segunda-feira, 21 de novembro de 2016

SESSÃO 47: 21 DE DEZEMBRO DE 2016


MÚSICA NO CORAÇÃO (1965)
(na celebração dos 50 anos da sua estreia mundial, a 2 de Março de 1965)

 Há alguns filmes sobre os quais tenho uma recordação ambígua. Este é um deles. Ao longo da vida fui gostando e desgostando. Gostando de Robert Wise (sempre!), gostando e desgostando de tudo o resto, porque a vida é feita de bons e maus humores. Quando somos mais novos, mais radicais, menos dados à sensatez, “The Sound of Music” pode ser pasto de toda a nossa verrinosa maledicência. Que dizer desta empastelada aventura sentimental da família Trapp? Pois nada melhor do que arrear-lhe em cima. Mesmo um cliente habitual e um fanático do melodrama e do “musical” (no teatro ou no cinema) como eu, nunca viu com muito bons olhos esta lamechice da freira cantante que se apaixona pelo barão viúvo com sete filhos e foge dos nazis a cantar num festival de Salzburgo. Mas a verdade é que vi várias vezes o filme, ou excertos do filme (sobretudo nas vésperas de Natal, num qualquer canal de TV). É que “Música no Coração” tem muito que se lhe diga, tanto a peça como, sobretudo, o filme.
“The Trapp Family Singers” foi a biografia escrita por Maria Augusta Trapp, publicada em 1947, quando a família já tinha terminado a sua carreira como cantores, contando as mirabolantes peripécias de uma preceptora de criancinhas que interrompe o seu estágio para freira para descobrir a verdadeira “vida” na casa dos Trapp, com todo o seu caudal de promessas de felicidade e ameaças de tragédia. Com base nesta autobiografia, surgiu na RFA, em 1956, um filme, “Die Trapp-Familie” (ou “The Trapp Family”), assinado por Lee Kresel e Wolfgang Liebeneiner, com argumento de George Hurdalek e Herbert Reinecker, que parece estar na origem do interesse dos produtores norte-americanos. Entre os intérpretes, contava-se a memorável Ruth Leuwerik (no papel de Maria), ao lado de Hans Holt (Barão von Trapp), Maria Holst, Josef Meinrad, Friedrich Domin, Hilde von Stolz, Agnes Windeck, Gretl Theimer, etc. Na estreia, a baronesa Von Trapp, sobrevivente ainda da gesta coral da família, teve uma deixa memorável: “Nada é verdadeiro, mas é tudo maravilhoso!” A música era de Franz Grothe, e a premissa do filme enquadrava-se bem no espírito da reconstrução alemão, “para todos os problemas, há uma solução”.
O realizador Wolfgang Liebeneiner era um homem experimentado neste tipo de obras, e teve um sucesso inequívoco. Há no argumento desta obra um final que deixa supor que a família Trapp fugiu da Alemanha nazi directamente para os EUA, o que não aconteceu na realidade, pois ficaram na Europa e só em 1939 iniciaram a tournée pelos Estados Unidos. Essa estadia daria origem a uma continuação, “Die Trapp-Familie in Amerika” (“The Trapp Family in America”) (1958), desta feita dirigida unicamente por Wolfgang Liebeneiner. Ruth Leuwerik regressaria no papel da Baronesa von Trapp, e Hans Holt, no de Barão von Trapp.
Foram estes filmes, e a biografia escrita, que inspiraram Oscar Hammerstein II a escrever as líricas e Richard Rodgers a compor a música para um guião de Howard Lindsay e Russell Crouse, que subiu a cena no Lunt-Fontanne Theatre (Nova Iorque), em 16 de Novembro de 1959, para iniciar uma carreira épica na história do musical norte-americano. Mary Martin e Theodore Bikel eram os protagonistas inspirados que “conquistaram os corações” de todos os espectadores na noite da estreia, com excepções de alguns críticos que colocaram ressalvas a este espectáculo. Mas, neste caso, os críticos escreveram e a caravana passou incólume. O sucesso estava na rua. Nada o detinha.


