segunda-feira, 21 de novembro de 2016

SESSÃO 48: 26 DE DEZEMBRO DE 2016


TESS (1979)

“Tess of the d'Ubervilles”, escrito em 1891, é um dos mais conhecidos romances de Thomas Hardy, poeta e romancista inglês (1840-1928), nascido em Higher Bockhampton, Dorset, e falecido em Max Gate, Dorchester. Thomas Hardy, oriundo de uma família de classe média rural (o pai era construtor civil e viveram sempre no campo), assinou um conjunto de obras que se destacam no panorama da literatura inglesa dos séculos XIX e XX, como “Longe da Multidão” Estulta (1874), “O Prefeito de Casterbridge: A Vida e a Morte de um Homem de Carácter” (1886), “The Woodlanders” (1887), “Wessex Tales” (1888), o já referido “Tess of the d'Ubervilles” (1891), “Judas, O Obscuro” (1895) ou a antologia de poemas “Wessex Poems and other Verses” (1898). Os estudiosos da sua obra, quando a ele se referem, salientam “o pessimismo radical que caracteriza os seus romances”. De certa forma combatente contra uma tradição romântica, Hardy procurou uma escrita de tonalidades realistas, onde o retrato psicológico de personagens, sobretudo femininas, e de situações sociais muito definidas mostrasse bem a repressão social e sexual de uma sociedade injusta e preconceituosa como era aquela em que vivia e de que deu testemunho. Foi por isso considerado o "último dos grandes vitorianos".
Muitos dos seus romances e contos têm sido adaptados ao cinema e à televisão, com particular destaque para “Tess”, com versões desde 1913, “Longe da Multidão” (a primeira adaptação data de 1915) ou “The Mayor of Casterbridge” (1921). Mas as obras mais importantes retiradas de livros seus terão sido "Far from the Madding Crowd”, na versão de 1968, realizada por John Schlesinger, com Julie Christie, Peter Finch e Alan Bates, e a de 2015, dirigida por Thomas Vinterberg, com Carey Mulligan, Matthias Schoenaerts e Michael Sheen; “Jude”, de Michael Winterbottom, com Christopher Eccleston, Kate Winslet e Liam Cunningham; e “Tess”, de Roman Polanski, rodado em 1979, interpretado por Nastassja Kinski, Peter Firth e Leigh Lawson, com argumento escrito pelo próprio Polanski, de colaboração com Gérard Brach, seu cúmplice de sempre, e John Brownjohn.
Este era um projecto antigo do realizador franco-polaco, que já acalentava o desejo de levar Thomas Hardy ao ecrã quando ainda vivia na América, casado com Sharon Tate. Por isso esta obra de 1979 é dedicada a Sharon. Polanski nasceu em Paris, mas aos 3 anos de idade viajou para a Polónia, onde, em 1939, viu a família ser apanhada pelos nazis e posteriormente levada para campos de concentração, com sorte diferente: a mãe foi assassinada, o pai sobreviveu. Ele viveu como vagabundo, escondido em aldeias e florestas, até que, no final da guerra, ingressou no cinema, primeiro como actor, depois como realizador de curtas-metragens e da longa “A Faca na Água”, com que se torna notado internacionalmente. Viajou pela Europa, rodou “Repulsa” e “Cul-De-Sac - O Beco”, entre 1965 e 1966, em Inglaterra. Com “Por Favor Não Me Mordam o Pescoço” ligou a Inglaterra aos EUA, onde se instalou a partir de 1968, rodando inicialmente o perturbante “A Semente do Diabo”. Por essa altura, era casado com Sharon Tate, assassinada barbaramente pelo gang Mason, em 1969. Em 1974, filma um dos seus filmes mais carismáticos, o policial “Chinatown”, mas, acusado de ter violado uma jovem, foge dos EUA e da ordem de prisão, refugiando-se na Europa, onde prossegue uma carreira internacional. “O Inquilino”, “Tess”,”Piratas”, “Frenético”, “Lua de Mel, Lua de Fel” ou “A Noite da Vingança” são títulos deste período que culmina com outro grande sucesso seu, “O Pianista”, obra bastante autobiográfica, que recorda os seus tempos de criança no gueto de Varsóvia. Seguem-se “Oliver Twist”, “O Escritor Fantasma”, “O Deus da Carnificina” e “Vénus de Vison”, o que demonstra bem o pendor literário deste cineasta. Pendor literário que se manifesta abertamente em “Tess”, cuja história e retrato social se aproxima muito de “Oliver Twist” e do universo de Charles Dickens, ainda que este último tenha vivido apenas em pleno século XIX (ao contrário de Thomas Hardy, que abrangeu as três décadas iniciais do século XX).


