret” (1959) e “O Senhor Barão” (1960). Mas Jean Delannoy, como
Jean Paul Le Chanois (que nos anos 50 também nos ofereceu uma muito académica
versão de “Os Miseráveis”) são os bombos da festa da “nouvelle vague” que vê
neste cinema esclerosado os símbolos do “cinema de Papa” que eles tanto odeiam,
com alguma razão, e com maior veemência para se tornarem notados enquanto
chefes de fila de uma nova corrente, que têm de destruir o que para trás fica
para construir uma nova ordem sobre as ruínas da anterior.
Voltando
a “Nossa Senhora de Paris”, não se poderá dizer que seja um grande filme,
apesar de se notar a vontade de adaptar escrupulosamente o romance, com as
devidas reduções que um caso destes sempre impõe. Mas os cenários são
demasiados visíveis, a encenação estridente, o artificialismo da reconstrução
histórica evidente. Há demasiado estúdio, mesmo quando é a verdadeira
Notre-Dame que está presente. O argumento, que tem a garantia de dois nomes,
Jean Aurenche e Jacques Prévert, sobretudo o deste último, funciona
relativamente, mas necessitava de uma outra amplitude de concepção. Os
intérpretes são bons, Anthony Quinn compõe um Quasimodo que se encaixa como uma
luva no seu físico e na sua fisionomia, Gina Lollobrigida é a mais bonita
Esmeralda da história, Alain Cuny é uma presença misteriosa e maléfica que peca
talvez por uma certa monotonia de composição, é há a curiosidade de se verem
aparições curtas de poetas e escritores como Robert Hirsch ou Boris Vian.
No seu
cômputo geral, “Notre-Dame de Paris” vê-se sobretudo pela obra donde parte e
pela interpretação do duo protagonista. De resto, uma superprodução muito em
moda nesta altura (meados dos anos 50), pomposa e pouco convincente.
NOSSA SENHORA DE PARIS
Título original: Notre-Dame de
Paris
Realização: Jean Delannoy (França, Itália,
1956); Argumento: Jean Aurenche, Jacques Prévert, (Ben Hecht, não creditado),
segundo romance de Victor Hugo; Produção: Raymond Hakim, Robert Hakim; Música:
Georges Auric; Fotografia (cor): Michel
Kelber; Montagem: Henri Taverna; Design de produção: René Renoux; Guarda-roupa:
Georges K. Benda; Maquilhagem: Louis Bonnemaison, Georges Klein, Huguette
LaLaurette, Jean Lalaurette; Coreografia: Léonide Massine; Direcção de
Produção: Ludmilla Goulian, Paul Laffargue; Assistentes de realização: Joseph
Drimal, Alain Kaminker, Pierre Zimmer; Departamento de arte: Maurice Barnathan;
Som: Jacques Carrère; Efeitos especiais: Gérard Cogan; Companhias de produção:
Panitalia, Paris Film Productions; Intérpretes:
Gina Lollobrigida (Esmeralda), Anthony Quinn (Quasimodo), Jean Danet (Phoebus
de Chateaupers), Alain Cuny (Claude Frollo), Robert Hirsch (Pierre Gringoire),
Danielle Dumont (Fleur de Lys), Philippe Clay (Clopin Trouillefou), Maurice
Sarfati (Jehan Frollo), Jean Tissier (Louis XI), Valentine Tessier (Aloyse de
Gondelaurier), Jacques Hilling (Mestre Charmolue), Jacques Dufilho (Guillaume
Rousseau), Roger Blin (Mathias Hungadi), Marianne Oswald, Roland Bailly, Piéral,
Camille Guérini, Damia, Robert Lombard, Albert Rémy, Hubert de Lapparent, Boris
Vian (O Cardela), Georges Douking, Paul
Bonifas, Madeleine Barbulée, Albert Michel, Daniel Emilfork, Doudou Babet,
Raymond Bailly, Edmond Beauchamp, Robert Blome, Philippe Chauveau, Arielle
Coigney, Yvonne Constant, Christine Darvel, José Davilla, Hugues de Bagratide,
Germaine Delbat, Jenny Doria, Van Doude, Jean-Pierre Dréan, Pierre Duverger,
Pierre Fresnay (narrador), Claude Ivry, Dominique Marcas, Jean Martin, Franck
Maurice, Robert Rietty, María Riquelme, Louisette Rousseau, Nadine Tallier,
Jean Thielment, Françoise Vallery; Duração:
115 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Estevez; Classificação etária: M/
12 anos; Data de estreia em Portugal: 19 de Abril de 1957.
GINA LOLLOBRIGIDA (1927 - ?)
