A RODA DA FORTUNA (1953)
Vincente
Minnelli é um cineasta de um bom gosto, de uma sensibilidade plástica, de uma
inteligência, de um sentido do espectáculo raros. Tocou vários géneros, e quase
sempre bem, mas nas décadas de 30 a 60 do século XX demonstrou um àvontade e um
vigor notáveis no musical, onde foi um inovador destacado, autor de várias
obras que para sempre ficaram na História do cinema. Basta citar “Meet Me in
St. Louis” (1944), “Ziegfeld Follies” (1945), “Yolanda and the Thief” (1945,
“The Pirate” (1948), “An American in Paris” (1951), “The Band Wagon” (1953),
“Brigadoon” (1954) “Gigi” (1958) “Bells Are Ringing” (1960) ou mesmo “On a
Clear Day You Can See Forever” (1970) para se ter a medida do seu talento e da
sua importância na imposição de um género e na sua constante renovação.
“The
Band Wagon” (A Roda da Fortuna) é uma produção da MGM e do carismático produtor
Arthur Freed, um dos nomes que mais decisivo se mostrou na definição do género,
para o que contou muitas vezes com o génio de Vincent Minelli, e, neste caso, com
a colaboração de uma elenco brilhante, com Fred Astaire e Cyd Charisse como
chefes de quadro, mas muito bem coadjuvados por Oscar Levant, Nanette Fabray,
Jack Buchanan e muitos outros, num argumento bem arquitectado por Betty Comden
e Adolph Green. Bem arquitectado, mas muito simples. Muito simples, mas nada
simplista. Afinal por ali passa muito pensamento sobre o que é o teatro e a
arte. Mas fundamentalmente esta é uma estrutura óssea que permite a inclusão
torrencial de números de bailado, razão principal do filme. As próprias
personagens o explicam.
Quem
gosta de musicais não precisa de mais explicações para se deixar levar na onda
da música e do canto, sonhando esvoaçar no palco com Cyd Charisse nos braços ou
tentando imitar o sapateado de Astaire. Mas o restante público, e há muito
espectador que não gosta de musicais, que não tolera estes diálogos cantados,
este aparente faz que anda mas não anda dos bailados, esses talvez se tornem
permeáveis à beleza destes filmes se lhes acrescentarmos mais algumas palavras.
Neste caso, acredito que se gosta ou não se gosta e pouco haverá a fazer. Mas é
sempre bom tentar.
“A Roda
da Fortuna” não é um filme excepcional pelo argumento, apesar deste ultrapassar
em muito a sua aparente frivolidade. Mas parece-se a algumas dezenas de outros,
com a característica deste ser infinitamente mais inteligente que muitos outros.
Tony Hunter (Fred Astaire), bailarino, cantor, actor, regressa a Nova Iorque e,
na estação de caminhos-de-ferro (onde encontra Ava Gardner!), tem à sua espera
um casal de amigos e argumentistas, Lester e Lily Marton (Oscar Levant e
Nanette Fabray), que têm na mão o guião do que eles afirmam ser um novo sucesso
da Broadway. Contam com o apoio de um encenador e actor nessa altura de grande
prestígio, Jeffrey Cordova (Jack Buchanan), e a colaboração de uma bailarina
clássica, disposta a lançar-se nos palcos da Rua 42, a bela Gabrielle Gerard
(Cyd Charisse). Mas nem tudo é fácil neste mundo do “entertainment”, aparecem
sempre encenadores megalómanos, actores invejosos, outros inseguros, ensaios e
mais ensaios, esperanças e desilusões, triunfos e fracassos, até se chegar à
noite de estreia em Nova Iorque (na América normalmente antecedida por uma
tournée por algumas das principais cidades do país, para rodar a companhia).
