O PECADO MORA AO LADO (1955)
“The Seven Year Itch” tem argumento de
Billy Wilder e George Axelrod, partindo de uma peça de George Axelrod, que se
baseia num tema muito trabalhado no campo do espectáculo, sobretudo na comédia:
a crise dos sete anos num matrimónio. Segundo consta das estatísticas dos
psicólogos, as relações no interior de um casamento sofrem períodos de forte
quebra de estabilidade, a cada série de sete anos. Chamam-lhe os americanos
qualquer coisa como “o desejo intenso dos sete anos”, desejo de novidade, de
transgressão. Com esta base, Billy Wilder constrói uma comédia deliciosamente
perversa, como só ele sabe fazer.
Abre com um prólogo “histórico” no qual
se recordam os costumes que existiam na ilha de Manhattan quando, há 500 anos,
esta era habitada por índios que tinham o costume de mandar as mulheres para
locais mais frescos, quando o calor ali apertava a partir do início do verão.
Elas iam, nem todas, claro, e eles ficavam a trabalhar, isto é, caçar, lançar
armadilhas, pescar. Tudo ideias que podem conter um duplo sentido, e que, neste
caso, tinham. 500 anos depois, numa estação de caminhos de ferro, os hábitos
mantêm-se.
Richard Sherman (Tom Ewell) trabalha
numa editora de livros de bolso, onde tem de tornar “atractivos” os clássicos.
Colocando, por exemplo, grandes decotes nas capas das “Mulherzinhas”. Para lá
disso, está casado há sete anos, com Helen (Evelyn Keyes). Nesse verão tórrido,
ela parte para férias com o filho, Ricky, e deixa o marido só, na grande
metrópole, entregue ao trabalho (e à tão falada crise dos sete anos). Para
cúmulo, quando chega a casa Richard descobre que o andar de cima foi subalugado
a um modelo de televisão, que no filme será conhecida apenas por “The Girl”,
mas que todos reconhecem ser Marilyn Monroe num dos seus trabalhos míticos,
aquele em que ela aparece com uma belíssima saia rodada sobre um dos
ventiladores do metropolitano de Nova Iorque, flutuando a saia ao sabor da
ventania e do desejo dos observadores (neste caso, o atarantado Richard, e nós,
espectadores do filme). A cena foi filmada primeiramente num cruzamento da rua
54 com a Maddison Avenue, ao longo de várias horas, sempre com para cima de
cinco mil mirones a rodear o exterior (entre os quais o então marido de
Marilyn, Joe Di Maggio, que não suportava os ciúmes e com esta missão
acrescentava mais achas à fogueira do próximo divórcio). Tornou-se impossível
rodar a cena, que teve de ser repetida em interiores, no estúdio da Fox. Diz-se
que todos as americanos esperavam ansiosamente este filme desde que as
fotografias desta cena apareceram nos jornais, publicitando a obra. Philip
Strassberg, crítico do “New Iork Daily Mirror”, terminava dizendo: “A paciência
foi recompensada.”
Voltando ao filme, para agravar as
coisas e pôr à prova a pouca resistência do patético Richard, a rapariga perde
a chave da porta da rua, deixa cair uma planta (um tomateiro!) no terraço
deste, procura desculpar-se, é convidada para um “drink” (diz que desce já, é
“só ir buscar o vestido que está a refrescar no congelador”!), e vai ficando
para aproveitar a frescura, agora do frigorífico do vizinho (que é sempre
melhor que a nossa), desencadeando as mais loucas fantasias em Richard.
O que levanta uma questão muito curiosa:
a peça de George Axelrod é um longo monólogo de Richard imaginando fantasias
com uma inexistente rapariga, depois de rememorar várias cenas onde se sente o
homem mais sexy do planeta que tenta afastar sempre as tentativas violentamente
apaixonadas de algumas mulheres por si seduzidas (o que o leva a inventar mesmo
uma réplica da célebre cena da praia de “Até à Eternidade”). No filme de Billy
Wilder, porém, a presença de Marilyn Monroe é tão obsidiante que se torna o
centro de atenção do filme, tornando Richard um espectador apenas. Truffaut vai
mais longe e compara esta bela comédia de Billy Wilder a um documentário sobre
Marilyn. Marilyn, o objecto do desejo.
