VERÃO DE 42 (1971)
O
filme parte de um argumento de Herman Raucher que posteriormente o passa a
romance. Estamos no Verão de 42, na ilha de Nantucket, em Cape Cod, no Noroeste
da costa atlântica dos EUA. Pelo que vimos no filme, reportando-nos obviamente
a 1942, esta era uma região paradisíaca, um pouco inóspita, quase isolada no
mundo, com a natureza em estado puro e o oceano a banhar as praias desertas de
gente, apenas povoadas por meia dúzia de veraneantes que passeavam pelas ruas da
cidadezinha, e à noite iam ao cinema da terra, ver os grandes êxitos desses
anos. “Now Voyager” com Bette Davis, por exemplo. Os jovens adolescentes
aproveitavam este tempo de pausa na vida escolar para amadurecerem a sua vida
sentimental e sexual. O que vimos no filme (e que posteriormente se pode ler no
romance) foram recordações pessoais de quem escreveu, em testemunho directo. A
prática normal neste tipo de obras de fundo autobiográfico é elidirem nomes
próprios e disfarçarem situações e no início afirmar que “qualquer semelhança
com a realidade é pura coincidência”. Aqui a preocupação foi outra, contrária:
mantiveram-se nomes e situações com o maior rigor. O grupo de três amigos
adolescentes eram realmente composto por Hermie (Gary Grimes), Oscy (Jerry
Houser), e Benjie (Oliver Conant ) e foi a morte de Oscy, durante a Guerra da
Coreia, que levou Herman Raucher a querer escrever este argumento como forma de
homenagear o amigo desaparecido em combate. Portanto esta história de uma
iniciação sentimental, esta descoberta da sexualidade, esta entrada na vida
adulta deste grupo de jovens deviria impor-se pela sua autenticidade, pela sua
genuinidade. É o que acontece na verdade. “Verão de 41” quase se aproxima do
docudrama, ainda que se mostre sempre como ficção. Mas tudo se determina pela
sua sinceridade, pelo tom vivido. São actores que interpretam os papéis, mas a
credibilidade é total. O mesmo se passa com Dorothy (Jennifer O’Neil), a mulher
que habita a casa de madeira em cima das dunas, casada com o militar que parte
para a guerra na Europa, e que desperta primeiro a curiosidade dos adolescentes
e depois impõe o deslumbramento amoroso a Hermie. Dorothy funciona
admiravelmente como o objecto do desejo, o aparentemente inalcançável fruto
proibido. Dorothy existiu, e Jennifer O’Neil interpreta-a não como a actriz de
Hollywood que recria um papel, mas como uma mulher autêntica. Na sua
fragilidade, na sua doçura imaculada, na sua beleza imperfeita, na leveza dos
movimentos, na materialidade da sua existência. Ela, que é imagem mítica ara os
adolescentes que a perseguem, é afinal uma presença física indesmentível.
Jennifer O’Neil é perfeita nesta sua composição, este é o papel de uma vida. Diga-se
ainda, por ser de inteira justiça, que os jovens que gravitam em seu redor,
interpretados por Gary Grimes, Jerry Houser, Oliver Conant, Katherine Allentuck
e Christopher Norris são magníficos e contribuem em muito para o sucesso da
obra.