É disso
tudo que trata “A Roda da Fortuna”, com a excelente “agravante” de nos ir
proporcionando magníficos “números” que ficam na memória de todos. Por mim,
retenho “clássicos” como “That's Entertainment” (um must dos musicais), “By
Myself”, “You and the Night and the Music”, “Triplets”, “Something to Remember
You By”, “Dancing in the Dark” (um dos mais belos números de dança de Fred
Astaire, aqui ao lado da soberba Cid Charisse), “The Girl Hunt” (paródia ao
mundo do filme policial e em especial ao universo do escritor Mickey Spillane)
e um pouco conhecido mas delicioso “Shine on My Shoes”, que se integra numa
delirante viagem pela rua 42, outrora o reino do musical da Broadway e agora
transformada numa espécie de feira popular (lamenta Tony Hunter, enquanto vai
experimentando cada uma das atracções).
Por
tudo isto, “The Band Wagon” é um dos mais fabulosos musicais da época de Ouro
de Hollywood (ao lado de obras-primas como “Serenata à Chuva”, com o qual
mantém curiosas afinidades, sendo-lhe posterior um ano, ou “Um Americano em
Paris”). A esta obra se chamou "backstage musical" (um musical de
bastidores) e assim é, relatando alguns aspectos da forma como se ergue um
espectáculo num dos teatros da Broadway. A visão é obviamente romântica, mas tem
algo a ver com o recente “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, do
mexicano Alejandro González Iñárritu que, numa perspectiva muito mais sombria,
e sem falar de musicais, mas de teatro moderno, nos permite o mesmo olhar
através dos corredores por detrás do palco, com os seus dramas e frustrações.
O filme
adapta um musical da Broadway, estreado em 1931, com Fred Astaire e sua irmã
Adele Astaire. Foi nomeado para três Oscars; Melhor Argumento, Betty Comden e
Adolph Green; Melhor Guarda-roupa, Mary Ann Nyberg, e Melhor Música, Adolph
Deutsch. Entretanto será de referir a qualidade das canções, muitas delas da
dupla Howard Dietz e Arthur Schwartz, e salientar ainda que esta obra é uma das
preservadas pelo National Film Registry, ocupando a 17ª posição na lista dos 25
maiores musicais americanos de todos os tempos, lista organizada pelo American
Film Institute (AFI, 2006).
A RODA DA FORTUNA
Título original: The Band Wagon
Realização: Vincente Minnelli (EUA, 1953);
Argumento: Betty Comden, Adolph Green, e ainda (não creditados) Norman Corwin,
Alan Jay Lerner; Produção: Roger Edens, Arthur Freed, Bill Ryan; Música:
Alexander Courage, Adolph Deutsch, Conrad Salinger; Fotografia (cor): Harry Jackson, George J. Folsey; Montagem:
Albert Akst, George White; Direcção artística: E. Preston Ames, Cedric
Gibbons; Decoração: F. Keogh Gleason,
Edwin B. Willis; Guarda-roupa: Mary Ann Nyberg; Maquilhagem: Sydney
Guilaroff, William Tuttle; Direcção de Produção: Hugh Boswell; Assistentes de realização:
Jerry Thorpe, Al Alt, Jack Greenwood;
Departamento de arte: Oliver Smith, Robert Cormack, Frank Wesselhoff;
Som: Douglas Shearer, James Brock, Ben Price; Efeitos especiais: Warren
Newcombe; Companhia de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Intérpretes: Fred Astaire (Tony
Hunter), Cyd Charisse (Gabrielle Gerard), Oscar Levant (Lester Marton), Nanette
Fabray (Lily Marton), Jack Buchanan (Jeffrey Cordova), James Mitchell (Paul
Byrd), Robert Gist (Hal), Fred Aldrich, Richard Alexander, Ernest Anderson,
Barbara Bailey, Patsy Bangs, Lysa Baugher, Ralph Beaumont, Don Beddoe, Madge
Blake, Herman Boden, Paul Bradley, Joe Brockman, Robert Burton, James Conaty,
Henry Corden, Oliver Cross, Lillian Culver, Fred Datig Jr., Dulcie Day, Helen
Dickson, Roy Engel, Estelle Etterre, Betty Farrington, Al Ferguson, Bess
Flowers, Steve Forrest, Bill Foster, Douglas Fowley, Wymer Gard, Ava Gardner
(ela própria), Jack Gargan, Herschel Graham, Marion Gray, Thurston Hall, Sam
Hearn, Al Hill, Stuart Holmes, Colin Kenny, Donald Kerr, John Lupton, Judy
Matson, Matt Mattox, Bert May, Frank McClure, Owen McGiveney, Harold Miller,
Lawrence Montaigne, Julie Newmar, Loulie Jean Norman, Emory Parnell, Manuel
París, Paul Power, Phil Rhodes, Barbara Ruick, Frank J. Scannell, George
Sherwood, Robert Spencer, Harry Stanton, Bob Stebbins, Lotte Stein, Bert
Stevens, Norman Stevens, Jack Stoney, Brick Sullivan, Hal Taggart, Jack Tesler,
Jimmy Thompson, Dee Turnell, Glen Walters, Bobby Watson, Smoki Whitfield,
Stuart Wilson, Gloria Wood, etc. Duração: 112 minutos; Distribuição em
Portugal: MGM; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal:
15 de Abril de 1954.
