segunda-feira, 21 de novembro de 2016

SESSÃO 44: 28 DE NOVEMBRO DE 2016



VERÃO DE 42 (1971)

O filme parte de um argumento de Herman Raucher que posteriormente o passa a romance. Estamos no Verão de 42, na ilha de Nantucket, em Cape Cod, no Noroeste da costa atlântica dos EUA. Pelo que vimos no filme, reportando-nos obviamente a 1942, esta era uma região paradisíaca, um pouco inóspita, quase isolada no mundo, com a natureza em estado puro e o oceano a banhar as praias desertas de gente, apenas povoadas por meia dúzia de veraneantes que passeavam pelas ruas da cidadezinha, e à noite iam ao cinema da terra, ver os grandes êxitos desses anos. “Now Voyager” com Bette Davis, por exemplo. Os jovens adolescentes aproveitavam este tempo de pausa na vida escolar para amadurecerem a sua vida sentimental e sexual. O que vimos no filme (e que posteriormente se pode ler no romance) foram recordações pessoais de quem escreveu, em testemunho directo. A prática normal neste tipo de obras de fundo autobiográfico é elidirem nomes próprios e disfarçarem situações e no início afirmar que “qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência”. Aqui a preocupação foi outra, contrária: mantiveram-se nomes e situações com o maior rigor. O grupo de três amigos adolescentes eram realmente composto por Hermie (Gary Grimes), Oscy (Jerry Houser), e Benjie (Oliver Conant ) e foi a morte de Oscy, durante a Guerra da Coreia, que levou Herman Raucher a querer escrever este argumento como forma de homenagear o amigo desaparecido em combate. Portanto esta história de uma iniciação sentimental, esta descoberta da sexualidade, esta entrada na vida adulta deste grupo de jovens deviria impor-se pela sua autenticidade, pela sua genuinidade. É o que acontece na verdade. “Verão de 41” quase se aproxima do docudrama, ainda que se mostre sempre como ficção. Mas tudo se determina pela sua sinceridade, pelo tom vivido. São actores que interpretam os papéis, mas a credibilidade é total. O mesmo se passa com Dorothy (Jennifer O’Neil), a mulher que habita a casa de madeira em cima das dunas, casada com o militar que parte para a guerra na Europa, e que desperta primeiro a curiosidade dos adolescentes e depois impõe o deslumbramento amoroso a Hermie. Dorothy funciona admiravelmente como o objecto do desejo, o aparentemente inalcançável fruto proibido. Dorothy existiu, e Jennifer O’Neil interpreta-a não como a actriz de Hollywood que recria um papel, mas como uma mulher autêntica. Na sua fragilidade, na sua doçura imaculada, na sua beleza imperfeita, na leveza dos movimentos, na materialidade da sua existência. Ela, que é imagem mítica ara os adolescentes que a perseguem, é afinal uma presença física indesmentível. Jennifer O’Neil é perfeita nesta sua composição, este é o papel de uma vida. Diga-se ainda, por ser de inteira justiça, que os jovens que gravitam em seu redor, interpretados por Gary Grimes, Jerry Houser, Oliver Conant, Katherine Allentuck e Christopher Norris são magníficos e contribuem em muito para o sucesso da obra. 

