domingo, 14 de agosto de 2016

SESSÃO 36: 26 DE SETEMBRO DE 2016


MAMMA ROMA (1962)

Pier Paolo Pasolini, nascido em 1922, em Bolonha, e falecido em 1975, em Roma, começou por ser conhecido como poeta e romancista, antes de entrar no cinema, pela porta do argumento e da assistência de realização. Colaborou em muitas obras de vários cineastas, antes de se estrear na realização com a adaptação de um romance seu, “Accatone”, em 1961. Integrou-se assim na nova vaga de realizadores que surgiu nos anos 60, reclamando-se um pouco da tradição neorrealista, mas instilando-lhe um novo sangue. Bertolucci, Francesco Rosi, Masseli, Gillo Pontecorvo, entre muitos outros, foram alguns desses nomes que se afirmaram num cinema extremamente politizado, de crítica e denúncia de uma sociedade em crise.
“Mamma Roma” é a sua segunda longa-metragem, e uma das em que é mais visível a influência directa do neorrealismo. Depois de “O Evangelho Segundo São Mateus” (1964) e de “Passarinhos e Passarões” (1966), segue-se um período em que o cineasta cruza a mitologia clássica greco-latina com uma teorização marxista, em títulos como “Rei Édipo” (1967), “Teorema” (1068), “Pocilga” ou “Medeia” (ambos de 1969), para mais tarde se notabilizar com algumas adaptações de clássicos da literatura, como, em 1971, “Decameron”, em 1972, “Os Contos de Canterbury”, em 1974, “As Mil e Uma Noites” e, finalmente, em 1975, “Salò ou Os 120 Dias de Sodoma”. Homossexual, seria assassinado em circunstâncias muito obscuras, no dia 2 de Novembro de 1975, com 53 anos, nos arredores de Roma, em Ostia. Membro do partido comunista entre 1947 e 1949, ao que consta foi expulso em função da sua homossexualidade. Esta sensação de exclusão terá marcado toda a sua vida e toda a obra. 
Voltando a “Mamma Roma”, regressamos às origens do neorrealismo, a Anna Magnani e a “Roma, Cidade Aberta”. Desta feita, não há no horizonte a II Guerra Mundial, mas Anna Magnani continua uma romana típica, papel de que ela raramente se afastou ao longo de toda a sua filmografia.


No filme de Pasolini ela é prostituta, romana, que tem um filho a crescer na província, num albergue de assistência social, mas que ela tenta trazer para junto de si para o promover, para oferecer-lhe uma vida melhor que a sua. Tal como outras fizeram antes de si, Mamma Roma troca a vida nas esquinas das avenidas suburbanas de Roma por um lugar de venda de peixe num mercado. Afasta-se do chulo que não vê com bons olhos esta decisão, mas ela reúne economias para uma casa nova num bairro dos arredores da grande metrópole. Ela agora procura a respeitabilidade que lhe permita educar o filho, que possibilite ao adolescente um bom emprego, que lhe ofereça a felicidade que ela nem sempre terá tido. Este é um sonho de todas as mães, que esta romana tenta realizar. Mas as intenções são umas, os caminhos da realidade são outros.
Para si, o seu filho Ettore (Ettore Garofolo) é o melhor filho do mundo, o mais bonito, e se, uma vez por outra, ele e se mostra insolente, ela desculpa-o. Até que se prende de amores com uma jovem muito oferecida, que o leva à pequena delinquência e, finalmente, ao hospital. Pasolini sempre foi um poeta, escreveu um texto muitas vezes citado sobre a poesia no cinema, 'Il cinema di poesia' (1965), e tinha uma teoria que o guiava na sua obra fílmica, “o cinema é uma linguagem não convencional e não simbólica.” O cinema deve portanto expressar a realidade através da realidade. “Mamma Roma” procura exemplificar essa preocupação com a realidade, e com um cinema que se afaste dos meios opulentos e dos estúdios. O seu cinema era, por estes dias, essencialmente um cinema poético e pobre.
Toda a obra decorre em cenários naturais, com um ou outro actor profissional (essencialmente Anna Magnani), sem efeitos, quase sempre com pouca luz artificial, buscando a autenticidade da realidade. Por vezes a poesia irrompe com a brutalidade do destino das pobres gentes e, neste particular, toda a sequência final de “Mamma Roma” é sublime, de cortar a respiração, e de subitamente se surpreender a respiração de um grande cineasta. Curiosamente, responde à sequência inicial, de um casamento, onde se ouvem algumas canções populares, cujos versos evocam momentos das vidas de alguns dos protagonistas. Anna Magnani, como sempre, é absolutamente magistral, por vezes excessiva e tonitruante, por vezes secreta e intimista quando é necessário.