CYD CHARISSE (1921-2008)
Quando
nasceu chamaram-lhe Tula Ellice Finklea, mas também foi conhecida por Lily
Norwood, Celia Siderova, Maria Istromena, além de Cyd Charisse, nome com que
passou à história. Foi actriz e bailarina, das mais elegantes e sedutoras que o
cinema americano conheceu. Tinha umas das mais belas pernas da História do
cinema. Era conhecida mesmo por “The Legs”, o que não fazia jus a outras
qualidades suas. Essas belíssimas pernas de pouco valeriam se não tivessem por
detrás uma personalidade que as comandasse na direcção certas. Mas eram
realmente valiosas para os estúdios, que as asseguraram em 5 milhões de
dólares.
Nasceu
a 8 de Março de 1921, em Amarillo, Texas, EUA, e faleceu a 17 de Junho de 2008,
com 87 anos, em Los Angeles, Califórnia, EUA. Estudou ballet em Los Angeles com
Adolph Bolm e Bronislava Nijinska e começou a dançar nos Ballets Russes, com os
pseudónimos de "Celia Siderova" e "Maria Istromena". Com o
eclodir da II Guerra Mundial, a companhia dissolveu-se e, em Los Angeles, David
Lichine oferece-lhe um papel de dançarina em “Something to Shout About” (1943).
O coreógrafo Robert Alton, que também descobriu Gene Kelly, levou-a até ao
produtor Arthur Freed, da MGM, que a contratou para o seu ballet residente. A
sua carreira ficaria para sempre ligada a “números” de bailado, ao lado de Fred
Astaire e Gene Kelly. Ziegfeld Follies (1946) marca a sua primeira aparição ao
lado de Fred Astaire, conquistando logo a seguir o papel principal em “The Band
Wagon” (1953), onde, novamente ao lado de Astaire, celebrizou coreografias de
"Dancing in the Dark" e "Girl Hunt Ballet". Ainda com
Astaire aparece em “Silk Stockings” (1957), um remake musical de “Ninotchka”,
com Charisse no papel que foi de Greta Garbo. Com Gene Kelly, aparece na
obra-prima do musical, “Singing in the Rain” (1952), voltando a trabalhar com
Kelly em “Brigadoon” e “It's Always Fair Weather” (1956). Com o declínio do
género musical no final dos anos 50, Charisse retirou-se da dança, mas
continuou a realizar pequenas participações em filmes e produções de TV até os
anos 90.
Casada
com o bailarino Nico Charisse (1939–1947) e, posteriormente, com o cantor e actor
Tony Martin (1948–2008). A 9 de Novembro de 2006, Laura Bush e George W. Bush
entregaram-lhe a National Medal of Arts. Morreu de ataque cardíaco, no Centro
Médico Cedars-Sinai, de Los Angeles, no dia 17 de Junho de 2008 e o enterro
efectuou-se no Hillside Memorial Park, em Culver City, EUA.