De resto, “Verão de 42” é uma pequena obra-prima de observação, de rigor, de sensibilidade, de pudor, de bom gosto plástico, de segurança estilística, de coerência. Robert Mulligan não é cineasta de que muito se fale, injustamente. Ele é seguramente um dos maiores cineastas norte-americanos aparecidos no cinema na década de 60, vindos da televisão. Nascido em 1925, em Nova Iorque, The Bronx, e falecido aos 83 anos, em 2008, em Lyme, Connecticut, EUA, passou grande parte dos anos 50 a dirigir series para TV, onde apurou um estilo e definiu um olhar. Na longa-metragem, estreou-se ainda em 1957, com “Vencendo o Medo”, a que se seguiu um grupo de filmes interessante, onde foi criando um estilo: “A Pousada das Ilusões”, “O Grande Impostor”, “Idílio em Setembro” ou “Labirinto de Paixões”. Em 1962 atinge o auge da sua glória com “Na Sombra e no Silêncio” (To Kill a Mockingbird), segundo celebérrimo romance de Harper Lee, prosseguindo com obras extremamente estimulantes, intimistas e secretas, como “Amar Um Desconhecido”, “Errando pelo Caminho”, “O Estranho Mundo de Daisy Clover”, “O Último Degrau”, “Emboscada na Sombra”, “Em Busca da Felicidade”, culminando novamente num momento de glória, “Verão 42”. Depois, “O Outro”, “A Estrada do Amanhã”, “À Mesma Hora para o Ano Que Vem”, “Beija-me e Adeus”, “O Amor de Clara” ou “O Homem da Lua” (1991, último filme) encerram uma filmografia que não oferece um mau filme, ainda que se possa falar de ligeiras oscilações óbvias. O seu cinema foi sempre de uma delicadeza e sensibilidade extremas, mesmo quando os temas exigiam nervo e violência. “Verão de 42” é bem um exemplo acabado deste cinema que nos enovela numa teia de emoções e sentimentos inesquecíveis. Afinal como terá sido aquele verão de 42 para os três adolescentes que o povoam.
Curiosidade: estreado o filme, o escritor recebeu mais de dias centenas de cartas de Dorothys a confessarem que eram a Dorothy de que o filme falava. Uma dessas cartas era da verdadeira Dorothy que agradecia a forma como Herman Raucher e Robert Mulligan tinham recordado aquele verão de 42.


VERÃO DE 42
Título original: Summer of '42
Realização: Robert Mulligan (EUA, 1971); Argumento: Herman Raucher; Produção: Don Kranze, Richard A. Roth; Música: Michel Legrand; Fotografia (cor): Robert Surtees; Montagem: Folmar Blangsted; Casting: Alixe Gordin, Nessa Hyams, Jack Roberts; Design de produção: Albert Brenner; Decoração: Marvin March; Maquilhagem: Ken Chase, Dorothy White; Guarda-roupa: Jerry Alpe, Joanne Haas; Assistentes de realização: Mel Efros, Don Kranze, Irby Smith; Departamento de arte: Lowell Chambers, Robey Cooper, Don Miller, Arthur Orlando, Frank Repola, John J. Rutchland Jr., Lowell Thomas, Ken Walker, Alva Williams; Som: Tom Overton; Companhia de produção: Warner Bros.; Intérpretes: Jennifer O'Neill (Dorothy), Gary Grimes (Hermie), Jerry Houser (Oscy), Oliver Conant (Benjie), Katherine Allentuck (Aggie), Christopher Norris (Miriam), Lou Frizzell, Robert Mulligan (Narrador), Walter Scott, etc. Duração: 103 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros; Classificação etária (estreia no cinema): M/ 18 anos; DVD: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 8 de Junho de 1972.


JENNIFER O'NEILL (1948 - )
Jennifer Lee O'Neill é de origem brasileira, nasceu no Rio de Janeiro, a 20 de Fevereiro de 1948, ainda que se tenha naturalizado norte-americana. O pai, Oscar O'Neill Jr., ligado à mdeciana, provinha de uma família de origem irlandesa e espanhola, e a mãe, Irene O’Neill, era inglesa. Desde criança obcecada por cavalos. Estudou na Dalton Schoolemin Manhattan, e depois na New York's Neighborhood Playhouse. Aos quinze anos era já modelo em Nova Iorque e, em 1968, estreia-se no cinema num pequeno papel em “For Love of Ivy”, que chamou a atenção de Howard Hawks, que a contratou para integrar o elenco do seu western “Rio Lobo”, em 1970, ao lado de John Wayne. No ano seguinte, em “Summer of '42”, atingiu o estrelado a consagração. Depois disso, pouco mais se poderá sublinhar da sua filmografia. Interpretou “Such Good Friends”, de Otto Preminger, “Um Caso de Urgência”, de Blake Edwards, “A Mulher de Gelo”, de Tom Gries e ainda “O Intruso”, de Luchino Visconti. Depois tem aparecido em telefilmes e séries de televisão. Mas quem a viu em “Verão de 42” não mais a esquece, apesar dela aparecer no filme apenas durante 12 minutos.
Em compensação não foi avarenta nos casamentos. Casou nove vezes com oito diferentes maridos, Dean Rossiter (1965 – 1971), Joseph Roster, escritor e publicitário (1972 - 1974), Nick De Noia, produtor e coreógrafo (1975 - 1976), Jeff Barry, cantor (1978 - 1979), John Lederer, seu agente (1979 - 1983), Richard Alan Brown, motorista (1986 - 1989), Neil L. Bonin (1992 - 1993), Richard Alan Brown (1993 - 1996) e Mervin Sidney Louque, Jr., produtor musical (1996 - presente). Actualmente vive numa fazenda em Nashville, no Tennessee. Escreveu a autobiografia “Surviving Myself”, e participou em diversas campanhas humanitárias. Mas a sua vida está repleta de dramas, tentativas de suicídio, marido que abusa da filha, drogas, assaltos violentos, depressões, etc. Recordemo-la na ilha de Nantucket, em Cape Cod, no verão de 42.