Luigina
Lollobrigida nasceu em Subiaco, Itália, a 4 de Julho de 1927, contando
presentemente 87 anos de idade. Filha de um fabricante de móveis, com três
irmãs (Giuliana, Maria e Fernanda), Luigina Lollobrigida passou a juventude na
aldeia natal. Durante a II Guerra Mundial, o negócio da família foi destruído
durante um bombardeamento e resolveram todos mudar-se para Roma, onde a jovem
Lollo (como passaria a ser conhecida depois de famosa) estudou arte, pintura e
escultura, a sua primeira vocação. Por essa altura começou igualmente a
fazer-se notar como modelo, figurante de filmes e participante em concursos de
beleza. Em 1947, ficou em terceiro lugar no concurso de Miss Itália. Nesse ano,
Lucia Bosé ganhou, Gianna Maria Canale ficou em segundo lugar, Eleonora Rossi
Drago foi desqualificada por ser casada e mãe, e Lollobrigida teve um forte
impulso na sua carreira com esta participação. Consta que o célebre milionário
norte-americano Howard Hughes a viu e voou de Hollywood para Itália, querendo
levá-la para os EUA, mas sem resultados. Permaneceu no seu país e em 1949 casou
com um médico esloveno, Milko Škofič, de quem viria a ter um filho, Andrea
Milko, acabando por se divorciar em 1971.
Howard
Hughes não desarmou e levou-a mesmo a Hollywood, em 1950, instalando-a no Town
House de Wilshire Boulevard, mas a experiência não vingou, pois Lollobrigida na
altura falava mal o inglês, além de se “sentir continuamente vigiada” pelo
milionário. Em Itália, de novo, trabalhou com realizadores como Luigi Zampa e
Alberto Lattuada e chamou definitivamente a atenção mundial em grandes sucessos
de bilheteira, como “Pan, Amor y Fantasía”, de Luigi Comencini, ao lado de
Vittorio de Sica, ou “Fanfan la Tulipe”, de Christian-Jacque, tedo como
parceiro Gerard Philipe. Hollywood haveria de chegar e de forma fulgurante, em
“Beat the Devil”, de John Huston, num elenco com Humphrey Bogart e Jennifer
Jones (1953). Passou a ser considerada “a mulher mais bela do mundo” (que era
também título de um filme, com que ganhou o primeiro David de Donatello,
instituído nesse ano pela Academia de Cinema Italiana). É o seu período de ouro
no cinema internacional, com interpretações em obras de grande projecção junto
das plateias mundiais: “Trapézio” (1956), “Nossa Senhora de Paris”, “Salomão e
a Rainha do Sabá”, Never So Few, “A Lei”, Cuando llegue septiembre (com o qual
ganhou um Globo de Ouro), Strange Bedfellows “Vénus Imperial” (novo David de
Donatello), “Mulher de Palha”, “Hotel Paradiso”, “Cervantes”, “Boa Noite, Senhora
Campbell” (terceiro David de Donatello). Em 1972, participou na série
televisiva As Aventuras de Pinocho, de Luigi Comencini, mas a sua aura começou
a diminuir. Afastou-se tanto do cinema como da televisão, e dedicou-se à
fotografia e à escultura. Realizou dois documentários de curta-metragem, “Le
Filippine” e “Ritratto di Fidel”, este último com base em entrevistas pessoais
com Fidel Castro. Fotografou, entre outras personalidades, Paul Newman, Audrey
Hepburn, Salvador Dalí e a selecção de futebol da RFA. Em 1973, publicou um
álbum, “Italia Mia”. Ainda regressou à televisão, em 1984, em excelente forma
física, dançando a tarantela, em “Falcon Crest”, com que foi nomeada para um
Globo de Ouro. Em 1996, foi-lhe atribuído um David de Donatello pela sua carreira
dedicada ao cinema. Dez anos depois, voltaria a ser distinguida. Em Outubro de
1999, Gina Lollobrigida foi nomeada Embaixadora de Boa Vontade da ONU para a
Agricultura e a Alimentação (FAO). Nos últimos anos, tem sido notícia, por um
roubo de jóias, uma tentativa falhada de casamento com um empresário espanhol
que a procurou aldrabar, e por algumas entrevistas explosivas (“toda a minha
vida tive demasiados amantes”).
