ATÉ À ETERNIDADE (1953)
“From
Here to Eternity” começou por ser um romance de James Jones, lançado em 1951 e
que desde logo alcançou um grande sucesso. O título foi arrancado de um poema
de Rudyard Kipling, "Gentlemen Rankers", onde se falava de
"damned from here to eternity". James Jones falava da sua experiência
pessoal numa guarnição militar norte-americana pacificamente instalada no
início da década de 40 no Havai, perto de Honolulu, e paredes meias com Pearl
Harbor. Estamos no verão de 1941, e os problemas são os inerentes a uma
qualquer colónia humana, com homens em exercícios militares e algumas mulheres
de oficiais a passearem a sua ociosidade e desejos mal satisfeitos. A instrução
é violenta, nalguns casos ultrapassa a tortura, como no caso do soldado Robert
E. Lee Prewitt (Montgomery Clift), que é tomado de ponta pelo capitão da sua
companhia, Dana Holmes (Philip Ober), que, sabendo dos seus dotes de pugilista,
o quer integrado na sua equipa, com vista a uma promoção pessoal. Mas Prewitt
recusa sistematicamente incorporar-se no grupo de boxe, traumatizado que está
por experiências passadas. Esta rejeição leva-o a sujeitar-se às mais
sistemáticas humilhações psicológicas e torturas físicas. O mesmo acontece com
o seu amigo Angelo Maggio (Frank Sinatra), que o guarda da prisão mortifica de
forma desapiedada, quando o apanha atrás das grades, à sua mercê. O sargento
Milton Warden (Burt Lancaster) é um dos homens mais equilibrados do quartel,
impondo com disciplina as ordens superiores, mas atenuando a sua aspereza e
arbitrariedade com algum humanismo. Aproveitando para, nos intervalos, saciar a
solidão de Karen Holmes (Deborah Kerr), a mulher do capitão. Entre as
principais personagens falta ainda referir Lorene, para os clientes do bar de
alterne, onde recebe os soldados em folga, Alma para os amigos e para Robert E.
Lee Prewitt, que por ela se apaixona (Donna Reed). A II Guerra Mundial acontece
na Europa e ali os choques são os normais num tempo de paz que anuncia
tormenta. O que acontece com o ataque dos japoneses a Pearl Harbor e que, por
tabela, irá atingir também aquela unidade dos EUA.
Conflitos
e paixões à solta num huis-clos que antecede a tragédia e a entrada dos
americanos na II Guerra Mundial, “From Here to Eternity”, o livro, que não
conheço, parece ser muito mais intenso e duro do que o filme que dele foi
retirado dois anos depois (1953), com argumento de Daniel Taradash e realização
de Fred Zinnemann, que, no ano anterior, tinha estreado com enorme êxito “O
Comboio Apitou Três Vezes” (o célebre “High Noon”). Quando se falou na hipótese
da Columbia estar interessada em adaptar o romance, a censura caiu em cima do
estúdio e do produtor Harry Cohn que, por isso, ganhou uma alcunha apropriada,
"Cohn's Folly", ou seja, mais ou menos, “a loucura de Cohn”. Na
verdade, a obra literária era de um realismo vigoroso, quer quanto à vida numa
instituição militar, à violência de certas arbitrariedades que roçam o mais
extremado sadismo, à corrupção, ao jogo e ao álcool, quer quanto ao clima
sensual, onde há um pouco de tudo, de prostituição a adultérios, passando
inclusive por homossexualismo. Tudo temas mais que proscritos pelo Código Hays.
Por isso o argumentista Daniel Taradash teve de “adaptar” muito (e com muito
tacto) esta história para que a mesma conseguisse passar pelo crivo do olhar
dos censores. Atenuando aqui e anulando ali, insinuando um pouco, e mostrando
alguma coisa, lá conseguiu chegar a bom porto, de tal forma que foi um dos 13
nomeados para os Oscars do Ano, e haveria de ser mesmo um dos oito contemplados
finais com a desejada estatueta. Mas as sugestões homossexuais (quase)
desapareceram, a brutalidade do sargento 'Fatso' Judson passam de banais a
excepcionais, fruto de uma mente patológica, e o capitão Holmes, em lugar de
ser promovido, é castigado pela hierarquia.
Este
filme foi um dos grandes sucessos do ano em todo o mundo, tendo ganho ainda
mais sete Oscars: Melhor Filme, Melhor Realizador (William Wyler), Melhor Actor
Secundário (Frank Sinatra),Melhor Actriz Secundária (Donna Reed), Melhor
Fotografia (preto e branco) (Burnett Guffey), Melhor Som e Melhor Montagem.