“Música no Coração” transformou-se daí em diante, seguramente, num dos mais célebres e rentáveis espectáculos de toda a história do teatro e do cinema musicais. O seu êxito triunfal em (quase) todas as temporadas teatrais e o seu apoteótico sucesso nas salas de cinema, aquando da estreia do filme assinado por Robert Wise, que esteve em Lisboa (quem não recorda?), quase dois anos consecutivos no Tivoli, com sessões esgotadas e espectadores que repetiam a sua visão vezes sem conta, não termina de surpreender tudo e todos. Ninguém se furtou, depois, por exemplo, ao fascínio de um novo lançamento em DVD (com dezenas e dezenas de extras, a explicar como foi o que foi), e ninguém pode negar a genialidade de Robert Wise a conduzir este filme, muito embora alguns possam não suportar o tom algo lamechas e o peso de um argumento que, não sendo convencional, acaba por não se furtar a todos os rodriguinhos do melodrama musical.
Acontece que gosto de melodramas (ah, o Douglas Sirk!) e adoro musicais. Logo, por que não gostar deste “dois em um” que, para mais, tem uma soberba partitura musical? Revisto agora o filme, o que sobressai é realmente a portentosa realização de um mestre, Robert Wise. A sua relação com os cenários, a forma como enquadra, como movimenta a câmara, como dirige os actores, como se serve da sumptuosa paisagem, como estabelece a relação entre as personagens no interior de um mesmo plano (como realiza a “mise-en-scène”, em suma) é realmente brilhante. Depois, a história por vezes arrasta-se nalguns convencionalismos escusados. Mas a verdade é que o filme sobrevive, e sobrevive bem. 50 anos depois, as manifestações mundiais a assinalar a efeméride dão conta desta sobrevivência.
Fui remexer em papéis antigos e descobri uma nota minha, no DN, sobre uma reposição do filme, em Julho de 1977. Não se esqueçam da data e atentem no que escrevi: “Falando do filme, o melhor será passar por cima das aventuras e desventuras da família Trapp (que todos conhecem), para reconhecer a maestria extrema deste produto de uma cinematografia virada essencialmente para o “divertimento para toda a família.” Veiculando uma filosofia da vida de base “pequeno-burguesa”, jogando com os sentimentos e as emoções a seu belo prazer, “The Sound of Music” é, por outro lado, uma verdadeira lição de técnica e de “métier”. Por alguma razão Mao Tse Tung, quando quis que os chineses aprendessem cinema, lhes comprou, entre outras cópias (poucas), uma deste “manual”.


Ora bem: com uma ou outra alteração terminológica, mantenho o que então disse, acrescentando que, trinta anos depois, os chineses demonstraram ter aprendido, e muito bem, a fazer cinema. Robert Wise foi um dos grandes cineastas de Hollywood, um homem que começou a carreira ao lado de Orson Welles (colaborador essencial em “Citizen Kane”) e construiu depois uma filmografia invejável. Sou um seu fã incondicional. Há uns anos, num festival de cinema em Óbidos, ele foi o presidente de um Júri de que eu também fazia parte. Infelizmente adoeci e não pude estar presente nos trabalhos do festival, mas fui a Óbidos conhecê-lo, com o termómetro nos 38, só para ter o prazer de o olhar nos olhos. Afinal ele assinou uma dezena de obras-primas, desde “O Túmulo Vazio” (1945), até “West Side Story” (1961), passando por “Nascido para Matar”, “Nobreza de Campeão”, “O Dia em que a Terra Parou”, “Marcado pelo Ódio”, “Quero Viver”, “Homens no Escuro”, não contando com os ameaços.
Uma informação final: outro filme surgiu na continuação de “Música no Coração”. Foi “Celebrate the Sound of Music”, de 2005, uma realização de John L. Spencer, para televisão, e, tal como o próprio título sugere, trata-se de uma homenagem ao filme, com participação de cantores e personalidades que evocam a obra. Graham Norton era o apresentador, e apareciam vozes de Big Brovaz, Clare Buckfield, Fearne Cotton, Rosemarie Ford, Lesley Garrett, Carrie Grant, Jill Halfpenny, Gloria Hunniford, Bonnie Langford, Jon Lee, Robert Lindsay, Richard McCourt, Linda Robson, Denise Van Outen, entre outras.
Entretanto, surgiu a versão teatral portuguesa de “Música no Coração”, com a assinatura de Filipe La Féria, e com um elenco prestigiado, à frente do qual Lúcia Moniz e Anabela alternam no papel de “A Noviça Rebelde” (título do filme no Brasil). Com a partitura de Oscar Hammerstein II e Richard Rodgers, que contém só “hits” inesquecíveis, o seu bom gosto, o seu sentido do espectáculo, o seu ritmo e a sua direcção de actores desta minha embaraçosa ambiguidade ressaltaram as virtudes e atenuarem-se os lamentos. Esta montagem portuguesa de “Música no Coração” foi verdadeiramente surpreendente e um enorme passo em frente na história do musical em Portugal, mas mais ainda, na história do teatro em Portugal.