O
PECADO MORA AO LADO
Título
original: The Seven Year Itch
Realização: Billy Wilder
(EUA, 1955); Argumento: Billy Wilder & George Axelrod, segundo peça de
George Axelrod ("The Seven Year Itch"); Produção: Charles K. Feldman,
Doane Harrison, Billy Wilder; Música: Alfred Newman, Sergei Rachmaninov
("Second Piano Concerto"); Fotografia (cor): Milton R. Krasner;
Montagem: Hugh S. Fowler; Direcção artística: George W. Davis, Lyle R. Wheeler;
Decoração: Stuart A. Reiss, Walter M. Scott; Guarda-roupa: Travilla;
Maquilhagem: Ben Nye, Helen Turpin, Allan Snyder; Direcção de produção: A.F.
Erickson, Saul Wurtzel; Assistentes de realização: Joseph E. Rickards; Som:
Harry M. Leonard, E. Clayton Ward; Efeitos Especiais: Ray Kellogg; Genérico:
Saul Bass; Companhias de produção: Charles K. Feldman Group, Twentieth Century
Fox Film Corporation; Intérpretes:
Marilyn Monroe (a rapariga), Tom Ewell (Richard Sherman), Evelyn Keyes (Helen
Sherman), Sonny Tufts (Tom MacKenzie), Robert Strauss (Mr. Kruhulik), Oskar
Homolka (Dr. Brubaker), Marguerite Chapman (Miss Morris), Victor Moore, Roxanne
(Dolores Rosedale), Donald MacBride, Carolyn Jones, Butch Bernard, Dorothy
Ford, Kathleen Freeman, Ralph Littlefield, Doro Merande, Ron Nyman, Ralph
Sanford, Mary Young, etc. ; Duração:
105 minutos; Distribuição em Portugal: Distribuição em Portugal: Fox Filmes.;
Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 6 de Fevereiro
de 1956.
MARILYN
MONROE (1926-1962)
Falar de Marilyn Monroe é tarefa quase
impossível no que diz respeito à sua biografia. Se a sua morte está ainda hoje
envolta num manto de opaca dúvida (seria suicídio ou assassinato?), tudo o mais
se rege pelos mesmos princípios. Nada é certo na sua vida e quase apetece
perguntar se Marilyn existiu realmente. Há os seus filmes, uma das poucas
realidades palpáveis e definitivas, mas, quanto ao resto, cada biografia aponta
num sentido, refuta as outras, acrescenta um ponto. Uma afirma que foi o marido
da melhor amiga da mãe que a viola aos nove anos, outra que foi aos catorze um
Zé-ninguém, o primeiro marido garante que casou com ela virgem. Mas há quem
diga que tudo principiou aos seis anos. E que aos dois a tentaram matar,
asfixiando-a com um travesseiro. Uns afirmam que o primeiro contrato com a Fox
foi celebrado em Junho, um outro em Agosto, e há também quem garanta que foi em
Setembro, coincidindo todos no ano, 1946, mas divergindo nas importâncias: um
contrato que valia para uns 125 dólares, para outros 75… Há quem diga que foi o
agente Hyde que a lançou, outros afiançam que ele nada teve a ver com o facto.
Enfim, restam os filmes, as fotos, e a lenda. A lenda que por vezes é mais
forte que a verdade, como dizia o director do jornal do filme de John Ford, “O
Homem que Matou Liberty Valance”: “Quando a lenda é mais forte que a História,
imprime-se a lenda!”