Tinha sido ainda nomeado para Melhor Actor (2 nomeações, Montgomery Clift e
Burt Lancaster), Melhor Actriz (Deborah Kerr), Melhor Música e Melhor
Guarda-Roupa (a preto e branco). O seu triunfo de crítica foi acompanhado pelo
de bilheteira, tendo ficando apenas atrás de “A Túnica” (The Rope), que viveu
sobretudo do facto de ser o primeiro filme em Cinemascope.
A
realização de Fred Zinnemann tem alguns momentos magníficos. Refira-se a abrir
a nunca por demais citada cena de amor na praia, com Burt Lancaster e Deborah
Kerr enrolados pelas ondas que agitam o areal, ou uma fabulosa sequência de
ajuste de contas entre Montgomery Clift e Ernest Borgnine, quase toda ela
elidida, sugerindo muito mais do que mostrando, ou o ataque nipónico ao
quartel. A verdade é que a qualidade da realização se socorre muito do trabalho
de um elenco de eleição (julgo que Montgomery Clift e Burt Lancaster
ultrapassam todos os outros), onde existem deliberadamente castings
aparentemente despropositados que todavia resultam brilhantemente. Quem
imaginaria antes Montgomery Clift boxeur e um duro de antes quebrar que torcer?
Quem colocaria a elegante e senhoril Deborah Kerr no papel de uma mulher
adúltera? Quem inventaria um papel de prostituta para a noiva de James Stewart
em “Do Céu Caiu uma Estrela”? Já as más-línguas dizem que quem inventou o papel
de Frank Sinatra (afastando Eli Wallach, que havia sido o escolhido
previamente) terá sido a Mafia, que o impôs para relançar a carreira do
cantor-actor, então num momento desastroso da sua trajectória, ainda por cima
em crise conjugal com a sua adorada Ava Gardner. Imposto ou não, o certo é que
o seu Oscar haveria de o recolocar na senda do êxito.
Não
deixa de ser curioso saber-se que inicialmente os actores previstos eram Aldo
Ray, Edmond O'Brien, Joan Crawford, Julie Harris e Eli Wallach para os papéis
finalmente atribuídos a Clift, Lancaster, Kerr, Reed e Sinatra.
Rodado
parcialmente em estúdio e durante três semanas nas instalações militares de
Schofield Barracks, no Hawai, esta obra contaria com várias outras versões,
dado o seu sucesso. Em 1978, o canal ABC-TV criou uma mini-série, “Pearl”, com
Angie Dickinson e Dennis Weaver. No ano seguinte, surgiu um teledramático de
duas horas, “From Here to Eternity”, com um vasto elenco (William Devane,
Natalie Wood, Steve Railsback, Joe Pantolino, Peter Boyle e Kim Basinger), com
realização de Buzz Kulik. Em 1980, daria uma mini-série. Michael Bay, por seu
turno, em 2001, rodaria “Pearl Harbor”, uma superprodução adocicada por um lado
e truculenta por outro, que não despertou grande entusiasmo a não ser pelas
suas cenas de pirotecnia.
Em
Outubro de 2012, o Shaftesbury Theatre anunciava para Setembro do ano seguinte
a estreia de “From Here to Eternity - the Musical”, baseado num argumento de
Bill Oakes com encenação de Tamara Harvey, coreografia de Javier De Frutos,
orquestração de David White, cenários e guarda-roupa de Soutra Gilmour, com
música original de Stuart Brayson e poemas de Tim Rice. Foram sete meses e meio
de representações com um elenco composto por Darius Campbell (Warden), Robert
Lonsdale (Prewitt), Ryan Sampson (Maggio), Siubhan Harrison (Lorene) e Rebecca
Thornhill (Karen). Estreou realmente a 30 de Setembro de 2013, e terminou a
carreira a 29 de Março de 2014.