“Tess” passa-se numa região fictícia criada por Thomas Hardy, o Wessex, e que está presente em várias obras suas. Mas estamos na Inglaterra rural do século XIX, e tudo aponta que a região seja a de Dorset, onde o escritor nasceu. Acontece que Polanski teve dificuldades em filmar nesse cenário natural, pois as transformações que se produziram entre o fim do século XIX e a actualidade foram radicais. Por isso, com o diretor artístico Pierre Guffroy, Polanski reconstituiu as paisagens britânicas nas regiões francesas da Bretanha e Normandia, onde encontraram explorações agrícolas que se assemelhavam em muito às inglesas de então. Importaram terra de Dorset para cobrir as estradas, transplantaram árvores e arbustos para reproduzir fielmente a paisagem requerida. Mesmo os actores passaram semanas a aprender ofícios ligados à lavoura e à agricultura, para melhor se identificarem com os personagens. Depois de muitos meses de preparação, as filmagens duraram mais oito meses, para desta forma se conseguir restituir o ritmo das estações do ano.
Tess (Nastassja Kinski), uma jovem camponesa de rara beleza e elegância, descendente de uma enorme e pobre família rústica, os Durbeyfields, com um pai dado à bebida, descobre que afinal fazem parte de uma abastada família vizinha, os d'Urberville. Procurando tirar partido dessa associação, e fazendo-se valer da beleza e do discreto fascínio de Tess, esta é enviada a casa de um primo, Alec d'Urberville (Leigh Lawson), que se prende de amores por ela, a seduz e viola. Alec nem é afinal nenhum d'Urberville de gema, apenas teria comprado o título, mas a verdade é que a intriga se entrelaça em situações de miséria moral e material, acabando Tess por atravessar um calvário bem próprio da condição da mulher neste final de seculo XIX. Hoje custa a acreditar nesta história, mas muitas são as fontes que corroboram tais situações de extrema dependência e preconceito.
O filme é de uma beleza invulgar, jogando com cenários naturais verdadeiramente sufocantes, restituídos através de uma fotografia admirável de Ghislain Cloquet (falecido durante a rodagem) e Geoffrey Unsworth. A interpretação de Nastassja Kinski é magnífica, numa mistura de tenacidade e ingenuidade, de voluntarismo e de luta contra a adversidade. Mas, a seu lado, Peter Firth (Angel Clare), Leigh Lawson (Alec d'Urberville), John Collin (John Durbeyfield),  Rosemary Martin, Carolyn Pickles, Richard Pearson, David Markham, Pascale de Boysson, e restante elenco são notáveis.
O sucesso de “Tess” a nível internacional foi grande. Nos Oscars, congregou seis nomeações, vencendo em três categorias (melhor direção artística, melhor fotografia e melhor guarda-roupa), e ficando sem estatueta nas categorias de melhor filme, melhor realizador e melhor partitura musical original. Nos BAFTAS, ganhou a melhor fotografia (fora ainda nomeado para melhor direção artística e melhor guarda-roupa) e nos Cesars foi considerado melhor filme, melhor realizador e melhor fotografia. Tendo ainda sido nomeado para melhor atriz, melhor design de produção e melhor partitura musical. Venceu ainda os Globos de Ouro como melhor filme em língua não inglesa e nova estrela do ano em cinema (Nastassja Kinski). Foi ainda nomeado para melhor realizador (cinema) e melhor atriz de cinema (drama), Nastassja Kinski.