No controverso plano da biografia de
Marilyn Monroe, a ideia não foi optar pela lenda, mas tentar tecer um conjunto
de factos plausíveis, retirados de várias biografias manuseadas. A maioria
delas não possui qualquer credibilidade. E mesmo as mais credíveis, assinadas
por nomes como Norman Mailer ou Arthur Miller, são textos com muito de
subjectivo e, nalguns casos, obviamente tendenciosos. Resta-nos tentar uma
aproximação possível da vida de Marilyn, com todas as inexactidões e erros
prováveis, e falar sobretudo do mais importante, o que permanece para lá da
morte, a lenda, o mito, e os filmes.
De nome de baptismo chamava-se Norma
Jean Mortensen, mas começou por ser conhecida por Norma Jean Baker. Nasceu a 1
de Junho de 1926, no Los Angeles General Hospital, em Los Angeles, Califórnia,
EUA, e teve uma infância difícil. A mãe, Gladys Baker Monroe, chegou a
trabalhar no cinema, como montadora de negativo, teve problemas psiquiátricos,
esteve presa várias vezes e vivia permanentemente em condições de quase penúria
extrema. Morreu num asilo psiquiátrico, com o diagnóstico de
esquizofrénica-paranóica, e há quem diga que matara com uma facada, a melhor
amiga, Grace McKee. A mesma cujo marido terá abusado sexualmente de Norma Jean,
quando esta tinha apenas nove anos. As recordações de infância não poderiam, no
entanto, ser mais dramáticas.
Já a avó materna fora internada num hospício
depois de ter tentado sufocar a neta com um travesseiro. Do pai, Norma Jean
pouco soube e nenhuma certeza teve. Há quem fale num tal Edward Mortensen, que
garantem ter sido padeiro e que morrera vítima de um acidente de viação, antes
de Marilyn nascer. Mas um outro biógrafo afirma que este mesmo Mortensen morreu
aos 81 anos, em Riverside, de um ataque de coração. Há quem afirme, todavia,
que o pai era um amigo desse Edward, colega da mãe na Consolidated Film
Industries, e que se chamava Charles Stanley Gifford. Quando o tentou
encontrar, ainda no início da sua carreira, este mandou dizer pelo telefone que
se tinha alguma reclamação a apresentar se dirigisse ao seu advogado. Mais
tarde, no auge da sua fama, Gifford tentou a aproximação, mas Norma Jean
recordou-lhe então esta conversa.
Atendendo à instabilidade emocional da
mãe, e ao facto de esta ser mãe solteira, Norma Jeane foi para casa de uma
família adoptiva, a do muito religioso (fundamentalista!) casal Albert e Ida
Bolender. Foi aqui que viveu os primeiros sete anos da sua vida: “Eram
terrivelmente severos… não era por mal… era a sua religião. Educaram-me com
muita severidade.” Mas à severidade de uns correspondia a depravação de outros.
Em Outubro de 1933, com as finanças mais equilibradas, Gladys passa a viver por
algum tempo com a filha Norma Jean. Em Setembro de 1935, com nove anos de
idade, depois de ter sido (novamente?) violada (fala-se de um enigmático Mr.
Kimmell, que poderia ter sido o actor inglês Murray Kinnell), foi para um
orfanato, o Los Angeles Orphan’s Home, onde permaneceu até Junho de 1937, em
condições, relatadas por ela, dignas de um romance de Dickens. Jura que teve de
lavar quantidades enormes de louça e se banhava em água suja, apanhava surras
com escovas de cabelo e vivia infeliz: “Nessa altura, o mundo à minha volta era
deprimente. Tive de aprender a fingir para… não sei… afastar a tristeza. O
mundo todo parecia que me estava fechado… (Sentia-me) de fora de tudo e a única
coisa que eu podia fazer era sonhar uma espécie de mundo de faz-de-conta.”