MÚSICA NO CORAÇÃO
Título original: The Sound of Music
Realização: Robert Wise (EUA, 1965); Argumento: Ernest Lehman, segundo Howard Lindsay e Russel Crouse (argumento do musical teatral), a partir de Maria von Trapp ("The Story of the Trapp Family Singers"); Produção: Saul Chaplin, Robert Wise, Peter Levathes; Richard D. Zanuck; Música original: Irwin Kostal; Fotografia (cor): Ted D. McCord; Montagem: William Reynolds; Casting: Lee Wallace; Design de produção: Boris Leven; Decoração: Ruby R. Levitt, Walter M. Scott; Guarda-roupa: Dorothy Jeakins; Maquilhagem: Margaret Donovan, Ben Nye, Willard Buell, Ray Forman; Direcção de produção: Saul Wurtzel; Assistentes de realização: Ridgeway Callow, Richard Lang, Maurice Zuberano; Departamento de arte: Glenn 'Skippy' Delfino, Leon Harris, Ed Jones; Som: James Corcoran, Bernard Freericks, Fred Hynes, Murray Spivack; Efeitos especiais: L.B. Abbott, Emil Kosa Jr.; Companhias de produção: Robert Wise Productions (A Robert Wise Production of Rodger and Hammerstein's), Argyle Enterprises; Intérpretes: Julie Andrews (Maria), Christopher Plummer (Capitão Von Trapp), Eleanor Parker (a baronesa), Richard Haydn (Max Detweiler), Peggy Wood (Madre superior), Charmian Carr (Liesl), Heather Menzies-Urich (Louisa), Nicholas Hammond (Friedrich), Duane Chase (Kurt), Angela Cartwright (Brigitta), Debbie Turner (Marta), Kym Karath (Gretl), Anna Lee, Portia Nelson, Ben Wright, Daniel Truhitte, Norma Varden, Gilchrist Stuart, Marni Nixon, Evadne Baker, Doris Lloyd, Gertrude Astor, Alan Callow, Sam Harris, Jeffrey Sayre, etc. Duração: 174 minutos; Classificação etária: M/ 6 anos; Distribuição em Portugal (DVD e BluRay): Twentieth Century Fox / Pris Audiovisuais; Data de estreia em Portugal: 10 de Janeiro de 1966. 


JULIE ANDREWS (1935 - )
Julia Elizabeth Wells nasceu a 1 de Outubro de 1935, em Walton-on-Thames, Surrey, em Inglaterra. O pai, Edward Charles "Ted" Wells, era professor de trabalhos manuais, e a mãe, Barbara Ward Wells, pianista. Com dois anos de idade, começou a estudar dança com uma tia, Joan. Aos quatro anos, os pais divorciaram-se, ela ficou com a mãe e o padrasto, Ted Andrews, um cantor e artista de vaudeville, a quem foi buscar o seu novo nome. Ted Andrews descobriu que ela possuía uma bela voz que, devidamente trabalhada, iria torná-la famosa em toda Inglaterra. Teve então aulas de canto com Madame Lilian Stiles-Allen. Muito jovem ainda, estreou-se nos teatros do West End, em Londres, na década de 40, viajando depois para os EUA, lançando-se na Broadway em 1954 com o musical "The Boyfriend". Depois de passar pela televisão e de se estrear no cinema, Julie Andrews tornou-se a única actriz a ter vencido um Oscar num filme de Walt Disney, no musical “Mary Poppins” (1964), que lhe abriu as portas do sucesso. Mas, no ano seguinte, “Musica n Coração”, um dos maiores êxitos de bilheteira de todos os tempos, catapulta-a para a glória. Rende-lhe várias nomeações para Oscars, Globos e outros prémios, e cimenta a sua reputação como actriz, cantora, bailarina, diretora teatral e escritora.
Casada com Tony Walton (1959-1967) e, posteriormente, com o realizador Blake Edwards (1969-2010), com quem trabalhou imenso, em vários filmes: “Darling Lili”, “The Tamarind Seed”, “The Pink Panther Strikes Again”, “Ten”, “S.O.B.”, “Victor Victoria”, “Trail of the Pink Panther”,  “The Man who Loved Women” ou “That's Life!”. Mas Julie Andrews participou ainda noutros filmes particularmente interessantes: “The Americanization of Emily", "Hawaii", "Torn Curtain", “Thoroughly Modern Millie" ou "Star!".
Sobre “Mary Poppins” e “My Fair Lady” há uma história curiosa a relembrar. Quem interpretou “My Fair Lady” no teatro foi Julie Andrews. Quando a Warner projectou a adaptação a cinema, escolheu Audrey Hepburn para protagonista. Esta, inicialmente, recusou, dizendo que teria de ser Julie Andrews a repetir no cinema o seu trabalho no teatro. Mas Jack Warner não aceitou a sugestão e contra-atacou: ou Audrey Hepburn aceitava, ou seria Elizabeth Taylor a ficar com o papel. Na sessão de entrega dos Oscars, estavam as duas nomeadas, e seria Julie a receber a estatueta. Ganharia também o Globo de Ouro para Melhor Actriz em filme musical, e, ao receber este prémio, Julie Andrews “vingou-se” com muito estilo. Agradeceu a Jack Warner, “pois graças a ele ter-lhe recusado o papel principal em “My Fair Lady”, ela pode aceitar interpretar “Mary Poppins”, e assim receber aquele prémio”.
Julie Andrews foi homenageada pela Rainha Elizabeth II com a Ordem do Império Britânico em 31 de dezembro de 1999, além de também ter sido eleita, em 2002, uma das 100 maiores personalidades britânicas de todos os tempos, ocupando a 59ª posição. Além de um Oscar para melhor actriz, conquistou cinco Globos de Ouro, três Grammys e dois Emmys, entre muitos outros prémios.
Em 1997, após uma cirurgia à garganta, viu afectadas as suas cordas vocais, o que a deixou profundamente deprimida, e a fez recorrer a um acompanhamento psicológico. Interrompeu a carreira, mas voltaria depois, sobretudo ao teatro. No cinema passou sobretudo a emprestar a sua voz a personagens de filmes de animação. Andrews também escreve livros infantis, e em 2008 publicou uma autobiografia intitulada "Home: A Memoir of My Early Years".
Pela sua contribuição à indústria cinematográfica, Andrews possui uma estrela no Wall of Fame, em Hollywood Boulevard, junto ao nº 6901. Na cerimónia dos Osacres de 2015 recebeu um tributo que lhe foi entregue por Lady Gaga que interpretou um conjunto de temas de “The Sound of Music”.