MAMA ROMA
Título original: Mamma Roma
Realização: Pier Paolo Pasolini (Itália, 1962); Argumento: Pier Paolo Pasolini; Produção: Alfredo Bini; Fotografia (p/b):  Tonino Delli Colli; Música: Carlo Rustichelli; Montagem: Nino Baragli; Direcção artística: Flavio Mogherini; Decoração: Massimo Tavazzi; Maquilhagem: Marcello Ceccarelli, Amalia Paoletti; Direcção de Produção:  Eliseo Boschi, Fernando Franchi; Assistente de realização: Carlo Di Carlo; Som: Renato Cadueri, Leopoldo Rosi; Companhia de produção: Arco Film; Intérpretes: Anna Magnani (Mamma Roma), Ettore Garofolo (Ettore), Franco Citti (Carmine), Silvana Corsini (Bruna), Luisa Loiano (Biancofiore), Paolo Volponi (Padre), Luciano Gonini (Zacaria), Vittorio La Paglia (Pellissier), Piero Morgia (Piero), Franco Ceccarelli (Carletto), Marcello Sorrentino (Tonino), Sandro Meschino (Pasquale), Franco Tovo (Augusto), Pasquale Ferrarese (Lino), Leandro Santarelli (Begalo), Emanuele Di Bari, Antonio Spoletini, Nino Bionci, Nino Venzi, Maria Bernardini, Santino Citti, Renato Montalbano, Lamberto Maggiorani, Renato Capogna, Mario Cipriani, Renato Troiani, etc. Duração: 106 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Filmes Castello Lopes Multimédia; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 10 de Janeiro de 1992.


ANNA MAGNANI (1908-1973)
Youri Gagarine, o internauta soviético, quando realizou o primeiro voo espacial, em Abril de 1961, saudou “a fraternidade entre os homens, o mundo das artes e Anna Magnani”. A actriz estava no auge da sua celebridade internacional. Nasceu em Roma (obviamente!), a 7 de Março de 1908 e viria a falecer na mesma cidade, a 26 de Setembro de 1973, vítima de um cancro no pâncreas. Foi seguramente uma das maiores actrizes do seu tempo e estabeleceu uma marca que ficara para sempre: foi a primeira actriz de língua não inglesa a ganhar um Oscar de Melhor Actriz, pela sua interpretação em “A Rosa Tatuada”, de Daniel Mann (1955), filme baseado na obra de Tennessee Williams, em que ela interpretava a figura de uma viúva siciliana a viver nos EUA, num típico bairro italiano, reverenciando a memória do marido.
Filha natural, abandonada pela mãe, foi educada por uma avó, em Roma, e posteriormente num convento. A carreira artística começou-a no musichall, em cabarets e night-clubs como cantora, ingressando depois na Academia de Arte Dramática de Roma. Viajou por toda a Itália em pequenas companhias teatrais e, em 1928, estreia-se no cinema, num filme ainda mudo, onde aparece pouco e nem sequer é referida no genérico. O filme chamava-se “Scampolo” (A Migalha), de Augusto Genina. Em 1935, casa com Goffredo Alessandrini, que a incluiu no elenco de “Cavalleria”, no ano seguinte. O casamento dura até 1950. Entretanto, em 1941, atinge a notoriedade como actriz no filme “Teresa Venerdi”, de Vittorio De Sica. Em 1942, tem um filho do actor Massimo Serrato. Mas todo o seu génio é revelado em 1945, na obra de Roberto Rossellini, “Roma, Città Aperta”. Por essa altura, mantém uma relação sentimental como o realizador, que só termina com a aparição de Ingrid Bergman. Daí em diante continua a trabalhar no cinema, no teatro, na televisão, em Itália e nos EUA, onde ganha um Oscar e volta a ser nomeada, em 1958, pelo seu trabalho em “Wild Is the Wind”. A sua popularidade é imensa e em Itália é conhecida por “La Magnani” ou “Nannarella”. Trabalha sob as ordens de alguns dos maiores realizadores mundiais: Rossellini, Luchino Visconti, Pier Paolo Pasolini, Federico Fellini, Jean Renoir, Claude Autant-Lara, Daniel Mann, George Cukor, Sidney Lumet ou Stanley Kramer. Ela é o rosto de Roma, no filme de Federico Fellini, “Roma de Fellini”. Coleccionou inúmeros prémios em Festivais italianos e internacionais e tem uma estrela no Walk of Fame, em Los Angeles, desde 1960, frente ao nº 6381 do Hollywood Boulevard.