Em Setembro de 1941, Norma Jean, depois
de várias outras peripécias, estava a viver com Grace McKee que a encorajou a
casar com o jovem Jim Dougherty, cinco anos mais velho do que ela. Casaram no
dia 19 de Junho de 1942: “Grace McKee arranjou-me o casamento, eu não tive
alternativa. Não há muito a dizer acerca disso. Eles não me podiam sustentar e
tinham que arranjar qualquer coisa. E foi assim que me casei”. Compreende-se
que, com apenas 16 anos, Norma Jean se case com Jimmy Dougherty, um jovem de 21
anos que conheceu quando trabalhava na Rádio Plane, em Van Nuys, Califórnia,
uma fábrica de construção de aeronaves. O casamento funcionou como uma forma de
libertação, um escape. De pouca duração. Dougherty alistou-se na Marinha em 1943
e, no ano seguinte, foi enviado para a frente da batalha. Ela ficou.
Divorciaram-se em Junho (ou Setembro?) de 1946. Antes, em 1944, Marilyn foi
fotografada na fábrica de material militar por David Conover um repórter
fotográfico. O Exército encomendara as fotos com o intuito de divulgar o papel
e a contribuição das mulheres durante a guerra. O fotógrafo, que havia sido
enviado nessa missão pelo capitão Ronald Reagen, pediu permissão para fazer
mais fotos e Marilyn dava início à sua carreira de modelo. Emmeline Snively,
directora do “Blue Book Modeling Agency” ficou entusiasmada com o que viu e
contratou-a como modelo. Cinco dólares por hora. A primeira capa foi a de
“Family Circle”, aparecida a 26 de Abril de 1946. No ano seguinte, a beleza de
Norma Jean tornou-se imensamente popular, sendo capa de 33 das revistas mais
famosas. Entretanto, deixara o trabalho na fábrica e assume a tempo inteiro uma
carreira de modelo. O seu fito é, no entanto, chegar ao cinema.
O sucesso como modelo fotográfico leva a
20th Century-Fox a contratá-la no dia 26 de Agosto de 1946 (admitamos como
certa esta data!). Foi Howard Hughes quem a notou antes e lhe propôs uns
testes. Zanuck, o patrão da Fox, não estava muito inclinado sequer para o
teste, mas quando o viu ficou entusiasmado e Marilyn assina um contrato de 75
dólares por semana (admitamos como certa esta importância!). Billy Wilder, mais
tarde, diria que Zanuck ficou particularmente tentado pelo “impacto sensual”, e
acrescentou: “Há raparigas que têm uma pele que parece viver na fotografia.
Temos a impressão de que as podemos tocar.” Norma Jean era uma delas. Pouco
depois, e por sugestão da Fox (dizem que por sugestão de Bent Lyon), Norma Jean
começou a assinar o nome Marilyn Monroe. Monroe vem da sua mãe e Marilyn da actriz
Marilyn Miller. A primeira aparição de Marilyn foi numa pequena cena, em 1947,
no filme "The Shocking Miss Pilgrim". Seguiu-se-lhe “Scudda Hoo!
Scudda Hay!” onde a sua contribuição a nível de diálogo se resumia a um “Hi!”,
ainda assim cortado na montagem definitiva. “Dangerous Years” mostra-a num
grande plano, o que não foi suficiente para a Fox manter o contrato.