ATÉ À ETERNIDADE
Título original: From Here to
Eternity
Realização: Fred Zinnemann (EUA, 1953);
Argumento: Daniel Taradash, segundo romance de James Jones; Produção: Buddy
Adler; Música: George Duning; Fotografia (p/b):
Burnett Guffey, Floyd Crosby (este último não creditado); Montagem:
William A. Lyon; Casting: Maxwell Arnow; Direcção artística: Cary Odell;
Decoração: Frank Tuttle; Guarda-roupa: Jean Louis; Maquilhagem: Clay Campbell,
Helen Hunt, Robert J. Schiffer; Assistente de realização: Earl Bellamy; Som:
Lodge Cunningham, John P. Livadary; Companhia de produção: Columbia Pictures
Corporation; Intérpretes: Burt
Lancaster (Sgt. Milton Warden), Montgomery Clift (Robert E. Lee Prewitt), Deborah Kerr (Karen
Holmes), Donna Reed (Alma / Lorene), Frank Sinatra (Angelo Maggio), Philip Ober
(Capt. Dana Holmes), Mickey Shaughnessy (Sgt. Leva),
Harry Bellaver (Mazzioli), Ernest Borgnine (Sgt. 'Fatso' Judson), Jack Warden
(Corp. Buckley), John Dennis (Sgt. Ike Galovitch), Merle Travis (Sal Anderson),
Tim Ryan (Sgt. Pete Karelsen), Arthur Keegan, Barbara Morrison, Claude Akins,
Vicki Bakken, Margaret Barstow, Henry Beau, Willis Bouchey, John Bryant, Mary
Carver, John L. Cason, Mack Chandler, John Davis, Don Dubbins, Elaine DuPont,
Moana Gleason, Robert Healy, Douglas Henderson, June Horne, James Jones, Robert
Karnes, Manny Klein, Edward Laguna, Carey Leverette, Weaver Levy, William
Lundmark, Freeman Lusk, Tyler McVey, Kristine Miller, Patrick Miller, Robert
Pike, Allen Pinson, George Reeves, Joe Roach, Fay Roope, Delia Salvi, Louise
Saraydar, Alvin Sargent, Joseph Sargent, Joan Shawlee, Al Silvani, Angela
Stevens, Brick Sullivan, John Veitch, Guy Way, Norman Wayne, Robert J. Wilke,
Jean Willes, Norman Wright, Carleton Young, etc. Duração:
118
minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Columbia TriStar Warner Filmes de
Portugal / Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de
estreia em Portugal: 5 de Novembro de 1954.
DEBORAH KERR (1921-2007)
Deborah
Jane Kerr-Trimmer nasceu a 30 de Setembro de 1921, em Helensburgh, Glasgow, na
Escócia, e viria a falecer a 16 de Outubro de 2007, aos 86 anos, em Botesdale,
Suffolk, Inglaterra, atormentada pela doença de Parkinson. Deixou viúvo o
escritor Peter Viertel, com quem esteve casada mais de 47 anos. Antes havia
sido casada com Anthony Bartley, piloto da força aérea (1945–1959). Foi
coleccionando prémios e honrarias ao longo da sua extensa carreira como actriz,
tendo sido nomeada por seis vezes para o Oscar de Melhor Actriz, que nunca
ganhou, mas foi-lhe atribuído um Oscar honorário, por ter sido “uma artista de
impecável graça e beleza, uma dedicada actriz cuja carreira se pautou sempre
pela exigência de perfeição, disciplina e elegância”.
Filha
de Kathleen Rose e Arthur Charles Kerr-Trimmer, um capitão veterano que perdeu
uma perna durante a I Guerra Mundial, e se dedicaria depois à engenharia civil.
Kerr estudou na Northumberland House School, em Henleaze, Bristol, e na
Rossholme School, Weston-super-Mare. A sua orientação inicial terá sido o
bailado, tendo mesmo aparecido enquanto tal, em 1938, num palco de Sadler's
Wells. Mas rapidamente o teatro e o cinema a conquistariam. Teve como primeiro
professor de arte dramática um tio, Phyllis Smale, professor na Hicks-Smale
Drama School, em Bristol. Surgiu em várias produções teatrais, em muitas
encenações de Shakespeare para o Open-Air Theatre, ou o Oxford Playhouse. Em
Londres, no West End, no início da década de 40.
Surge
no cinema em obras da dupla Michael Powell e Emeric Pressburger (numa das suas
obras autobiográficas, Powell confessa que ele e Deborah Kerr foram amantes
nessa época), e interpretou dezenas e dezenas de filmes, sempre deixando marca
da sua beleza, elegância e talento. Nalguns poderia parecer fria e distante,
mas noutros deixou vir ao de cima a sua arrojada sensualidade. Alguns actores
que com ela contracenaram, como Stewart Granger ou Burt Lancaster, contam como
foram seduzidos por esta mulher “The Life and Death of Colonel Blimp”, “Black
Narcissus”, “Separate Tables”, “Quo Vadis”, “The Innocents”, “Heaven Knows, Mr.