De
resto, “Verão de 42” é uma pequena obra-prima de observação, de rigor, de sensibilidade,
de pudor, de bom gosto plástico, de segurança estilística, de coerência. Robert
Mulligan não é cineasta de que muito se fale, injustamente. Ele é seguramente
um dos maiores cineastas norte-americanos aparecidos no cinema na década de 60,
vindos da televisão. Nascido em 1925, em Nova Iorque, The Bronx, e falecido aos
83 anos, em 2008, em Lyme, Connecticut, EUA, passou grande parte dos anos 50 a
dirigir series para TV, onde apurou um estilo e definiu um olhar. Na
longa-metragem, estreou-se ainda em 1957, com “Vencendo o Medo”, a que se
seguiu um grupo de filmes interessante, onde foi criando um estilo: “A Pousada
das Ilusões”, “O Grande Impostor”, “Idílio em Setembro” ou “Labirinto de
Paixões”. Em 1962 atinge o auge da sua glória com “Na Sombra e no Silêncio” (To
Kill a Mockingbird), segundo celebérrimo romance de Harper Lee, prosseguindo
com obras extremamente estimulantes, intimistas e secretas, como “Amar Um
Desconhecido”, “Errando pelo Caminho”, “O Estranho Mundo de Daisy Clover”, “O
Último Degrau”, “Emboscada na Sombra”, “Em Busca da Felicidade”, culminando
novamente num momento de glória, “Verão 42”. Depois, “O Outro”, “A Estrada do
Amanhã”, “À Mesma Hora para o Ano Que Vem”, “Beija-me e Adeus”, “O Amor de
Clara” ou “O Homem da Lua” (1991, último filme) encerram uma filmografia que
não oferece um mau filme, ainda que se possa falar de ligeiras oscilações
óbvias. O seu cinema foi sempre de uma delicadeza e sensibilidade extremas,
mesmo quando os temas exigiam nervo e violência. “Verão de 42” é bem um exemplo
acabado deste cinema que nos enovela numa teia de emoções e sentimentos
inesquecíveis. Afinal como terá sido aquele verão de 42 para os três
adolescentes que o povoam.
Curiosidade:
estreado o filme, o escritor recebeu mais de dias centenas de cartas de
Dorothys a confessarem que eram a Dorothy de que o filme falava. Uma dessas
cartas era da verdadeira Dorothy que agradecia a forma como Herman Raucher e
Robert Mulligan tinham recordado aquele verão de 42.
VERÃO DE 42
Título
original: Summer of '42
Realização: Robert Mulligan
(EUA, 1971); Argumento: Herman Raucher; Produção: Don Kranze, Richard A. Roth;
Música: Michel Legrand; Fotografia (cor): Robert Surtees; Montagem: Folmar
Blangsted; Casting: Alixe Gordin, Nessa Hyams, Jack Roberts; Design de produção:
Albert Brenner; Decoração: Marvin March; Maquilhagem: Ken Chase, Dorothy White;
Guarda-roupa: Jerry Alpe, Joanne Haas; Assistentes de realização: Mel Efros,
Don Kranze, Irby Smith; Departamento de arte: Lowell Chambers, Robey Cooper,
Don Miller, Arthur Orlando, Frank Repola, John J. Rutchland Jr., Lowell Thomas,
Ken Walker, Alva Williams; Som: Tom Overton; Companhia de produção: Warner
Bros.; Intérpretes: Jennifer O'Neill
(Dorothy), Gary Grimes (Hermie), Jerry Houser (Oscy), Oliver Conant (Benjie), Katherine
Allentuck (Aggie), Christopher Norris (Miriam), Lou Frizzell, Robert Mulligan
(Narrador), Walter Scott, etc. Duração:
103 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros; Classificação etária
(estreia no cinema): M/ 18 anos; DVD: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal:
8 de Junho de 1972.
JENNIFER
O'NEILL (1948 - )
Jennifer Lee O'Neill é de origem
brasileira, nasceu no Rio de Janeiro, a 20 de Fevereiro de 1948, ainda que se
tenha naturalizado norte-americana. O pai, Oscar O'Neill Jr., ligado à mdeciana,
provinha de uma família de origem irlandesa e espanhola, e a mãe, Irene
O’Neill, era inglesa. Desde criança obcecada por cavalos. Estudou na Dalton
Schoolemin Manhattan, e depois na New York's Neighborhood Playhouse. Aos quinze
anos era já modelo em Nova Iorque e, em 1968, estreia-se no cinema num pequeno
papel em “For Love of Ivy”, que chamou a atenção de Howard Hawks, que a
contratou para integrar o elenco do seu western “Rio Lobo”, em 1970, ao lado de
John Wayne. No ano seguinte, em “Summer of '42”, atingiu o estrelado a
consagração. Depois disso, pouco mais se poderá sublinhar da sua filmografia.
Interpretou “Such Good Friends”, de Otto Preminger, “Um Caso de Urgência”, de
Blake Edwards, “A Mulher de Gelo”, de Tom Gries e ainda “O Intruso”, de Luchino
Visconti. Depois tem aparecido em telefilmes e séries de televisão. Mas quem a
viu em “Verão de 42” não mais a esquece, apesar dela aparecer no filme apenas
durante 12 minutos.