Dispensada, foi para a Columbia, em cujo primeiro filme, “Ladies of the
Chorus”, interpreta a personagem secundaríssima da “strip-teaseuse” Peggy
Martin, que canta a famosa canção “Every Baby Needs a Da-Da-Daddy”. Mas também
a Columbia não ficou entusiasmada com o concurso de Marilyn, e foi de novo
dispensada, depois de algumas outras curtas aparições. Voltou a trabalhar como
modelo, até que respondeu a um anúncio para um papel num filme que seria o
último dos Irmãos Marx: “Love Happy”. Ela recorda o episódio: “Éramos três e
Groucho pedia a cada uma para dar alguns passos à sua frente. Eu fui a única
que ele pediu para recomeçar, segredando-me antes ao ouvido: “Tu tens o mais
belo rabo da profissão!” Era um cumprimento, não uma grosseria.” Uma cena de
minuto e meio, e foi tudo. Continuou a representar pequenos papéis, mas surge
então (1949) uma personagem que irá ter algum significado na vida de Marilyn,
Johnny Hyde, agente da William Morris Agency e rapidamente seu amante, que
encontra numa recepção em Palm Springs e que se mostra entusiasmado com o
futuro da prometedora actriz. Hyde está profundamente apaixonado por Marilyn,
propõe-lhe casamento. Ela recusa, apesar da fortuna que poderia herdar
rapidamente. Hyde estava gravemente doente do coração, explica-lhe que terá
pouco tempo de vida, mas Marilyn confessa-lhe que “tem muita afeição por ele,
que o acha um homem delicado, meigo, brilhante, um amigo querido, mas que não
está apaixonada.” A família do defunto pede-lhe para não ir ao enterro. Mas ela
vai. É ainda em 1949 que Marilyn aceita posar nua para um calendário, facto que
mais tarde irá acarretar inúmeras críticas e contestação, quando a actriz era
já uma vedeta, o que lhe valeu uma réplica célebre: “Hollywood é um lugar onde
te pagam mil dólares por um beijo e cinquenta cêntimos pela tua alma.” Na
verdade, a foto de Tom Kelley deu-lhe 50 dólares a ganhar e conseguiu um lucro
de mais de 750.000.
Foi Johnny Hyde quem, em 1950, chamou a
atenção do realizador John Huston para Marilyn. Ele viu uma das suas
“aparições” no ecrã e resolve dar-lhe uma oportunidade de maior relevo em
"Asphalt Jungle", depois de um teste lendário: Marilyn aparece com os
peitos reforçados por “kleenexs” para causar melhor impressão, John Huston, ele
próprio, alivia-a desses apêndices e diz-lhe para ela “passar o texto”. Marilyn
pede para se deitar no chão, pois a cena seria passada numa cama, e não se
cansa de repetir a “deixa”. Será Huston a mandá-la calar, dizendo “Basta, o
papel é teu. Aparece segunda-feira no estúdio às nove horas.” Será a “sobrinha”
de Louis Calhern, um advogado corrupto num grupo de “gansgters”, que ela
atraiçoa, neste “filme negro” que se tornou um clássico do género.
Esta obra abre-lhe as portas para novas
oportunidades, cada vez mais influentes. O seu desempenho em "All About
Eve", também em 1950, gerou alguma notoriedade, e ficou a dever-se ao
facto de Joseph L. Mankiewicz a ter visto em “Quando a Cidade Dorme”. Nesta
obra-prima que aborda o universo do cinema, Marilyn é uma jovem estudante de
arte dramática e aparece ao lado de nomes consagrados como os de Bette Davis,
Anne Baxter, George Sanders, Gary Merrill ou Celeste Holm. Quem a viu nos primeiros
dias de filmagens percebeu o terror em que a mesma vivia. Chegava com horas de
atraso ao estúdio, não conseguia fixar uma linha de texto, obrigava cada plano
a ser filmado para cima de vinte vezes. Seria o início de um longo calvário
(que se iria prolongar nos mesmos termos até ao fim da sua carreira) para os
realizadores, produtores e colegas actores que consigo contracenavam, mas seria
igualmente um pesadelo para a própria Marilyn, vítima da insegurança e da
fragilidade psicológica de uma Norma Jean nunca amada, nunca desejada como
pessoa, apenas cobiçada como corpo erótico para satisfação de sonhos de homens
(e mulheres) que viam nela apenas um objecto sexual facilmente descartável
depois de utilizado.