Allison”, “Julius Caesar”, “The King and I”, “An Affair to Remember”, “Tea and
Sympathy” ou “From Here to Eternity” são apenas alguns exemplos onde ficou
registado o fascínio da sua presença.
Filmografia
Como actriz: 1940: Contraband, de Michael
Powell (cena retirada da montagem final); 1941: Major Barbara, de Gabriel
Pascal; Love on the Dole, de John Baxter; 1942: Penn of Pennsylvania (Penn, o
Fundador da Pensilvânia), de Lance Comfort; Hatter's Castle (O Castelo do Homem
sem Alma), de Lance Comfort; The Day Will Dawn, de Harold French; A Battle for
a Bottle (curta, de animação); 1943: The Life and Death of Colonel Blimp (A
Vida do Coronel Blimp), de Michael Powell e Emeric Pressburger; 1945: Perfect
Strangers (Férias de Casamento); 1946: I See a Dark Stranger (A Espia da
Irlanda), de Jack Conway; 1947: Black Narcissus (Quando os Sinos Dobram), de
Michael Powell e Emeric Pressburger; The Hucksters (Traficante de Ilusões), de
Jack Conway; If Winter Comes (Intriga), de Victor Saville; 1949: Edward, My Son
(Meu Filho Eduardo), de George Cukor; 1950: Please Believe Me, de Norman
Taurog; King Solomon's Mines (As Minas de Salomão), de Compton Bennett; 1951:
Quo Vadis (Quo Vadis), de Mervyn LeRoy; 1952: The Prisoner of Zenda (O
Prisioneiro de Zenda), de Richard Thorpe; Thunder in the East (Tempestade no
Oriente), de Charles Vidor; 1953: Young Bess (Amor de Rainha), de George
Sidney; Julius Caesar (Júlio César), de Joseph L. Mankiewicz; Dream Wife (A
Esposa Ideal), de Sidney Sheldon; From Here to Eternity (Até à Eternidade), de
Fred Zinnemann; 1955: The End of the Affair (O Fim da Aventura), de Edward
Dmytryk; 1956: The Proud and Profane (Ela Amou Um Bruto), de George Seaton; The
King and I (O Rei e Eu), de Walter Lang (dobrada nas
canções por Marni Nixon); Tea and Sympathy (Chá e Simpatia), de Vincente
Minnelli; 1957: Heaven Knows, Mr. Allison (O Espírito e a Carne), de John
Huston; An Affair to Remember (O Grande Amor da Minha Vida), de Leo McCarey;
Kiss Them for Me (Quatro Dias de Loucura) (dobrada nalgumas cenas por Suzy
Parker); 1958: Bonjour Tristesse (Bom Dia, Tristeza), de Otto Preminger;
Separate Tables (Vidas Separadas), de Delbert Mann; 1959: The Journey
(Crepúsculo Vermelho), de Anatole Litvak; Count Your Blessings, de Jean
Negulesco; Beloved Infidel, de Henry King; 1960: The Sundowners (Três Vidas
Errantes), de Fred Zinnemann; The Grass Is Greener (Ele, Ela e o Marido), de
Stanley Donen; 1961: The Naked Edge, de Michael Anderson; The Innocents (Os
Inocentes), de Jack Clayton; 1963: ITV Play of the Week (episódio Three Roads
to Rome); 1964: On the Trail of the Iguana; The Chalk Garden, de Ronald Neame;
The Night of the Iguana (A Noite de Iguana), de John Huston; 1965: Marriage on
the Rocks (Divórcio à Americana), de Jack Donohue; 1966: Eye of the Devil, de
J. Lee Thompson; 1967: Casino Royale (Casino Royale), de Val Guest, Ken Hughes,
John Huston, Joseph McGrath e Robert Parrish; 1968: Prudence and the Pill, de
Fielder Cook; 1969: The Gypsy Moths (Os Paraquedistas), de John Frankenheimer;
The Arrangement (O Compromisso), de Elia Kazan; 1982: BBC2 Playhouse (episódio
"A Song at Twilight"); Witness for the Prosecution (telefilme); 1984:
A Woman of Substance, de Don Sharp
(mini-série de TV); 1985: The Assam Garden, de Mary McMurray; Reunion at
Farnborough, de Herbert Wise (telefilme); A Woman of Substance (mini-série de
TV); 1986: Hold the Dream, de Don Sharp (telefilme).
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