Filmografia

Como actriz: 1949: La rosa di Bagdad, de Anton Gino Domenighini (voz); 1953: Television Christmas Party (TV); 1956: Ford Star Jubilee (TV); 1957: Cinderella (TV); 1959: The Gentle Flame (TV); 1964: The Americanization of Emily (Herói Precisa-se), de Arthur Hiller; Mary Poppins (Mary Poppins), de Robert Stevenson; 1965: The Sound of Music (Música no Coração), de Robert Wise; 1966: Hawaii (Hawaii), de George Roy Hill; 1966: Torn Curtain (Cortina Rasgada), de Alfred Hitchcock; 1967: Thoroughly Modern Millie (Millie, Rapariga Moderna), de George Roy Hill; 1968: Star! (A Estrela!), de Robert Wise; 1970: Darling Lili (Querida Lili), de Blake Edwards; 1974: The Tamarind Seed (A Semente de Tamarindo), de Blake Edwards; 1976 A Pantera volta a atacar (The Pink Panther Strikes Again), de Blake Edwards (voz, não creditada); 1979: Ten (10 - Uma Mulher de Sonho) de Blake Edwards; 1980: Little Miss Marker (Jogar para Ganhar), de Walter Bernstein; 1981: S.O.B. (Tudo Boa Gente), de Blake Edwards; 1982: Victor Victoria (Victor/Victoria), de Blake Edwards; Trail of the Pink Panther (Na Pista da Pantera), de Blake Edwards (voz, não creditada); 1983: The Man who Loved Women (Os meus Problemas com as Mulheres), de Blake Edwards; 1986: Duet for One (Dueto só para um), de Andreï Kontchalovski; 1986: That's Life! (A Vida É Assim), de Blake Edwards; 1991: Our Sons (Os Filhos da Sida), de de John Erman (TV); 1992: Julie (TV); Cin cin ou A Fine Romance, de Gene Saks; 1995: Victor/Victoria (TV); One Special Night (TV); 2000: Relative Values, de Eric Styles; 2001: The Princess Diaries (O Diário da Princesa), de Garry Marshall; On Golden Pond (TV); 2002: Paraíso Filmes (TV); 2003: Unconditional Love (Quem Matou o Nosso Amante?) de P. J. Hogan; Eloise at Christmastime (TV); Eloise at the Plaza (TV); 2004: Shrek 2 (Shrek 2), de Andrew Adamson (voz); The Princess Diaries 2: Royal Engagement (O Diário da Princesa: Noivado Real) de Garry Marshall; The Cat That Looked at a King (Vídeo); Great Performances (TV) Cinderella; 2007: Shrek 3 (Shrek o Terceiro), de Chris Miller (voz); Enchanted (Uma História de Encantar) de Kevin Lima (narradora); 2010: Shrek Forever After (Shrek Para Sempre) de Mike Mitchell (voz); Despicable Me (Gru - O Maldisposto) de Chris Renaud e Pierre Coffin (voz); Tooth Fairy (A Fada dos Dentes) de Michael Lembeck;

Sem comentários:

Enviar um comentário