Toda a vida de Marilyn parece evoluir
entre duas realidades psicológicas contraditórias: por um lado a necessidade de
ser desejada a todo o preço, de se sentir cortejada, adulada, nem que para tal
se tenha de converter num mero “sex symbol” de uma geração (ou de várias); por
outro lado a imperiosa exigência de romper com esse estatuto de
mulher-brinquedo, loura e desmiolada, apenas desejada pelo seu busto, o seu
andar, a generosidade da sua sensualidade explosiva. Neste caso, Marilyn
pretendia acima de tudo ser olhada como mulher, como actriz, como alguém que
pensa e sente, que lê bons livros e é capaz de ser amada por um dos mais
prestigiados escritores norte-americanos do seu tempo (Arthur Miller, vítima de
perseguições durante o “machartismo”, e a quem Marilyn soube apoiar nos
momentos de crise), ou pelos presidenciáveis Kennedys. Esta duplicidade de
desejo nunca resolvida, este esboço de esquizofrenia latente, ficou marcada no
seu corpo pelas mãos dos mais importantes homens da América, desde presidentes
a escritores, de produtores a cantores, de actores a realizadores, de agentes a
multimilionários.
Marilyn queria ser a um tempo
“maravilhosa” e/ou “apenas uma mulher” e uma “boa actriz”. O espantoso, porém,
e talvez seja essa a razão maior da criação de um mito que nada irá apagar
nunca, é a permanência de uma inocência inatacável no seu olhar, a fragilidade
doce e etéreo de um corpo que todos desejam e ninguém parece macular. Para lá
de todas as feridas que os anos vão acumulando, a sua pele continua “a apetecer
ser tocada”, tal como uma deusa misteriosa de desígnios insondáveis. O mito
nasce.
"Clash By Night", de Fritz
Lang, em 1952, merece igualmente boas referências da crítica. Marilyn conhece
Joe DiMaggio no início de 1952, ela tem 25 anos, ele 37. DiMaggio tinha-se
retirado do basebol norte-americano, concluindo uma carreira de astro. Há
tempos que manifestara o desejo de conhecer a sua actriz preferida e em
Fevereiro desse ano o romance explode nas páginas das revistas. “Fiquei
surpreendida por me apaixonar de tal maneira por Joe, disse Marilyn. Esperava
que ele fosse do género do desportista flamejante de Nova Iorque, e em vez
disso deparei com um tipo reservado que não se atirou a mim logo imediatamente.
Joe é um homem muito decente que faz as outras pessoas sentirem-se decentes
também.” 1952 marca ainda pontos na carreira cinematográfica de Marilyn, que
filma "Niagara", de Henry Hathaway, com Joseph Cotten, uma obra que
ajuda a consolidar o seu estatuto de vedeta. "Gentlemen Prefer
Blondes", de Howard Hawks, é o título seguinte, que a reúne a Jane
Russell. Ambas irão assinar e deixar as marcas de mãos e pés no cimento que
fica no passeio frente ao Chinese Theatre, em Hollywood Boulevard. Este tinha
sido o local que Marilyn havia visitado quando criança, acompanhada pela mãe e
pela amiga Grace. Tinha sido ali que havia jurado a si própria: “Quero ser uma
grande estrela para lá de tudo o resto!" Conseguira-o. Em 14 de Janeiro de
1954, Marilyn casa-se pela segunda vez, desta feita com Joe DiMaggio. Apenas
nove meses depois, a 27 de Outubro de 1954, divorciaram-se. O advogado de
Marilyn explicou, em conferência de imprensa, que o motivo da separação foi “um
conflito entre de carreiras”. Ou apenas mais um equivoco.