TESS
Título original: Tess
Realização: Roman Polanski (França, Inglaterra, 1979); Argumento: Gérard Brach, Roman Polanski, John Brownjohn, segund romance de Thomas Hardy ("Tess of the d'Urbervilles"); Produção: Claude Berri, Timothy Burrill, Pierre Grunstein, Jean-Pierre Rassam; Música: Philippe Sarde; Fotografia (cor): Ghislain Cloquet, Geoffrey Unsworth; Montagem: Alastair McIntyre, Tom Priestley; Casting: Mary Selway; Design de produção: Pierre Guffroy; Direcção artística: Jack Stephens;Guarda-roupa: Anthony Powell;Maquilhagem: Alain Bernard, Didier Lavergne, Paul Le Marinel, Ludovic Paris; Direcção de Produção: Alain Depardieu, Paul Maigret,Tadek Zietara; Assistentes de realização: Hercules Bellville, Thierry Chabert, Romain Goupil, Hugues de Laugardière; Departamento de arte: Marcel Laude, Pierre Lefait, Jean-Claude Sévenet; Som: Hervé de Luze, Maurice Gilbert, Louis Gimel, Peter Horrocks, Jean-Pierre Lelong, Jean Nény, Alex Pront, Robert Rietty, Jean-Pierre Ruh, David Watts; Efeitos visuais: Frederic Moreau; Companhias de produção: Renn Productions, Timothy Burrill Productions, Société Française de Production (SFP); Intérpretes: Nastassja Kinski (Tess), John Collin (John Durbeyfield), Tony Church (Parson Tringham), Brigid Erin Bates (rapariga), Jeanne Biras (rapariga), Peter Firth (Angel Clare), John (Felix Clare), Tom Chadbon (Cuthbert Clare), Rosemary Martin (Mrs. Durbeyfield), Geraldine Arzul, Stephanie Treille, Elodie Warnod, Ben Reeks,Jack Stephens, Leigh Lawson (Alec d'Urberville), Lesley Dunlop, Maryline Even, Jean-Jacques Daubin, Sylvia Coleridge, Jacob Weizbluth, Peter Benson, Jacques Mathou, Véronique Alain, Richard Pearson, Fred Bryant, John Barrett, Anne Tirard, Carolyn Pickles, Suzanna Hamilton, Caroline Embling, Josine Comellas, Arielle Dombasle, David Markham, Pascale de Boysson, Gordon Richardson, Patsy Smart, Dicken Ashworth, Jimmy Gardner, Reg Dent, John Gill, Forbes Collins, Keith Buckley, John Moore, Patsy Rowlands, Graham Weston, Lina Roxa, etc. Duração: 186 minutos; Distribuição em Portugal: LNK (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 30 de Outubro de 1980. 
 

NASTASSJA KINSKI (1961 - )
Nastassja Aglaia Nakszynski nasceu a 24 de Janeiro de 1961, em Berlim, na RFA. (Mas existem fontes que dão como certo o ano de 1959 para o efeito). Filha do actor Klaus Kinski e de Ruth Brigitte Tocki. Infância problemática. Em 2013, a irmã de Nastassia, Pola, denunciou agressões sexuais praticadas pelo pai e a própria Nastassja declarou que ele também a tocava e a aterrorizava. Aos 14 anos, interpreta o seu primeiro filme, “Movimento em Falso”, de Wim Wenders, com quem voltaria a trabalhar, anos mais tarde, em “Paris, Texas” e “Tão Longe, Tão Perto”. Entretanto torna-se notada como modelo, estuda arte dramática em Londres e em Nova Iorque, no Actors Studio de Lee Strasberg, tendo como padrinho Roman Polanski, com quem ela havia tido uma relação. As fotos de Nastassja, tiradas por Polanski, e aparecidas na “Vogue” do Natal de 1976, provocaram grande sucesso. Ainda nos seus tempos de adolescente, em Berlim, chegou a passar alguns dias na prisão, por andar clandestinamente nos transportes públicos e ter-se recusado a fazer trabalho cívico num hospital. Entretanto, a sua carreira arranca de forma fulgurante em finais da década de 70, com um magnífico conjunto de títulos, a começar por “Tess”, de Roman Polanski (1979), “One from the Heart”, de Francis Ford Coppola (1982), “Cat People”, de Paul Schrader (1982), “Exposed”, de James Toback; “La Lune dans le caniveau”, de Jean-Jacques Beineix; “The Hotel New Hampshire, “Maria's Lovers”, de Andreï Kontchalovski, ou “Paris, Texas”, de Wim Wenders (1984). Por esta altura, Nastassja Kinski era uma grande vedeta internacional que muitos comparavam às mais míticas, Garbo ou Marlène, Ingrid Bergman ou Marilyn. Entretanto tem uma relação como o actor italiano, Vincent Spano, de que nasce um filho, Aljosha Kinski (1984). Casa-se nesse ano com o produtor Ibrahim Moussa que adopta a criança. Ambos terão um novo filho, em 1986, desta feita uma menina, Sonia Moussa. Após o divórcio, em 1992, uma ligação com Quincy Jones resulta noutra filha, Kenya, nascida em 1993. A sua carreira sofre um pouco com os sobressaltos da vida privada e igualmente com alguns insucessos. Vira-se mais para a Europa, em filmes menos interessantes, aparece mais na televisão, e ultimamente parece ter trocado a carreira de actriz pela de mãe, vivendo em Los Angeles, na Califórnia. Foi membro dos júris de Cannes (1988) e de San Sebastian (2014). É militante convicta da Cruz Vermelha Internacional, que apoia financeiramente e com acções mediáticas. Fala correntemente alemão, inglês, francês, italiano e russo.

