sábado, 11 de junho de 2016

SESSÃO 28: 25 DE JULHO DE 2016


LADRÃO DE CASACA (1955)

Na filmografia de Alfred Hitchcock, “To Catch a Thief” funciona quase como um divertimento. Não tem a densidade dramática, nem a intensidade de suspense, nem a profundidade de análise psicológica das obras maiores do mestre, mas aproxima-se muito do que era para si o cinema, um entretenimento de massas. “Não faço filmes para a crítica, não faço filmes para os produtores, faço filmes para distrair o público”. “Ladrão de Casaca” é uma excelente distracção, e não deve ter sido (e continua a não ser) só para os espectadores, mas também para quem o rodou em exteriores na Riviera Francesa, entre Cannes e Mónaco. Todo o filme reflecte o ambiente de uma contagiante boa disposição, de descontracção, de alegria a que a paisagem e o clima predispunham.
O argumento de John Michael Hayes e Alec Coppel (este não creditado) parte de um romance de David Dodge, que, de certa forma, consciente ou inconscientemente, parece prolongar as aventuras de Arsène Lupin, o sedutor ladrão de jóias que o popular escritor francês Maurice Leblanc imortalizou. Neste caso temos "Robie The Cat" (Cary Grant), outrora célebre ladrão de alta sociedade, agora confessadamente retirado das lides, mas que é obrigado a voltar a trepar aos telhados da Riviera Francesa, desta feita não para penetrar nos hotéis e nos palacetes mais cobiçados pelo seu recheio, mas para tentar surpreender alguém que lhe anda a usurpar os métodos, a indumentária, o objecto dos seus roubos. Claro que a polícia se coloca no seu encalço o que é mais uma razão para o elegante Robie trepar pelas paredes para não ir parar aos calabouços. Entre as muitas possíveis vítimas encontra-se Frances (Grace Kelly), a belíssima americana em viagem de turismo, acompanhada pela mãe, que sente uma profunda atracção por este gatuno de luvas brancas (por acaso são pretas) cuja vida aventurosa a seduz.
Mais uma vez temos alguns temas constantes da filmografia de Hitch, entre eles o falso culpado que tenta defender-se e a bela loura que protagoniza tantas das suas obras, desde Kim Novak, Tippi Hedren, Eva Marie Saint, Janet Leigh, Doris Day, até Ingrid Bergman ou a sua musa de eleição, Grace Kelly, que é não só a interprete de “To Catch a Thief”, como ainda de “Chamada para a Morte” e de “Janela Indiscreta”, que havia sido produzido um ano antes (1954) e que se transformara num dos maiores sucessos da carreira do cineasta, e que se prolonga até hoje. “Ladrão de Casaca” tenta reproduzir o êxito anterior, para tanto mantendo muitos dos colaboradores (desde o argumentista John Michael Hayes que assinara o guião de “Rear Window”, até Robert Burks, o director de fotografia, George Tomasini, o montador, J. McMillan Johnson e Hal Pereira, na direcção artística, Edith Head, no guarda-roupa…) e mantendo um par romântico em que a loura de aparência cândida, mas de comportamento frio e esquivo, era a mesma Grace Kelly, trocando apenas James Stewart por Cary Grant, que mantinham entre si, todavia, características muito semelhantes. O resultado foi igualmente um sucesso de público, mas a crítica torceu um pouco o nariz a este devaneio humorístico de Hitchcock, com muito de comédia sentimental e pouco de suspense de cortar à faca. Sublinhe-se ainda a qualidade dos diálogos, de um humor cheio de duplos sentidos, de uma ironia fina, por vezes deliciosamente “incorrectos” no que deixam subentender.


Mas o filme é mais um hino à beleza deslumbrante daquela que pouco depois seria princesa do Mónaco (e que iria morrer num acidente de viação numa das estradas que ela e Cary Grant percorrem em louca correria neste “Ladrão de Casaca”, precisamente numa das curvas onde o casal de actores pára o seu bólide, para um piquenique) e ao seu excelente partenaire, mas igualmente ao talento de Hitchcock. Por falar nisso, será curioso não esquecer o que o cineasta confessou a François Truffaut sobre os seus gostos pelas mulheres que surgem nos seus filmes: “uma mulher não deve parecer vulgar, nem fazer sobressair os seus encantos a toda a hora. Só as verdadeiras senhoras, que só são putas no quarto, me interessam”. Na verdade, se percorrermos a filmografia de Hitch esta realidade é uma constante: mulheres aparentemente frias, distantes, elegantes, de porte altivo e aristocrático, mas de forte intensidade erótica e sensual que se pressente para lá das aparências. O que mantém o tom da obra num clima de constante troca de sedução entre o retirado ladrão de jóias e a bela milionária que se lhe atravessa no caminho.
Também a paisagem da Côte d’Azur é magnificamente explorada, numa época em que fazia as delícias das plateias americanas e internacionais (veja-se a quantidade de filmes ali rodados por esses anos!) e o desenho das personagens é bem conseguido, furtando-se de alguma forma aos estereótipos, quando não brinca mesmo com eles. Hitch não deixa de ser um autor com rasgos de génio (o seu ódio aos ovos fica aqui bem demonstrado com duas cenas de antologia: a mãe de Frances ao apagar um cigarro na gema de uma ovo estrelado, ou o ovo que é atirado contra "Robie The Cat" e que se esborracha no vidro de uma parede). Também a sequência inicial é muito justamente citada, quando a câmara desce num lento travelling sobre um placard onde se lê “If you love life, you’ll love France”, a que se segue um grito de mulher que descobre o roubo das suas preciosas jóias.
Mas deve ainda referir-se de novo a fotografia de Robert Burks, que ganha o Oscar nesse ano, e que explora devidamente as potencialidades do VistaVision, um processo lançado pela Paramount para competir com o Cinemascope da Warner, que estreara não há muito “A Túnica” com enorme sucesso.