A celebridade da actriz é total e isso
mesmo fica demonstrado na visita que Marilyn Monroe faz às tropas americanas
deslocadas na Coreia. São 60.000 mil militares em estado de completa euforia
que a recebem em apoteose. Após participar em vários filmes como apenas mais um
belo rosto de Hollywood, Marilyn Monroe estava pronta para transformar a sua
imagem através de uma séria actuação profissional. Queria deixar os papéis de
tontinha e interpretar Dostoievski. Em 1956, Marilyn parte para Nova Iorque e
dá início aos seus estudos sob a direcção de Lee Strasberg, no Actors Studio,
uma casa que formara Marlon Brando, James Dean ou Paul Newman, entre tantos
outros. Nesse mesmo ano, junto com o fotógrafo Milton Greene, Marilyn lançou a
“Marilyn Monroe Productions”, uma produtora que irá intervir na concretização
de alguns projectos futuros, como "Bus Stop", de Joshua Logan, (1956)
e "The Prince and the Showgirl", de Laurence Olivier (1957). Em ambos
os filmes ficam documentados os progressos da actriz em importantes papéis que
exigem mais do que um rosto bonito e um corpo escultural. Em Londres, com Laurence
Olivier como actor e realizador, Marilyn protagoniza um dos episódios mais
desequilibrados da sua carreira, chegando sempre ao estúdio fora de horas e
provocando a ira de Olivier. Tudo indica que será a partir desta época que a
sua instabilidade psicológica se agrava.No dia 29 de Junho de 1956, depois de
vários casos sentimentais, amplamente testemunhados pela imprensa de coração de
todo o mundo, Marilyn Monroe casa com o dramaturgo Arthur Miller.
Entretanto, Billy Wilder, outro dos
grandes cineastas norte-americanos, ainda que de origem europeia (austríaco), o
que lhe confere um tipo de humor diferente, mais adulto e cínico, dirige
Marilyn em duas das suas melhores comédias, “The Seven Year Itch” (1955) e,
sobretudo, “Some Like it Hot” (1959). Em 1960, outro mestre americano, George
Cukor realiza “Let’s Make Love”, onde Marilyn contracena com Yves Montand e
nova situação explosiva se insinua durante a rodagem. A proximidade de Montand
e Monroe não deixa ninguém indiferente, a começar pelos próprios. Durante as
filmagens, Arthur Miller parte subitamente para o Nevada, deixando o par de
actores entregue ao seu romance. Explosivo. Yves Montand, acabado o filme,
regressa a Paris e à sua mulher, a actriz Simone Signoret. Marilyn sofre novo
abalo.
O filme "The Misfits", último
trabalho terminado da actriz, é escrito propositadamente por Miller para
Marilyn, colocando-a ao lado de Clark Gable, que desde a infância, era o seu
actor preferido e o homem que ela gostaria de ter tido como pai, ou algo mais. Tudo
indica que Marilyn teria um problema edipiano mal resolvido, e toda a sua vida
emocional e sexual parece ser uma longa procura do pai que nunca teve. Não será
necessário ser um psiquiatra muito atento para inferir desta vida consumida em
excessos uma conclusão destas. Um conjunto invulgar de episódios trágicos marca
“Os Inadaptados”, que mantinha constantemente em estúdio, durante as filmagens,
médicos para acompanharem quer Marilyn Monroe quer Montgomery Clift. Em Agosto
de 1960, Marilyn é hospitalizada e as filmagens suspensas. Retomadas pouco
depois, são concluídas em 4 de Novembro. A 11 do mesmo mês anuncia-se a
separação de Marilyn e Miller e, a 16, Clark Gable morre vítima de um ataque
cardíaco. Marilyn é acusada por Kay Gable, mulher do actor, de ter sido a causa
da sua morte. O casamento entre Miller e Marilyn teve fim com o divórcio de 20
de Janeiro de 1961. Em Fevereiro, Marilyn tenta suicidar-se atirando-se de uma
janela, mas fracassa nos seus intentos, sendo internada novamente numa clínica
psiquiátrica de Nova Iorque. A dependência de drogas e do álcool acentua-se
dramaticamente.