Filmografia

Como Actriz: 1968: For Love of Ivy (Um Homem para Ivy), de Daniel Mann; 1969: Futz!, de Tom O'Horgan (não creditada); Some Kind of a Nut, de Garson Kanin; 1970: Rio Lobo (Rio Lobo), de Howard Hawks; 1971: Summer of '42 (Verão de 42), de Robert Mulligan; Such Good Friends (Amantes Desconhecidos) de Otto Preminger; 1972: Glass Houses, de Alexander Singer; The Carey Treatment (Um Caso de Urgência), de Blake Edwards; 1973: Lady Ice (A Mulher de Gelo), de Tom Gries; 1975: Gente di rispetto, de Luigi Zampa; 1975: The Reincarnation of Peter Proud (O Homem que Viveu Duas Vezes), de Jack Lee Thompson; Whiffs (C.A.S.H), de Ted Post; 1976: L'Innocente (O Intruso), de Luchino Visconti; 1976: Call Girl: La vida privada de una señorita bien, de Eugenio Martín; 1977: Sette note in nero (Sete Notas Negras), de Lucio Fulci; 1978: Caravans (Caravanas), de James Fargo; 1979: Love's Savage Fury (A Fúria de Um Amor Selvagem), de Joseph Hardy (TV); 1979: A Force of One (Luta de Gigantes), de Paul Aaron; 1979: Steel (Homens de Aço); 1980: Cloud Dancer (O Bailarino das Nuvens), de Barry Brown; 1981: Scanners (Scanners), de David Cronenberg; The Other Victim, de Noel Black (TV); 1983: Bare Essence (série TV); 1984: Cover Up, de Glen A. Larson (TV); 1985: A.D. (TV); 1985: Chase (Regresso Amaldiçoado), de Rod Holcomb (TV); 1986: Perry Mason: The Case of the Shooting Star (TV); 1987: I Love N.Y., de Gianni Bozzacchi; 1988: Committed, de William A. Levey; The Red Spider (A Marca da Aranha) (TV); Glory Days (TV); 1989: Full Exposure: The Sex Tapes Scandal, de Noel Nosseck (TV); 1990: Personals (TV); 1992: Invasion of Privacy, de Kevin Meyer (TV); Perfect Family (TV); 1993: Discretion Assured, de Odorico Mendes; Love Is Like That (O Anjo Selvagem), de Jill Godman; The Cover Girl Murders (TV); 1994: Jonathan Stone: Threat of Innocence (TV); The Visual Bible: Acts, de Regardt van den Bergh; 1995: Silver Strand (Escola de Cadetes), de George Miller (TV); 1996: Poltergeist: The Legacy (TV); 1997: The Corporate Ladder (TV); The Ride, de Jeff Myres; Nash Bridges (TV); 1999: The Prince and the Surfer, Arye Gross e Gregory Gieras; 2000: On Music Row (TV); 2002: Time Changer, de Rich Christiano; 2008: Billy: The Early Years, de Robby Benson; 2012: Last Ounce of Courage, de Darrel Campbell; 2012: Doonby, de Peter M. Mackenzie.

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