LADRÃO DE CASACA
Título original: To Catch a Thief
Realização: Alfred Hitchcock (EUA, 1955); Argumento: John Michael Hayes, Alec Coppel (não creditado), segundo romance de David Dodge; Produção: Alfred Hitchcock; Música: Lyn Murray; Fotografia (cor): Robert Burks; Montagem: George Tomasini; Direcção artística: J. McMillan Johnson, Hal Pereira; Decoração: Sam Comer, Arthur Krams; Guarda-roupa: Edith Head; Maquilhagem: Wally Westmore; Direcção de Produção: C.O. Erickson; Assistentes de realização: Herbert Coleman, Daniel McCauley; Departamento de arte: Dorothea Holt, Joe Keller, Robert McCrillis; Som: John Cope, Harold Lewis; Efeitos visuais: Farciot Edouart, John P. Fulton; Companhia de produção: Paramount Pictures; Intérpretes: Cary Grant (John Robie), Grace Kelly (Frances Stevens), Jessie Royce Landis (Jessie Stevens), John Williams (H.H. Hughson), Charles Vanel )Bertani), Brigitte Auber (Danielle Foussard), Jean Martinelli (Foussard), Georgette Anys (Germaine), George Adrian, John Alderson, Martha Bamattre, René Blancard, Eugene Borden, Nina Borget, Margaret Brewster, Lewis Charles, Frank Chelland,  Wilson Cornell, Reinie Costello, William 'Wee Willie' Davis, Dominique Davray, Louise De Carlo, Guy De Vestel, Gloria Dee, Kathleen Desmond, Lala Detolly, Dolores Ellsworth, George Ellsworth, Bess Flowers, Russell Gaige, Steven Geray, Art Gilmore, Michael Hadlow, Lars Hensen, Alfred Hitchcock (homem sentado no autocarro, ao lado de John Robie), Gladys Holland, Jean Hébey, Beverly Ruth Jordan, Lorraine Knight, Bela Kovacs, Jeanne Lafayette, Donald Lawton, Eddie Le Baron, Roland Lesaffre, Edward Manouk, Jonathan Marlowe, Jerri McKenna, Don Megowan. Louis Mercier, Alberto Morin, George Nardelli , Paul Newlan, Barry Norton, George Paris, Manuel París, Joan Patti, Leonard Penn, Albert Pollet, Loulette Sablon, Cosmo Sardo, Otto F. Schulze, Lal Singh, Adele St. Mauer, Marie Stoddard, Aimee Torriani, Philip Van Zandt, Geni Whitlow, Phyllis Young, etc. Duração: 106 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais / Paramount; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 12 de Janeiro de 1956.