Em 1962, Marilyn foi considerada a
estrela mais popular do mundo ("World's Most Popular Star"),
demostrando a sua fama e o reconhecimento internacional. No dia 5 de Agosto do
mesmo ano, com apenas 36 anos de idade, Marilyn Monroe morreu enquanto dormia,
na sua casa de Brentwood, Califórnia. Tinha o telefone a seu lado. Uma dose
excessiva de barbitúricos foi a causa apontada na autópsia. Mas a sua morte
continua envolta em mistério. Fala-se em assassinato. O seu romance com os
Kennedys vem à baila. O envolvimento com John F. Kennedy iniciara-se em finais
de 1961. Na gala da celebração do aniversário do Presidente, no Madison Square
Garden, a 6 de Maio de 1962, Marilyn canta o famoso "Happy Birthday To Mr.
Presidente.” Também Bobby Kennedy ficou ligado a Marilyn com a suspeita de um
“affair” numa data já muito próxima da sua morte. Por tudo isto, há quem fale
de um silenciamento para impedir a revelação de algo comprometedor para alguém
envolvido emocional e sexualmente com a actriz. O seu corpo foi sepultado no
Westwood Memorial Park, em Los Angeles, Corridor of Memories, 24. Deixou atrás
de si trinta filmes, entre os quais um, inacabado, "Something's Got to
Give". “Sei que pertenço ao público e ao mundo, não porque seja
especialmente talentosa e bela, mas porque nunca pertenci a nada ou ninguém
mais.”
Filmografia:
Como actriz: 1947: The Shocking Miss
Pilgrim (Sua Alteza a Secretária), de George Seaton; Dangerous Years, de Arthur
Pierson; 1948: Scudda Hoo! Scudda Hay! ou Summer Lightning (Encanto da
Mocidade), de F. Hugh Herbert; Ladies of the Chorus, de Phil Karlson; 1950:
Love Happy ou Kleptomaniacs (Loucos por Mulheres), de David Miller, Leo McCarey
(não creditado); A Ticket to Tomahawk, de Richard Sale; The Asphalt Jungle
(Quando a Cidade Dorme), de John Huston; All About Eve (Eva), de Joseph L.
Mankiewicz; The Fireball ou The Challenge, de Tay Garnett; Right Cross (Por um
Amor), de John Sturges; 1951: Home Town Story, de Arthur Pierson; As Young as
You Feel (Tão Jovem Quanto Possível), de Harmon Jones (TV); Love Nest (Um Ninho
de Amor), de Joseph M. Newman (TV); Let's Make It Legal (Reconciliação), de
Richard Sale (TV); 1952: Clash by Night (Conflito Nocturno), de Fritz Lang;
We're Not Married! (Não Estamos Casados), de Edmund Goulding; Don't Bother to
Knock (Os Meus Lábios Queimam), de Roy Ward Baker; Monkey Business (A Culpa Foi
do Macaco), de Howard Hawks; O. Henry's Full House (Páginas da Vida), de Henry
Hathaway, Howard Hawks, Henry King, Jean Negulesco e Henry Koster (episódio
"The Cop and the Anthem", com Marilyn Monroe); 1953: Niagara
(Niagara), de Henry Hathaway; Gentlemen Prefer Blondes (Os Homens Preferem as
Loiras), de Howard Hawks; How to Marry a Millionaire (Como se Conquista um
Milionário), de Jean Negulesco; 1954: River of No Return (Rio sem Regresso), de
Otto Preminger e Jean Negulesco (este não creditado); There's No Business Like
Show Business (Parada de Estrelas), de Walter Lang; 1955: The Seven Year Itch
(O Pecado Mora ao Lado), de Billy Wilder; 1956: Bus Stop (Paragem de
Autocarros), de Joshua Logan; 1957: The Prince and the Showgirl (O Príncipe e a
Corista), de Laurence Olivier; 1959: Some Like It Hot (Quanto Mais Quente,
Melhor), de Billy Wilder; 1960: Let's Make Love ou The Millionaire (Vamo-nos
Amar), de George Cukor; 1961: The Misfits (Os Inadaptados), de John Huston;
1962: Something's Got to Give, de George Cukor (inacabado).