Filmografia
Como actriz / cinema: 1946: Aquila Nera (Águia
Negra), de Riccardo Freda; Lucia di Lammermoor, de Piero Ballerini; 1947:
L'Elisir d'Amore (O Elixir do Amor), de Mario Costa; Il Delitto di Giovanni
Episcopo (A História do Meu Crime), de Alberto Lattuada; Il Segreto di Don
Giovanni (O Segredo de D. João), de Camillo Mastrocinque; A Man About the House
(A Casa da Cobiça), de Leslie Arliss; 1948: Follie per l'Opera (Folias na
Ópera), de Mario Costa; Pagliacci (Os Palhaços), de Mario Costa; 1949: Campane
a Martelo (Toque a Rebate), de Luigi Zampa; La Sposa non può Attendere (A Minha
Noiva Não Pode Esperar), de Gianni Franciolini; 1950: Miss Italia (Miss
Itália), de Duilio Coletti; Cuori senza fronteire (A Linha Branca), de Luigi
Zampa; Alina (Alina, uma Mulher Contrabandista), de Giorgio Pàstina; Vita da
Cani (Vida de Cão), de Mario Monicelli e Steno; 1951: La Città si Difende (A
Cidade Defende-se), de Pietro Germi; Enrico Caruso (Enrico Caruso), de Giacomo
Gentilomo; A Tale of Five Cities, de Romolo Marcellini (Rome, com
Lollobrigida), Emil E. Reinert (Paris), Wolfgang Staudte (Berlin), Montgomery
Tully (London), Géza von Cziffra (Vienna) e Irma von Cube; Achtung! Banditi!,
de Carlo Lizzani; Amor non ho... però... però (Amor de Gina), de Giorgio
Bianchi; 1952: Moglie per una Notte, de Mario Camerin; Fanfan la Tulipe, de
Christian-Jaque;Altri tempi - Zibaldone n. 1 (Outros Tempos), de Alessandro
Blasetti; Les Belles de Nuit ou Le belle della notte (O Vagabundo dos Sonhos),
de René Clair; 1953: Le Infedeli (Paineis da Vida), de Mario Monicelli e Steno;
La Provinciale (A Provinciana), de Mario Soldati; Pane, Amore e Fantasia (Pão
Amor e Fantasia), de Luigi Comencini; Beat the Devil (O Tesouro de África), de
John Huston; 1954: Le Grand Jeu (A Grande Ilusão), de Robert Siodmak; Il
maestro di Don Giovanni A Espada e a Mulher), de Milton Krims; La Romana (A
Bela Romana), de Luigi Zampa; Pane, amore e gelosia (Pão, Amor e Ciúmes), de
Luigi Comencini; 1955: La Donna più Bella del Mondo Amais Bela do Mundo), de
Robert Z. Leonard; 1956: Trapeze (Trapézio), de Carol Reed; 1957: Notre Dame de
Paris (Nossa Senhora de Paris), de Jean Delannoy; 1958: Anna di Brooklyn (Ana
de Brooklin), de Vittorio De Sica e Carlo Lastricati; 1959: La Legge (A Lei),
de Jules Dassin; Solomon and Sheba (Salomão e a Rainha do Sabá), de King Vidor;
Never So Few (Quando Explodem as Paixões), de John Sturges; 1961: Go Naked in
the World (Perdida pelo Mundo), de Ranald MacDougall; Come September (Idílio em
Setembro), de Robert Mulligan; 1962: La Bellezza di Ippolita, de Giancarlo
Zagni; Venere Imperiale (Vénus Imperial), de Jean Delannoy; 1963: Mare Matto,
de Renato Castellani; 1964: Woman of Straw (Mulher de Palha), de Basil Dearden;
1965: Le Bambole (Quatro Casos de Amor), de Mauro Bolognini ("Monsignor
Cupido", com Lollobrigida), Luigi Comencini ("Il Trattato di
Eugenetica"), Dino Risi ("La Telefonata"), Franco Rossi
("La Minestra"); Strange Bedfellows (Quarto Para Dois), de Melvin
Frank; 1966: Io, io, io... e Gli Altri (Eu, Eu, Eu …e os Outros), de Alessandro
Blasetti; Hotel Paradiso (Hotel Paraíso), de Peter Glenville; Les Sultans, de
Jean Delannoy; Le Piacevoli Notti Notti (Noites de Outro Tempos), de Armando
Crispino e Luciano Lucignani; 1967: Cervantes, de Vincent Sherman; La Morte ha
Fatto l'Uovo, de Giulio Questi; 1968: The Private Navy of Sgt. O'Farrell
(Cerveja para Todos), de Frank Tashlin; Stuntman (Os Duplos do Crime), de
Marcello Baldi; Un Bellissimo Novembre (Um Belíssimo Novembro, de Mauro
Bolognini; 1968: Buona Sera, Mrs. Campbell (Boa Noite Senhora Campbell), de
Melvin Frank; 1971: Bad Man's River (Vamos Ter Sarilho), de Eugenio Martín;
1972: King, Queen, Knave, de Jerzy Skolimowski; 1973: No Encontré Rosas para mi
Madre (Rosas Vermelhas), de Rovira-Beleta; 1995: Les Cent et une Nuits de Simon
Cinéma, de Agnès Varda; 1997: XXL, de Ariel Zeitoun.
Televisão: 1972: Le avventure di
Pinocchio, de Luigi Comencini; 1984: Falcon Crest; 1985: Deceptions, de Robert
Chenault e Melville Shavelson; 1986: The Love Boat; 1988: La Romana, de
Giuseppe Patroni Griffi; 1996: Una donna in fuga, de Roberto Rocco.
Como realizadora: 1972: Le Filippine e Ritratto
di Fidel (curtas metragens documentais).
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