Filmografia
Como Actriz / Cinema: 1975: Falsche Bewegung (Movimento em Falso), de Wim Wenders; 1976: To the Devil a Daughter (O Emissário do Diabo) de Peter Sykes; For Your Love Only, de Wolfgang Petersen; 1978: Leidenschaftliche Blümchen (Colégio de Jovens), de André Farwagi; Così come sei (Francesca, um Amor Impossível), de Alberto Lattuada; 1979: Tess (Tess), de Roman Polanski; 1982: One from the Heart (Do Fundo do Coração), de Francis Ford Coppola; Cat People (A Felina) de Paul Schrader; 1983: Frühlingssinfonie (Sinfonia da Primavera), de Peter Schamoni; Exposed (Revelação), de James Toback; La Lune dans le caniveau (A Lua na Valeta), de Jean-Jacques Beineix; 1984: Unfaithfully Yours (Infielmente Tua), de Howard Zieff; The Hotel New Hampshire (Hotel New Hampshire), de Tony Richardson; Paris, Texas (Paris, Texas), de Wim Wenders; Maria's Lovers (Os Amantes de Maria), de Andreï Kontchalovski; 1985: Revolution (Revolução), de Hugh Hudson; Harem (Harém), de Arthur Joffé; 1987: Maladie d'amour de Jacques Deray; 1989: Magdalene de Monica Teuber; Torrents of Spring, de Jerzy Skolimowski; 1989: In una notte di chiaro di luna (Morte Silenciosa) de Lina Wertmüller; 1990: L'Alba, de Francesco Maselli; Il Segreto, de Francesco Maselli; Il Sole anche di notte, de Paolo Taviani & Vittorio Taviani; 1991: Unizhennye i oskorblyonnye, de Andrei Eshpaj; 1992: In camera mia, de Luciano Martino; La Bionda, de Sergio Rubini; 1993: In weiter Ferne, so nah! (Tão Longe, Tão Perto), de Wim Wenders; 1994: Crackerjack (Rápido e Mortal), de Michael Mazo; Terminal Velocity (Velocidade Terminal), de Deran Sarafian; 1996: Somebody Is Waiting (Alguém Esperará por Ti), de Martin Donovan; 1997: Fathers' Day (O Dia dos Pais), de Ivan Reitman; Little Boy Blue (Um Rapaz, um Destino), de Antonio Tibaldi; One Night Stand (Cúmplice à Noite) de Mike Figgis; 1998: Ciro norte, de Erich Breuer (curta-metragem); Savior (Savior, Mercenário Americano), de Predrag Antonijevic; Your Friends & Neighbors (Amigos e Vizinhos), de Neil LaBute; Susan's Plan (P.F. Matem o meu marido), de John Landis; 1999: Playing by Heart (Entre Estranhos e Amantes), de Willard Carroll; The Lost Son, de Chris Menges; The Intruder, de David Bailey; 2000: The Magic of Marciano, de Tony Barbieri; 2000: Red Letters (Cartas Vermelhas), de Bradley Battersby; Time Share, de Sharon von Wietersheim; The Claim, de Michael Winterbottom; 2001: Cold Heart de Dennis Dimster; Town & Country (Sedução de Morte), de Peter Chelsom; An American Rhapsody (Uma Rapsódia Americana), de Éva Gárdos; Say Nothing (Não Digas Nada!), de Allan Moyle; Diary of a Sex Addict ou Le journal d'un obsédé sexuel (Diário de Um Viciado em Sexo), de Joseph Brutsman; 2001: Beyonds the City Limits) de Gigi Gaston; 2002: .com for Murder de Nico Mastorakis; 2003: Paradise Found, de Mario Andreacchio; 2004: À ton image (À Tua Imagem), de Aruna Villiers; 2006: Inland Empire (Inland Empire), de David Lynch; 2007: More Things That Happened (Vídeo); 2012: Il turno di notte lo fanno le stelle (curta-metragem); 2013: I Sugar, de Rotimi Rainwater;

Televisão: 1977: Tatort (Reifezeugnis); Notsignale; 1996: The Ring, de Armand Mastroiani; The Great War and the Shaping of the 20th Century; 1997: Les Bella Mafia; 1999: Brigade des mineurs; 2000: Quarantine; A Storm in Summer (Um Verão diferente), de Robert Wise; 2001: Washington Police; The District; Cold Heart; The Day the World Ended, de Terence Gross; Blind Terror, de Giles Walker; 2002: All Around the Town, de Paolo Barzman; 2003: Les Liaisons dangereuses, de Josée Dayan; 2004: La Femme Musketeer (A Filha do Mosqueteiro), de Steve Boyum. 

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