Em compensação não foi avarenta nos
casamentos. Casou nove vezes com oito diferentes maridos, Dean Rossiter (1965 –
1971), Joseph Roster, escritor e publicitário (1972 - 1974), Nick De Noia,
produtor e coreógrafo (1975 - 1976), Jeff Barry, cantor (1978 - 1979), John
Lederer, seu agente (1979 - 1983), Richard Alan Brown, motorista (1986 - 1989),
Neil L. Bonin (1992 - 1993), Richard Alan Brown (1993 - 1996) e Mervin Sidney
Louque, Jr., produtor musical (1996 - presente). Actualmente vive numa fazenda
em Nashville, no Tennessee. Escreveu a autobiografia “Surviving Myself”, e
participou em diversas campanhas humanitárias. Mas a sua vida está repleta de
dramas, tentativas de suicídio, marido que abusa da filha, drogas, assaltos
violentos, depressões, etc. Recordemo-la na ilha de Nantucket, em Cape Cod, no
verão de 42.
Filmografia
Como
Actriz:
1968: For Love of Ivy (Um Homem para Ivy), de Daniel Mann; 1969: Futz!, de Tom
O'Horgan (não creditada); Some Kind of a Nut, de Garson Kanin; 1970: Rio Lobo
(Rio Lobo), de Howard Hawks; 1971: Summer of '42 (Verão de 42), de Robert Mulligan;
Such Good Friends (Amantes Desconhecidos) de Otto Preminger; 1972: Glass
Houses, de Alexander Singer; The Carey Treatment (Um Caso de Urgência), de
Blake Edwards; 1973: Lady Ice (A Mulher de Gelo), de Tom Gries; 1975: Gente di
rispetto, de Luigi Zampa; 1975: The Reincarnation of Peter Proud (O Homem que
Viveu Duas Vezes), de Jack Lee Thompson; Whiffs (C.A.S.H), de Ted Post; 1976:
L'Innocente (O Intruso), de Luchino Visconti; 1976: Call Girl: La vida privada
de una señorita bien, de Eugenio Martín; 1977: Sette note in nero (Sete Notas
Negras), de Lucio Fulci; 1978: Caravans (Caravanas), de James Fargo; 1979:
Love's Savage Fury (A Fúria de Um Amor Selvagem), de Joseph Hardy (TV); 1979: A Force
of One (Luta de Gigantes), de Paul Aaron; 1979: Steel (Homens de Aço); 1980:
Cloud Dancer (O Bailarino das Nuvens), de Barry Brown; 1981: Scanners
(Scanners), de David Cronenberg; The Other Victim, de Noel Black (TV); 1983:
Bare Essence (série TV); 1984: Cover Up, de Glen A. Larson (TV); 1985: A.D.
(TV); 1985: Chase (Regresso Amaldiçoado), de Rod Holcomb (TV); 1986: Perry
Mason: The Case of the Shooting Star (TV); 1987: I Love N.Y., de Gianni
Bozzacchi; 1988: Committed, de William A. Levey; The Red Spider (A Marca da
Aranha) (TV); Glory Days (TV); 1989: Full Exposure: The Sex Tapes Scandal, de Noel Nosseck (TV); 1990:
Personals (TV); 1992: Invasion of Privacy, de Kevin Meyer (TV); Perfect Family
(TV); 1993: Discretion Assured, de Odorico Mendes; Love Is Like That (O Anjo
Selvagem), de Jill Godman; The Cover Girl Murders (TV); 1994: Jonathan Stone:
Threat of Innocence (TV); The Visual Bible: Acts, de Regardt van den Bergh;
1995: Silver Strand (Escola de Cadetes), de George Miller (TV); 1996:
Poltergeist: The Legacy (TV); 1997: The Corporate Ladder (TV); The Ride, de
Jeff Myres; Nash Bridges (TV); 1999: The Prince and the Surfer, Arye Gross e
Gregory Gieras; 2000: On Music Row (TV); 2002: Time Changer, de Rich
Christiano; 2008: Billy: The Early Years, de Robby Benson; 2012: Last Ounce of
Courage, de Darrel Campbell; 2012: Doonby, de Peter M. Mackenzie.
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