GRACE KELLY (1929 – 1982)
As aparências iludem, sempre se ouviu dizer, e por vezes são as falsas aparências que motivam as grandes descobertas. Uma mulher pode ser uma pedra de gelo por fora e um vulcão por dentro, pode possuir o comportamento exterior e o estatuto de princesa, mas revelar só aos muito íntimos a fogosidade da sua paixão. Por isso se compreende que que Grace Kelly tenha sido a musa de Hitchcock, que gostava de mulheres assim. Mas não foi só com Hitch que Grace foi princesa antes de o ser. Toda a sua filmografia evoca essa silhueta de “cisne”, essa posse de “alta sociedade”, essa promessa de “para sempre”. Como dizem em linguagem popular, Grace era uma senhora que parecia não partir um prato e que, se calhar, teria partido todo o serviço. Cremos que essa ambiguidade que se adivinhava terá feito grande parte da sua sedução.
Grace Patricia Kelly nasceu a 12 de Novembro de 1929, em Filadélfia, Pensilvânia, EUA, e faleceu a 14 de Setembro de 1982, no Mónaco, vítima de um acidente de automóvel.
De ascendência irlandesa e alemã, era a segunda filha de Jack Kelly e Margaret Katherine Maier, o pai campeão olímpico de remo e a mãe treinadora desportiva. Grace Kelly desde muito nova demonstrou interesse pelo teatro, tendo actuado, ainda quando criança, em várias peças escolares. Estudou na Ravenhill Academy e na Stevens School, onde se licenciou, ambas em Germantown, Pensilvânia. Mudou então para Nova Iorque, para estudar teatro na Academia Americana de Artes Dramáticas. Tendo na família vários parentes que gostavam e praticavam artes cénicas, Grace foi por eles encorajada. Passou a viver no “Barbizon Hotel for Women”, um hotel de prestígio para mulheres endinheiradas, onde era impedida a entrada de homens depois das 22 horas, e começou a trabalhar como modelo para sustentar os seus estudos. A sua estreia nos palcos da Broadway foi em “The Father”, de August Strindberg. O produtor e realizador Delbert Mann, após ver Grace Kelly num dos vários episódios por si interpretados na TV, convida-a a integrar o elenco da produção televisiva “Bethel Merriday”, uma adaptação da obra de Sinclair Lewis, e depois para surgir no filme “Fourteen Hours”, de Henry Hathaway. Foi durante a rodagem desta obra que Gary Cooper a notou, afirmando que ela era "diferente de todas as actrizes” que ele via com frequência. Pouco depois, recebia um convite de Stanley Kramer, que lhe ofereceu o papel principal do filme “High Noon”, de Fred Zinnemann. O filme trouxe-lhe um contrato de oito anos com a MGM. Em 1953, foi convidada por John Ford para “Mogambo”, dado que Gene Tierney desistira do papel. Grace Kelly recebeu um Globo de Ouro na categoria Melhor Actriz Secundária, e uma nomeação ao Oscar na mesma categoria. Em 1954, Alfred Hitchcock chama-a para “Dial M for Murder”, a que se seguem “Rear Window” e “To Catch a Thief”. Grace ficou conhecida como a “Musa de Hitchcock”. Com “The Country Girl”, de George Seaton, ganha o Oscar, e até 1956, data em que abandona o cinema, ainda interpreta “Green Fire”, de Andrew Marton, “The Bridges at Toko-Ri”, de Mark Robson, “The Swan”, de Charles Vidor e “High Society”, de Charles Walters. Pouco depois casa com o Príncipe Rainier do Mónaco, tornando-se assim princesa, muito badalada em revistas de jet set. Teve três filhos, Carolina, Alberto II e Estefânia. Morreu em 1982, num acidente de automóvel, com 52 anos de idade. Está sepultada na Catedral de São Nicolau, na cidade do Mónaco.


Filmografia:

Como actriz: 1948-1954: Kraft Television Theatre (série de TV) – episódios “Old Lady Robbins”, “The Small House”, “The Cricket on the Hearth”, “Boy of Mine” e “The Thankful Heart”; 1950: Somerset Maugham TV Theatre (série de TV) – um episódio; The Clock (série de TV) – episódio “Vengeance”; Big Town (série de TV) – episódio “The Pay-Off”; Actor's Studio (série de TV) - episódios “The Swan”, “The Token”, “The Apple Tree”; Believe It or Not (série de TV) – episódio “The Voice of Obsession”; 1950-1952 Studio One (série de TV) – episódios “The Kill”, “The Rockingham Tea Set”; Lights Out (série de TV) – episódios – “The Borgia Lamp” (1952); “The Devil to Pay” (1950); Danger (série de TV) – episódios – “Prelude to Death2 (1952); “The Sergeant and the Doll” (1950); 1950-1953 The Philco Television Playhouse (série de TV) – episódios “The Way of the Eagle”, “Rich Boy”, “The Sisters”, “Leaf out of a Book”, “Ann Rutledge”, “Bethel Merriday”; 1951: Fourteen Hours (14 Horas), de Henry Hathaway; Nash Airflyte Theatre (série de TV) – episódio “A Kiss for Mr. Lincoln”; The Prudential Family Playhouse (série de TV) - episódio “Berkeley Square” (1951); 1951-1952 Armstrong Circle Theatre (série de TV) – episódios “Recapture”, “City Editor”, “Brand from the Burning”, “Lover's Leap”; 1952: High Noon (O Comboio Apitou Três Vezes), de Fred Zinnemann; Goodyear Television Playhouse (série de TV) – episódio “Leaf Out of a Book”; The Big Build Up (teledramático) – episódio “Don Quixote”; Suspense (série de TV) – episódio “Fifty Beautiful Girls”; Robert Montgomery Presents (série de TV) – episódio “Candles for Theresa”; 1952-1953: Lux Video Theatre (série de TV) – episódios “The Betrayer”, “A Message for Janice”, “Life, Liberty and Orrin Dudley”; 1953: Mogambo (Mogambo), de John Ford; 1954: Dial M for Murder (Chamada para a Morte), de Alfred Hitchcock; 1954: Rear Window (Janela Indiscreta), de Alfred Hitchcock; The Country Girl (Para Sempre), de George Seaton; Green Fire (Tentação Verde) de Andrew Marton; The Bridges at Toko-Ri (As Pontes de Toko-Ri), de Mark Robson; 1955: To Catch a Thief (Ladrão de Casaca), de Alfred Hitchcock; 1956: The Swan (O Cisne), de Charles Vidor; High Society (Alta Sociedade), de Charles Walters. 

Sem comentários:

Enviar um comentário