Filmografia

Como actriz: 1928: Das Mädchen der Straße ou Scampolo (A Migalha), de Augusto Genina (não creditada); 1934: Tempo massimo de Mario Mattoli; La cieca di Sorrento, de Nunzio Malasomma; 1935: Quei due, de Gennaro Righelli; 1936: Trenta secondi d'amore, de Mario Bonnard; Cavalleria, de Goffredo Alessandrini; 1938: La Principessa Tarakanova, de Fedor Ozep e Mario Soldati; 1940: Una lampada alla finestra de Gino Talamo; 1941: La fuggitiva de Piero Ballerini; 1941: Teresa venerdì (Uma Rapariga às Direitas) de Vittorio De Sica; 1942: Finalmente soli, de Giacomo Gentilomo; La fortuna viene dal cielo, de Ákos Ráthonyi; 1943: L'avventura di Annabella (A Aventura de Annabella), de Leo Menardi; La vita è bella, de Carlo Ludovico Bragaglia; 1943: Campo de' fiori, de Mario Bonnard; Gli Assi della risata de Roberto Bianchi e Montero Guido Brignone (episódio Il mio pallone); L'ultima carrozzella, de Mario Mattoli; 1944: Il fiore sotto gli occhi, de Guido Brignone; 1945: Quartetto pazzo de Guido Salvini; 1945: Roma, città aperta (Roma, Cidade Aberta), de Roberto Rossellini; 1945: Abbasso la miseria! (Abaixo a Tristeza) de Gennaro Righelli; 1946: Un uomo retorna, de Max Neufeld; Lo sconosciuto di San Marino, de Michal Waszynski; Avanti a lui tremava tutta Roma, de Carmine Gallone; Il bandito (O Bandido), d'Alberto Lattuada; Abbasso la ricchezza! (Basta de Dinheiro!) de Gennaro Righelli; Assunta Spina de Mario Mattoli; 1947: L'onorevole Angelina (A Zaragateira), de Luigi Zampa; 1948: Molti sogni per le strade (Sonhando Pelo Caminho), de Mario Camerini; L'amore, de Roberto Rossellini; I - Una voce umana; II - Il miracolo); 1950: Vulcano (Vulcão), de William Dieterle; 1951: Bellissima (Bellisima), de Luchino Visconti; 1952: Camicie rosse, de Goffredo Alessandrini e Francesco Rosi; 1953: Carrozza d'Oro (A Comédia e a Vida), de Jean Renoir; Siamo donne (Nós, as Mulheres), de vários (episódio Anna Magnani de Luchino Visconti; 1955: Carosello del varietà, de Aldo Bonaldi e Aldo Quinti; The Rose Tattoo (A Rosa Tatuada), de Daniel Mann; 1956: I pinguini ci guardano (voz); 1957: Suor Letizia (Quando os Anjos Não Voam), de Mario Camerini; Wild is the Wind (Selvagem é o Vento), de George Cukor; 1958: Nella città dell'inferno (As Grades do Inferno), de Renato Castellani; 1959: The Fugitive Kind (O Homem na Pele da Serpente), de Sidney Lumet; 1960: Risate di gioia (O Ladrão Apaixonado), de Mario Monicelli; 1962: Mamma Roma (Mamma Roma), de Pier Paolo Pasolini; 1963: Le magot de Josefa ou Pila della Peppa, de Claude Autant-Lara; 1964: ...e la donna creò l'uomo (Coração cheio, bolsos vazios), de Camillo Mastrocinque; 1967: Made in Italy (Na Itália é assim), de Nanni Loy (episódio La famiglia); 1969: The Secret of Santa Vittoria (O Segredo de Santa Vitória), de Stanley Kramer; 1943: un incontro d'Alfredo Giannetti (TV); 1970: La sciantosa, de Alfredo Giannetti (TV); 1870 (Correva l'anno di grazia 1870) de Alfredo Giannetti; (TV); 1971: Tre donne (episódios L'automobile, de Alfredo Giannetti); 1943: Un incontro e La sciantosa (TV); 1972: Fellini Roma (Roma de Fellini), de de Federico Fellini; 1979: Io sono Anna Magnani, de Chris Vermorcken (documentário); 2000: Anna, telefilme de Giorgio Capitani.

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