Filmografia
Como actriz: 1941: The Gay Parisian
(curta-metragem); Escort Girl, de Edward E. Kaye (não creditada); 1943:
Something to Shout About (Saúde, Dinheiro e Amor), de Gregory Ratoff; Mission
to Moscow, de Michael Curtiz; Thousands Cheer (A Festa dos Ídolos), de George
Sidney; 1944: In Our Time (Nos Nossos Dias), de Vicent Sherman (não creditada);
This Love of Mine (curta-metragem); 1945: Ziegfeld Follies (As Mil Apoteoses de
Ziegfeld), de Roy Del Ruth, Vincente Minnelli, George Sidney, Lemuel Ayers, Roy
Del Ruth, Robert Lewis, Merrill Pye, Charles Walters; 1946: The Harvey Girls (A
Batalha do Pó de Arroz), de George Sidney; Three Wise Fools (Éramos 3
Companheiros), de Edward Buzzell; Till the Clouds Roll By (Até as Nuvens
Passarem), de Richard Whorf; 1947: Fiesta (Fiesta), de Richard Thorpe; The
Unfinished Dance (A Dança Incompleta), de Henry Koster; 1948: On an Island with
You (Numa Ilha com Ela), de Richard Thorpe; The Kissing Bandit, de László Benedek;
1948: Words and Music (Os Reis do Espectáculo), de Norman Taurog; 1949:
Tension, de John Berry; East Side, West Side (Mundos Opostos), de Mervyn LeRoy;
1951: Mark of the Renegade (A Marca do Renegado), de Hugo Fregonese; 1952: The
Wild North (Loucura Branca), de Andrew Marton; Singin' in the Rain (Serenata à
Chuva), de Stanley Donen; 1953: Sombrero (Sombrero), de Norman Foster; The Band
Wagon (A Roda da Fortuna), de Vincente Minnelli; Easy to Love (Fácil de Amar),
de Charles Walters; 1954: Brigadoon (Brigadoon: A Lenda dos Beijos Perdidos),
de Vincente Minnelli; Deep in my Heart (Bem no Meu Coração), de Stanley Donen;
1955: It's Always Fair Weather (Dançando nas Nuvens), de Stanley Donen e Gene
Kelly; 1956: Viva Las Vegas (Viva Las Vegas), de Roy Rowland; 1957: Silk
Stockings (Meias de Seda), de Rouben Mamoulian; 1958: Twilight for the Gods
(Crepúsculo no Oceano), de Joseph Pevney; Party Girl (A Rapariga Daquela
Noite), de Nicholas Ray; 1960: Checkmate, episódio “Dance of Death”, de Terence
Young (TV); 1961: Five Golden Hours (O Cangalheiro e as Viúvas), de Mario
Zampi; 1962: Something's Got to Give, de George Cukor (filme nunca terminado);
Two Weeks in Another Town (Duas Semanas Noutra Cidade), de Vincente Minnelli;
1-2-3-4 ou Les Collants Noirs (Um, Dois, Três, Quatro), de Terence Young; 1965:
Il Segreto del Vestito Rosso (O Segredo de Bil North), de Silvio Amadio; 1966:
The Silencers (Matt Helm, Agente Muito Secreto), de Phil Karlson; 1967: Maroc
7, de Gerry O'Hara; 1972: Fol-de-Rol (TV); 1975: Medical Center (TV); 1976: Won
Ton Ton, the Dog Who Saved Hollywood (Won Ton Ton, O Cão que Salvou Hollywood),
de Michael Winner; 1978: Warlords of Atlantis (Os Guerreiros da Atântida), de
Kevin Connor; 1978: Hawaii Five-O (TV); 1978-1983: Fantasy Island (TV); 1979: O
Barco do Amor (TV); 1980: Portrait of an Escort (TV); 1984: The Fall Guy (TV);
Glitter (TV); 1985: Crime, disse ela (TV); 1986: Crazy Like a Fox (TV); 1989:
Swimsuit (TV); 1995: A Lei de Burke (TV); 1995: Frasier, O Psiquiatra da Rádio
(TV); 2008: Meurtres à l'Empire State Building (TV).
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